Edição 355
A nova gestão da Previ, iniciada este ano com a posse de João Fukunaga indicado pelo Banco do Brasil, decidiu adotar maior controle em relação à governança em empresas nas quais detém participação expressiva e assentos nos conselhos. Em linha com essa estratégia, vetou em assembleias, neste início de ano, algumas propostas de aumento da remuneração variável de administradores. Gestora de uma carteira de investimentos de R$ 253,8 bilhões e com 87 assentos em conselhos de administração e fiscal de companhias de setores variados, a Previ quer manter os ganhos dos administradores em patamares compatíveis com os dividendos recebidos por suas participações. Salários vultosos e crescentes, nessa nova visão, só se tiver por base resultados financeiros ascendentes e se vierem acompanhados de dividendos idem.
“Já votamos contra algumas remunerações propostas este ano. Traz um dissabor ficarmos sem receber nossos dividendos e o administrador colocando dinheiro no bolso. Pregamos o alinhamento de incentivos. Todo mundo tem que remar para o mesmo lado”, diz Denísio Liberato, diretor de Investimentos da Previ, executivo egresso da gestão anterior que foi mantido no cargo pelo recém empossado presidente. O rombo de cerca de R$ 20 bilhões da Americanas, criado em paralelo aos sucessivos aumentos de remunerações dos controladores e do CEO, serviu como sinal de alerta para que a fundação dos funcionários do Banco do Brasil voltasse atenções para a governança – o G do ESG – de suas controladas.
A questão central é assegurar que a remuneração do capital ocorra de forma adequada. “Nós, como acionistas, precisamos dos dividendos para fazer frente aos compromissos com nossos associados. No Brasil, por vezes, infelizmente, o acionista, que é quem emprega o capital e tem o maior risco, não é devidamente remunerado vis a vis o que ganha o administrador das companhias. Esse é um tema caro à Previ, gera um certo desgaste nas assembleias, mas cada vez mais vamos levantar essa bandeira”, conclui o executivo, citando, o caso do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), além do recente exemplo da Americanas, que mantinha remunerações elevadas para os administradores e retornos tímidos para os acionistas. “A Previ advoga pela questão da integridade. As demonstrações financeiras têm que ser críveis”, diz.
A queda de braço promete render bons frutos. A Previ tem assento em conselhos de grandes marcas como Ambev, dos mesmos controladores da Americanas, Vale, Natura, Neoenergia, Lojas Renner, Itaú, Bradesco, Gerdau, Invepar, para citar apenas alguns. O foco na agenda ESG, sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança, promete mudanças.
Liberato assumiu, em janeiro deste ano, assento no Conselho Global do PRI (Princípios para o Investimento Responsável, na sigla em inglês), uma organização de abrangência internacional apoiada pela ONU. Embora a Previ tenha participado da criação do PRI, em 2006, a América Latina ficou um bom tempo sem representação no Conselho. Com o novo posto, o diretor espera levar a agenda ESG para a ponta da estratégia de investimentos da Fundação. Empresas que não seguirem princípios das três letrinhas estarão fora do radar dos investimentos da Fundação.
“Fazer parte do Conselho do PRI será uma oportunidade para a Previ se conectar com a discussão da agenda ESG e também de retomar seu protagonismo, especialmente na América Latina. Quando o tema são os critérios Ambientais, Sociais e de Governança, a Previ exerce natural influência local. É importante que os demais fundos de pensão integrem o PRI. Vão ganhar mais visão do sistema financeiro internacional”, diz Liberato. Hoje, apenas 12 gestoras e investidores institucionais brasileiros fazem parte do grupo, muito pouco tendo em vista os mais de 5.500 membros internacionais e os US$ 130 trilhões em ativos sob gestão da ação global. A BNDESPar acenou que se tornará signatária, mas ainda não há seguradoras brasileiras.
Mas, na prática, o que muda? A essa pergunta, o executivo responde: “Vamos fazer um movimento para que essa pauta fique mais perto da gestão de investimentos”. Em resumo, haverá duas estratégias para os dois produtos da Fundação, uma para o plano mais recente, o de Contribuição Variável (CV), outra para o mais antigo, o de Benefício Definido (BD).
No primeiro caso, o CV, em fase de acumulação e com entrada mensal de recursos, os gestores farão alocação direcionada, investindo em companhias com pegada ESG. A decisão terá como base a visão de que é preciso casar benefícios de longo prazo com empresas de futuro promissor. Ou seja, apostar em teses que vão vingar nas próximas décadas. O PRI, segundo o executivo, ajuda nesse ferramental de análise, entendendo quem está bem na agenda ESG e quem vai mal.
“Algumas empresas serão campeãs na transição energética e outras terão dificuldades. Quem ganha dinheiro vendendo carro a combustão, no futuro não vai ganhar mais. Vamos combinar a questão da preservação do planeta com rentabilidade”, diz, citando a Neoenergia como exemplo bem-sucedido no setor.
