Edição 68
O Banco Central está tranquilo quanto aos efeitos que o Bug do Milênio possa ter sobre o sistema financeiro. A idéia de que a passagem dos anos 1999 para 2000 poderá representar um grande cataclisma para uma série de atividades, inclusive para a área financeira, é descartada pelo BC. “Os órgãos e as empresas se prepararam para enfrentar esse problema”, explica o coordenador do Comitê BC 2000, Antonio Gustavo Matos do Vale.
Ele é a pessoa no BC responsável pelo acompanhamento do tema Bug do Milênio. Embora as providências do BC para enfrentar o Bug tenham começado a ser divulgadas só recentemente, na verdade elas vêm sendo preparadas há mais tempo, desde o início de 1997, quando o governo definiu uma coordenação para cuidar do assunto, sob o controle da área de Orçamento e Gestão, explica Vale. Desde então, toda a administração direta e indireta, assim como os órgãos reguladores, têm buscado se cercar de uma série de garantias contra os efeitos do Bug.
O BC trabalhou sobre um organograma de datas bastante precisas, para que todas as simulações e testes em relação ao Bug pudessem ser cumpridos. Mas a divulgação dessas informações para o grande público só começou recentemente, pois se fosse feita antes o assunto seria encarado sem maior interesse. É diferente da situação dos grandes investidores do mercado, como é o caso dos institucionais, com quem o BC vem discutindo o tema há tempos. “Temos conversado com os institucionais há bastante tempo”, garante ele. “Com esse público, mais especializado, o assunto pôde ser tratado antes, pois ele compreendia sua importância”.
Vale acha que as medidas tomada pelo comitê coordenador junto à todas as áreas críticas afasta a possibilidade de uma surpresa no dia 31 de dezembro de 1999. Além de uma série de testes, o governo tomou medidas práticas para evitar surpresas, como aumentar o volume de dinheiro disponível nos bancos, para o caso de muita gente resolver sacar recursos das aplicações para ter dinheiro em mãos com medo de um descontrole nas contabilidades dos bancos. No caso específico do BC, que controla as instituições financeiras, veja nos parágrafos abaixo quais foram as medidas tomadas:
n Início de 1997 – governo cria dois comitês, o Deinfe para acompanhar as adequações nos sistemas internos de informática do próprio banco e o BC 2000 voltado à coordenar as adequações de todas as outras empresas financeiras, incluindo bancos, corretoras, distribuidoras de valores e entidades vinculadas. A primeira decisão do comitê BC 2000 foi criar um conjunto de normas para garantir que as ações das instituições fossem integradas entre si e com o BC. Essas normas foram repassadas ao sistema financeiro e foi dado um prazo até 31/12/98 para que ele se adequasse.
n Início de 1999 – quando o prazo para que as instituições financeiras se adequassem já tinha expirado, o BC deu início a um processo de fiscalização e a uma bateria de testes com elas, para checar a consistência das adaptações.
n Final de março/99 – foi feito o primeiro teste integrado com os 20 maiores bancos comerciais, envolvendo o sistema de compensação do Banco do Brasil e o sistema de processamento das reservas bancárias do BC. O resultado foi considerado satisfatório.
n Final de abril/99 – foi repetido o teste anterior, mas dessa vez simulando as operações no fictício dia 29 de fevereiro. Os resultados foram, também, considerados satisfatórios.
n Maio/99 – foi feito um teste com os bancos que possuem operações no exterior, envolvendo a câmara de compensações de Nova Yorque. Não houve problemas.
n Maio/99 – foi determinado que os bancos deveriam criar esquemas de contingenciamento para enfrentar eventuais falhas, e esses esquemas deveriam estar prontos até 30 de setembro. As empresas de auditoria independentes deveriam fazer relatórios sobre esses esquemas e enviá-los ao BC até 15 de novembro.
n Junho/99 – foi feito teste com o sistema financeiro brasileiro e o Swift, o sistema internacional de pagamentos. Não houve problemas.
n Agosto/99 – foi feito o primeiro teste real do sistema financeiro, processando-se todas as operações realizadas nos dias 6 e 9 de agosto, respectivamente uma sexta e uma segunda-feira, como se estivessem acontecendo nos dias 31 de dezembro e 3 de janeiro de 2000, também uma sexta e uma segunda-feira. Para isso, os computadores foram previamente zerados e suas datas alteradas. O processamento foi normal, não houve problemas.
n Setembro/99 – foi feito teste com as operações no Selic, que custodia os títulos públicos federais controlados pelo BC, inclusive com a realização de leilões simulados de títulos e a participação das instituições nesses leilões. Não houve problemas.
n Outubro/99 – foi feito teste envolvendo o sistema do Banco Central e da Receita Federal, do Serpros, da Siscomex (sistema que controla as importações e exportações) e da Dataprev (sistema que cuida das aposentadorias do INSS). Tudo funcionou normalmente, sem problemas.
n Novembro/99 – chegaram os relatórios feitos pelas empresas de auditoria sobre os esquemas de contingenciamento montado pelas instituições. O BC já começou a tabular esses relatórios.
Para Antonio Gustavo Matos do Vale, a situação está totalmente sob controle. “Acho que teremos o final de ano mais calmo do milênio, isso sim”, brinca ele. “Foi tudo muito bem preparado, os dados que nos têm chegado dão a certeza que todos os sistemas estão adaptados”.
Segundo ele, as medidas tomadas pelo sistema financeiro brasileiro estão de acordo com as que estão sendo recomendadas internacionalmente, entre outros por entidades como a Global Two Thousand, o Comitê da Basiléia e o Federal Reserve.
Mas, por via das dúvidas, tanto o Banco Central quanto as instituições financeiras suspenderam todos os esquemas de férias do pessoal ligado a área de informática no final deste ano e início do ano que vem. No caso do BC, a suspensão das férias vale tanto para o pessoal de informática quanto para metade do pessoal da área de fiscalização, entre os dias 15 de dezembro de 1999 e 15 de janeiro do ano 2000.