Edição 331
As autogestões em saúde ligadas a fundos de pensão patrocinados por estatais federais estão em busca de autonomia. A tendência tem como principal indutora a Resolução CGPAR 23, de janeiro de 2018, que estabeleceu, entre outras premissas, um contingente mínimo de 20 mil beneficiários para que essas operadoras possam prestar serviços às estatais a partir de 2022. Para facilitar o atendimento à exigência e, também, viabilizar o acesso a novos públicos, fundações como Eletros e Real Grandeza, entre outras, começam a fazer essa transição.
“Os planos de saúde surgiram a reboque de planos previdenciários e, com o passar do tempo, ganharam complexidade e custos que recomendam a criação de pessoas jurídicas específicas para a sua administração”, comenta Andrea Mente, sócia da Assistants Consultoria Atuarial. “É uma opção que facilita, inclusive, a conquista de patrocinadores na área, pois as autogestões autônomas, ao contrário dos fundos de pensão que mantém a saúde sob o mesmo guarda-chuva da previdência, não são obrigadas a incluir planos previdenciários nas negociações.”Na Eletros, a cisão está praticamente concluída. O processo teve início no último ano com a aprovação do estatuto social da Eletros-Saúde, que recebeu, entre setembro e dezembro, a sua inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e o registro, como operadora, na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A providência seguinte foi a alteração do estatuto da própria Eletros, retirando a assistência à saúde do escopo de atividades da casa, que foi submetida à avaliação da Previc no fim de maio. “Agora, só dependemos da chancela da Previc para consumar a separação”, assinala Rogério Carlos Lamim Braz, superintendente da Eletros-Saúde e coordenador da comissão técnica nacional de planos de autogestão em saúde da Abrapp.
A operadora terá pela frente o desafio de praticamente triplicar o seu contingente de beneficiários em pouco mais de um ano, hoje ao redor de 7 mil vidas, de forma a atender a uma das determinações da Resolução CGPAR 23. Para garantir o cumprimento da meta, enquanto aguarda o sinal verde da Previc, a Eletros-Saúde já vem mantendo contatos e negociações com potenciais patrocinadoras e outras autogestões de saúde. “Há grandes chances de conquistarmos, em breve, a adesão de uma nova patrocinadora que viabilizará, de uma tacada só, a superação da marca de 20 mil vidas”, diz Braz. “Além disso, vamos colocar em execução, no início do próximo ano, uma estratégia voltada à atração de novos grupos de beneficiários.”
A grade de produtos, hoje composta por sete itens, deve ser um dos trunfos para o plano de expansão, diz Braz. A operadora planeja a apresentação de mais três planos até junho de 2021, além de continuar divulgando o Família Essencial. “O leque do Família Essencial, que abrange descendentes até o quarto grau e familiares até o segundo grau de colateralidade, permitirá um crescimento exponencial do nosso público”, diz Braz. “Os planos familiares, aliás, tendem a ganhar espaço em todo o segmento de autogestão em saúde.”
Com 41 mil beneficiários, o plano de saúde da Real Grandeza também se prepara para buscar autonomia. O primeiro passo foi a obtenção de um CNPJ próprio, que aconteceu no final de novembro. A próxima etapa, que deve ser cumprida até janeiro, contempla a elaboração e a aprovação interna do estatuto da operadora. “Pretendemos concluir a criação da FRG Saúde no segundo semestre de 2021, mas antes disso vamos começar a identificar e prospectar novos patrocinadores”, diz a diretora de seguridade Patrícia de Melo e Souza. “A meta é dobrar a população atendida em quatro anos. Dessa forma, além de garantir uma redução da média etária do nosso quadro de beneficiário, vamos aumentar o poder de negociação com fornecedores e diluir ainda mais os custos fixos.”
A exemplo da Eletros-Saúde e de outras autogestões, a Real Grandeza também vem se desdobrando para oferecer planos com boas coberturas e valores mais acessíveis. Dois exemplos, ambos apresentados no último ano, são o Salvus e o Salutem, voltados a assistidos de menor poder aquisitivo. “Como o Salvus e o Salutem têm abrangências regionais, desenvolvemos uma proteção opcional, o FRG em Trânsito, que garante aos beneficiários atendimento de urgência e emergência fora das áreas de cobertura dos planos”, diz Patrícia.
Para reduzir custos, a entidade vem apostando no conceito de atenção primária, que consiste em medidas de caráter preventivo e no acompanhamento da saúde dos beneficiários. Em 2019, foi iniciado o programa FRG Vida, que, por meio de uma equipe de médicos e outros profissionais de saúde, realiza um monitoramento constante e garante cuidados necessários a usuários com mais de 58 anos. A fundação também lançou, neste ano, o programa Linha de Cuidado, que garante atendimento online através de uma plataforma digital e prontuários eletrônicos.
Criada há dez anos a partir do departamento de recursos humanos da Eletronorte, a E-Vida conquistou dois novos mantenedores privados, a Amazonas Energia e a Roraima Energia, no primeiro semestre. Os reforços elevaram para 19,7 mil o total de vidas atendidas pela autogestão, muito próximas das 20 mil vidas exigidas pela Resolução CGPAR 23. “Estamos em contato com alguns candidatos a patrocinadores. A negociação mais avançada envolve cerca de 3 mil vidas”, conta o presidente Eli Pinto de Melo Júnior. “Além disso, programamos iniciar em fevereiro uma campanha de divulgação e vendas do nosso plano familiar. O objetivo é obter, no mínimo, 500 adesões.”
Além de estudar a ampliação do leque de produtos com um plano de saúde mais acessível, a E-Vida vem se empenhando em cortes de despesas. Uma das metas traçadas é a redução em 30% dos custos administrativos, projeto que já teve início e ganhará escala em 2021, com a digitalização e a terceirização de rotinas e processos internos. Em paralelo, a autogestão programa ações de prevenção na área da saúde. “Planejamos construir duas clínicas de atenção primária, em Boa Vista e Manaus”, diz Melo. “As obras da primeira, na capital de Roraima, foram adiadas, em razão da pandemia da Covid-19, e terão início no primeiro semestre de 2021.”
A busca por uma maior eficiência das operadoras em geral, avalia Andrea Mente, demandará apostas crescentes em novas tecnologias e a criação de ferramentas internas. Alguns exemplos são o recursos à inteligência artificial, já utilizada por novos atores no segmento de saúde, casos do Dr. Consulta e do aplicativo Alice, e o desenvolvimento de protocolos de atendimento, como referências para a remuneração das redes credenciadas e demais prestadores de serviços.
“O trabalho executado por algumas startups locais vem possibilitando avanços no terreno dos protocolos, que só começaram a merecer atenções no Brasil na virada do século, cerca de duas décadas após o seu surgimento na Europa”, assinala Andrea. “Os protocolos não propiciam avanços muito efetivos na contenção da chamada inflação da saúde, bem superior à convencional, mas são fundamentais para a obtenção de maiores graus de eficiácia.”