Termelétricas a carvão, por exemplo, estão fora do radar. Outras, cujas atividades são passíveis de aporte de capital, apesar de atividades de impactos ambientais negativos, a Previ analisará os efeitos sobre a receita da compra de créditos de carbono como forma de compensação. A rentabilidade cairá em decorrência do custo da compra de créditos? “Dessas, queremos estar fora”, diz. Há empresas, entretanto, que estarão na ponta oposta, gerando e vendendo créditos por terem atividades limpas, o que levará a aumento de receita. Essas serão o foco da Previ. A experiência no PRI, segundo Liberato, vai ajudar a separar o joio do trigo. Novos investimentos passarão por esses crivos.
No Plano de Benefício Definido, a estratégia é exigir cumprimentos de metas ESG das empresas do portfólio e avaliar a gradativa melhora dessas práticas nos próximos anos. “Vamos ver entre as nossas participações quanto estão emitindo em gases de efeito estufa, quanto emitiram no ano passado. Este ano tem que ser melhor. Como reutilizam água, como lidam com resíduos, como lidam com a comunidade? Podemos pedir que acelere o processo e que intensifique essa agenda”, diz. Tudo isso é quantificável, por meio de métricas internas. Caso o desempenho fique aquém do esperado, a Previ reduzirá sua participação gradualmente, podendo chegar a vender todas as ações da companhia.
Pelo lado positivo, a Fundação quer influenciar empresas de sua carteira na adoção de boas práticas, propondo metas para utilização de 100% energia limpa, por exemplo, atrelada à remuneração variável dos administradores. “Vamos estimular as companhias a buscarem alternativas ESG e monitoramos ano a ano”, diz.
Dentro dessa nova visão, como fica a participação da Previ na Vale, onde o fundo é dono de 8,4% do capital da empresa? Como resposta, ele citou mudanças realizadas. A mineradora, envolvida em duas tragédias de rompimento de barragens com danos ambientais gigantescos, enfrenta restrições de investidores, sendo excluída da carteira de grandes fundos de pensão internacionais e do índice Dow Jones de sustentabilidade. A Previ indicou dois nomes para o conselho da Vale, o que indica disposição de ampliar sua atuação como acionista. Em janeiro, a participação do fundo na companhia somava R$ 36,5 bilhões, além de R$ 5,8 bilhões na Litel, que reúne fundos de pensão acionistas da Vale.
“O minério da Vale é de belíssima qualidade, o que faz diferença para a China porque a produção derivada gera menos poluição. A Vale tem toda a cadeia de metais básicos, matéria-prima para a eletrificação da economia. Do ponto de vista do investidor, há um mix de receita muito interessante pela frente”, diz. Sobre as tragédias ambientais e sociais causadas pelo rompimento das barragens, Liberato cita os 54 compromissos assumidos pela Vale para mitigar efeitos e reparar danos. “Do ponto de vista de governança, a companhia melhorou absurdamente. Percebemos muitos avanços”, diz.
As mudanças na Previ vão se refletir, também, na gestão das carteiras de renda fixa e variável. Caso a proposta da Previc seja aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, o fundo dos funcionários do BB voltará com entusiasmo a aplicar diretamente em imóveis, motivado pelos bons resultados obtidos com aportes feitos no passado. Liberato aposta no impacto positivo da reforma tributária sobre o valuation das companhias e em ganhos de eficiência. Do ponto de vista conjuntural, a expectativa é de redução da Selic e, por tabela, das despesas financeiras, sobrando maior recursos para os acionistas.
A estratégia do ano passado de ampliar a alocação de recursos em renda fixa no plano BD (Plano 1), deve ser mantida. O fundo encerrou 2022 com 58,7% aplicados em renda fixa (R$ 132 bilhões) e 32,5% (R$ 72 bilhões) em renda variável. Apesar de o retorno de 16,8% dos investimentos de maior risco ter sido superior ao obtido em renda fixa, de 12,4%, a estratégia foi considerada acertada. “Conseguimos fazer boa alocação. A curva das NTNBs está remunerando bem acima da nossa meta atuarial. É importante casar a característica do ativo com a do nosso passivo. Conseguimos títulos públicos de prazos muito longos, até 2060, com pagamentos semestrais que se casam muito com o passivo do Plano 1. Faz sentido manter essa estratégia”, diz o executivo. Em 2022, o fundo pagou R$ 15,2 bilhões em benefícios, e conta, apenas com cerca de 3 mil funcionários na ativa.
No CV, o cenário é outro. “Vai chegar um período do ano em que vamos aumentar a carga em ativos de risco para capturar as oportunidades. Por enquanto, estamos muito alocados em caixa, por conta da taxa no nível em que está”, diz. A ideia é ampliar investimentos em crédito privado de boas empresas com baixo risco, em fundos multimercados e na exposição no exterior, sobretudo para o tipo de participante disposto a tomar mais risco. A maior parte dos participantes encontra-se em fase de acumulação e o fundo tem buscado maior diversificação em busca de maior retorno.
A resolução CNPC 43/2021, que exige que planos em fase de acumulação tenham que marcar ativos de renda fixa na curva, leva a alta volatilidade, afetando a performance do ativo, trazendo maior incerteza e podendo gerar transferência de riqueza entre os participantes. A carteira é composta de títulos públicos de longo, carregados até o vencimento. Logo, na medida em que a curva abre, a rentabilidade é prejudicada. A ideia é fomentar a discussão para aperfeiçoar a norma e evitar oscilações.