Edição 73
O sistema eletrônico de transação de títulos públicos que será criado na Bolsa do Rio não será uma cópia do que existe no mercado norte-americano. Embora possa ter muitos pontos de convergência, a realidade do mercado de títulos dos Estados Unidos é bastante diferente da brasileira. Apenas para citar, a maior parte das negociações do mercado secundário de títulos nos Estados Unidos acabam ocorrendo no mercado de balcão, sem uma participação expressiva das bolsas.
No Brasil, o que se pretende é que a maioria das transações passe pela Bolsa do Rio. A Bovespa, que fechou acordo com a Bolsa do Rio no final de janeiro passado dando a esta última o comando das operações no mercado eletrônico de títulos, já havia iniciado um ano antes o estudo para a criação desse mercado. No final de 1998, a Bovespa havia mandado três técnicos aos Estados unidos para estudar aquele mercado.
“O sistema brasileiro deve estar voltado para as necessidades das instituições financeiras locais e, por isso, não basta reproduzir o que há em outros países”, afirma Sérgio Luiz Cerqueira, assistente de projetos especiais da Bovespa e coordenador da equipe que viajou aos Estados Unidos. Segundo ele, embora a BVRJ tenha reiniciado os estudos sobre o modelo do sistema eletrônico de transações com títulos, muita coisa pode ser aproveitada do modelo que vinha sendo desenvolvido pela Bovespa, que já estava bastante adiantado.
Nos Estados Unidos, o mercado é dominado por um grupo de dealers ou market makers – a maior parte formado pelas tesourarias dos grandes bancos – e concentra cerca de 94% das negociações destes papéis, que costumam atingir a marca diária de US$ 4 trilhões. Apenas 6% das transações destes títulos são realizadas através de algum tipo de sistema eletrônico. “As negociações por telefone entre os grandes dealers ainda concentram a maior parte do mercado, mas existe uma tendência de expansão dos sistemas eletrônicos nos Estados Unidos”, diz Cerqueira.
O especialista explica que o processo de negociação eletrônica de títulos naquele país é um fenômeno recente, que vem se expandindo com maior amplitude nos últimos dois anos. O número de sistemas deste tipo saltou de 14 para 39 no período compreendido entre janeiro e dezembro de 99. Porém, o avanço dos sistemas eletrônicos não está provocando uma redução das negociações efetuadas no mercado de balcão. Os novos sistemas acabam sendo incorporados pelos dealers para dinamizar suas negociações. Exemplo disso é que os 11 maiores dealers dos Estados Unidos (CSFB, Goldman Sachs, Merrill Lynch, Chase, Morgan Stanley entre outros) estão se associando para criar um novo sistema denominado trade web.
O sistema possibilita a negociação direta entre os bancos e os investidores institucionais através de um esquema eletrônico que elimina a necessidade da atuação de intermediários (brokers). O sistema ainda continua funcionando através do esquema de ofertas, como se fosse um mercado de balcão eletrônico, no qual não há a precificação dos ativos através de telas. Outro sistema parecido, chamado Broker Tech, possibilita a negociação eletrônica bilateral entre os próprios dealers. Neste processo também não ocorre a formação imediata dos preços dos títulos.
Nos dois casos citados acima, os meios eletrônicos servem apenas para substituir a negociação por telefone por sistemas mais modernos.
Eficiência – “O mercado de balcão norte-americano é muito eficiente e o esquema adotado lá elimina a necessidade de centralização das negociações em bolsa ou em qualquer outra instituição”, opina Jorge Constantin Kapotaz, diretor de tesouraria internacional do Credibanco. Assim como ocorre nos EUA, ele acredita que os próprios bancos brasileiros serão capazez de promover a organização do mercado secundário de títulos públicos no Brasil. “As bolsas podem oferecer sistemas alternativos, mas a referência continuará sendo o mercado de balcão”, diz Kapotaz.
Mais importante que criar os sistemas eletrônicos, o diretor do Credibanco ressalta a necessidade de estabelecer regras para regular a atuação das instituições financeiras no mercado secundário. “O Banco Central precisa regulamentar e entrada dos bancos no mercado secundário de títulos através da análise das condições de crédito de cada um, assim como acontece nos Estados Unidos”, comenta.
De acordo com Cerqueira, o mercado de balcão norte-americano demonstra grande competência para negociar os papéis públicos. Isso não impede porém que surjam novos sistemas mais organizados que possam otimizar o funcionamento deste mercado. Ele cita dois exemplos que estão ajudando a dinamizar as negociações destes títulos entre nichos específicos.
O Bond Net, organizado pelo Bank of New York, permite a negociação de papéis entre investidores institucionais através do esquema de ordens. Outro sistema similar, mantido pela Bolsa de Boston (Boston Stock Exchange), também ajuda a ampliar a participação de institucionais neste mercado. Uma das vantagens destes sistemas é a formação de preços dos papéis nas próprias telas de negociação. Cerqueira acredita que o desenvolvimento do mercado secundário de títulos no Brasil seria impulsionado com a criação de um sistema que propiciasse a precificação eletrônica dos títulos públicos.