Banco Central contra fundos | Fundo Garantidor de Crédito (FGC) r...

Marcelo Levitinas, do Lobo & IbeasLuís Ricardo Martins, da Abrapp Edição 260

 

Uma série de ações da Justiça Comum que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) está preocupando os dirigentes de fundos de pensão. As entidades fechadas estavam ganhando várias ações nas primeiras instâncias da Justiça contra o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) em conflitos relacionados ao ressarcimento dos prejuízos de aplicações em ativos de bancos liquidados. O problema é que o FGC recorreu dessas derrotas. O mais preocupante para as fundações é que o Banco Central entrou na briga a favor do Fundo Garantidor.

Os representantes das fundações alegam que a cobertura das perdas deve ser realizada considerando os CPFs de cada participante. Já o Fundo Garantidor defende que a cobertura seja feita por CNPJ do investidor, conforme está definido no seu regulamento. As regras atuais da instituição definem um limite de R$ 250 mil de cobertura para cada investidor pessoa jurídica. As fundações começaram a entrar na Justiça para reivindicar o pagamento por CPF, alegando que as entidades fechadas são apenas administradoras de recursos sem fins lucrativos e que os verdadeiros titulares das aplicações são os participantes.
Diante da vitória das fundações nas primeiras instâncias da Justiça Comum, o FGC passou a recorrer das decisões. Três ações com a mesma disputa chegaram ao Supremo Tribunal de Justiça, duas em nome do próprio FGC e outra com titularidade da Infraprev (fundo de pensão da Infraero). A disputa ficou mais difícil para os fundos de pensão com a entrada do Banco Central como assistente e “amicus curiae” (participante interessado) do Fundo Garantidor nas ações que chegaram ao STJ.
O Banco Central se posicionou a favor do Fundo Garantidor através da um parecer de sua procuradoria geral. Neste parecer, o BC alega que os valores totais envolvidos poderiam provocar um prejuízo de 22% do total de recursos do FGC – que tem patrimônio atual da ordem de R$ 35 bilhões. Os valores somariam a assombrosa quantia de R$ 7,7 bilhões, considerado todos os recursos aplicados em CDBs e ativos de bancos pelas fundações.
Os fundos de pensão, através de um grupo de trabalho formado no âmbito da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), está se articulando para tentar uma contra-ofensiva ao posicionamento do Banco Central. O grupo é formado pelos representantes de fundos de pensão e de dois escritórios de advocacia, o Lobo e Ibeas e o Zamari e Marcondes, que defendem as entidades de ações contra o FGC.
“O Banco Central trabalha com uma projeção irreal que considera todos os ativos dos bancos que compõem as carteiras dos fundos de pensão. Seria necessário que todo o sistema bancário quebrasse, levando consigo até os grandes bancos, para produzir tal prejuízo”, diz Marcelo Levitinas, sócio do escritório Lobo & Ibeas, responsável pela área de contencioso e arbitragem, e coordenador do grupo de trabalho da Abrapp que trata da questão. O parecer do Banco Central considera também uma projeção que exclui a quebra dos quatro maiores bancos, mas que geraria uma desfalque de 14% do total de recursos do FGC.
O número de ações das fundações contra o FGC levantadas pelo escritório Lobo e Ibeas chega a 37, em nome de 29 fundos de pensão (ver tabela). Segundo o advogado, existem várias fundações que podem entrar com ações contra a instituição, mas que ainda não fizeram. Por outro lado, tem algumas fundações que ingressaram com mais de uma ação na Justiça contra o FGC. Estimativas preliminares indicam que os valores envolvidos por essas ações ultrapassam a casa de R$ 1 bilhão. “O montante envolvido deve ser maior que R$ 1 bilhão, mas não deve ultrapassar R$ 2 bilhões”, prevê Levitinas. As ações envolvem aplicações em seis bancos em liquidação: Santos, Crefisul, Morada, Cruzeiro do Sul, BVA e BMD.
Argumentos – Para o sócio do escritório Lobo e Ibeas, existe um conflito de normas na disputa que envolve os fundos de pensão e o FGC. Por um lado, existe o regulamento do Fundo garantidor, que indica a cobertura das perdas por CNPJ do investidor pessoa jurídica. Por outro lado, está a Lei Complementar 109, que indica, segundo sua interpretação, que a entidade fechada não é a titular dos recursos dos planos de benefícios. “O fundo de pensão é um gestor de recursos de terceiros. Os titulares são os participantes”, diz Levitinas.
O advogado defende ainda que a Lei 109 tem o caráter de legislação complementar, que é mais forte que o regulamento do FGC. Segundo o especialista, o STJ julgou outros casos, que não envolvem a cobertura das perdas com ativos de bancos, mas que remetem ao tratamento dos participantes como os titulares dos recursos dos planos fechados.
Questionado sobre o tratamento que deveria ser dado aos fundos de investimentos, que também são considerados condomínios de investidores, o advogado defende que inclusive nestes casos, o ressarcimento deve ser feito para cada investidor pessoa física ou jurídica. “Defendo que os fundos de investimentos, na condição de condomínios de investidores, também teriam direito ao ressarcimento para cada cotista”, diz o advogado. Ele desconhece, porém, caso de ação de fundo de investimento contra o FGC com este argumento. O Fundo Garantidor é uma instituição mantida pelos bancos que são associados e têm o objetivo de proteger os depositantes e investidores no âmbito do Sistema Financeiro Nacional até os limites estabelecidos por seu regulamento.
Abrapp – O grupo de trabalho da Abrapp está se articulando para defender os fundos de pensão junto ao STJ. Para isso, a entidade também entrou como “amicus curiae” das fundações nas ações que tramitam no órgão de Justiça. A grupo prepara ainda a produção de um parecer favorável à posição dos fundos de pensão. “Estamos nos articulando para defender a posições das fundações contra o Fundo Garantidor. Vamos contratar um parecer de algum jurista de renome do mercado”, diz Luís Ricardo Martins, diretor da Abrapp e diretor-presidente da OABPrev-SP. Ele também participa do grupo de trabalho que analisa a questão.
A associação realizou um levantamento com o total de ações e o volume de recursos investidos das fundações nos ativos dos bancos liquidados. Os dados da associação indicam que o volume de recursos envolvidos gira em torno de R$ 2 bilhões. Como principal argumento, o diretor da Abrapp defende também que as entidades fechadas não devem ser consideradas as titulares das aplicações. “Os fundos de pensão são gestoras dos recursos dos participantes, que têm como objetivo o pagamento de benefícios previdenciários de longo prazo”, explica Martins.
Ele discorda, porém, que o fundo de investimento também teria direito aos ressarcimento para cada cotista. “É diferente, o fundo de investimento tem fins lucrativos e não possui função social e previdenciária”, explica o diretor da Abrapp.
Posição semelhante é defendida por Fábio Mazzeo, diretor presidente do Metrus, que tem duas ações contra o FGC. “O fundo de pensão não tem fins lucrativos e não tem patrimônio próprio. Por isso, tem o direito de reivindicar a cobertura com base no CPF de seus participantes”, diz Mazzeo.
O fundo de pensão tem uma ação contra o FGC que se refere aos investimentos realizados em ativos do Cruzeiro do Sul. A fundação investiu R$ 61 milhões em ativos do banco e agora briga na Justiça pelo pagamento do valor integral por parte do Fundo Garantidor. Na época, o FGC tinha uma cobertura de R$ 70 mil para cada investidor. Se conseguir ganhar na Justiça, a fundação terá direito a reaver a totalidade de suas aplicações. O Metrus tem ainda uma ação que envolve aplicações no Banco Santos.