Ativismo do TCU preocupa

Edição 378

rodrigues flavio martins bocater 24abr 02
Flavio Martins Rodrigues, sócio do Bocater: há relativo consenso acerca de movimento progressivo de expansão das atividades do TCU

Fundos de pensão de patrocínio público federal vêm passando, nos últimos meses, por um escrutínio cada vez maior por parte do TCU (Tribunal de Contas da União), que tem aberto investigações sobre investimentos feitos no passado, aplicado multas a ex-dirigentes e publicado normativos que estabelecem medidas de supervisão sobre o sistema de previdência complementar fechada.

Sob a alegação de buscar minimizar o risco de déficits que geram encargos às empresas estatais patrocinadoras, a atuação recorrente do Tribunal tem levantado questionamentos em torno da própria legalidade da atuação. Críticos apontam para a sobreposição ao trabalho da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), com a atuação dupla aumentando a insegurança jurídica e podendo levar à duplicidade e paralisação de processos.

Um acordo de cooperação técnica entre TCU e Previc, com a intermediação da AGU (Advocacia-Geral da União), é defendido como forma de conciliar as respectivas atuações no setor.

Sócio do escritório Bocater Camargo Costa e Silva Rodrigues Advogados, Flavio Martins Rodrigues afirmou que a atuação do TCU no setor não é nova, com casos que datam desde meados dos anos 2000. Mas reconhece que há uma nova postura por parte do Tribunal mais recentemente. “O volume de casos tem crescido, nos últimos meses, de forma notável.”

Levantamento feito pelo escritório mostrou que, apenas nos últimos dois meses, cerca de uma dezena de processos envolvendo EFPCs (Entidades Fechadas de Previdência Complementar) foram pautados para julgamento pelo TCU, além de dezenas de novas representações e auditorias instauradas.

Segundo Rodrigues, há relativo consenso acerca da existência de um movimento progressivo de expansão da jurisdição do TCU. “Na sessão plenária de 23 de julho de 2025, foi colocado que o TCU intensificará sua atuação sobre o setor dos fundos de pensão patrocinados por estatais federais, confirmando essa tendência exagerada. Esse movimento é preocupante, dado que as EFPCs são pessoas jurídicas de direito privado submetidas à fiscalização de seus órgãos internos, Previc e CVM”, afirmou o advogado.

O TCU não possui em seu DNA uma cultura de tomada de riscos, como é impositivo na gestão das entidades, explica Rodrigues. “A expansão do controle do TCU, se não observados seus contornos legais, pode acabar por fragilizar a sustentabilidade do modelo, que pressupõe justamente uma governança própria das EFPCs fiscalizadas por autarquia federal especializada.”

No fim de março, os Ministros do Tribunal deram indicações da nova forma de atuação no setor com a publicação da IN (Instrução Normativa) 99, que versa sobre o papel de fiscalização dos fundos de pensão a ser conduzido pela corte.

“A fiscalização do TCU deverá verificar se o gestor possuía capacidade técnica e agiu com diligência”, destacou o ministro Benjamin Zymler em seu parecer de relator. “O regulamento busca […] identificar eventuais desvios que possam comprometer a gestão dos fundos”, acrescentou o relator.

Em abril, o Tribunal anunciou a instalação de auditoria na Previ, por “indícios de falhas” em processos de investimentos que poderiam estar relacionados ao déficit de R$ 17,6 bilhões do Plano 1 no ano anterior.

“O Tribunal vê riscos na condução da gestão, com indícios de atos considerados suspeitos, e alerta que problemas na administração do fundo podem afetar diretamente 200 mil pessoas que recebem aposentadorias e pensões da entidade”, disse o TCU na decisão.

A corte também apontou suposto conflito de interesses pelo fato de o presidente da Previ, João Luiz Fukunaga, ocupar assento no conselho de administração da Vale, investida do fundo de pensão. “Se o único objetivo da Previ deveria ser a rentabilidade do investimento, para o pagamento das aposentadorias e pensões dos seus participantes, ela não deveria prover pelo ostensivo enriquecimento pessoal dos seus quadros de direção”, afirmou o ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo no TCU.

“A Previ respeita e colabora com toda e qualquer instância de fiscalização e controle, seja interna ou externa. Seguimos confiantes no trabalho técnico que orienta nossa atuação e no reconhecimento da lisura da gestão da Previ”, informou o fundo de pensão do BB em nota.

O TCU também condenou recentemente ex-dirigentes da Petros ao pagamento de multa e inabilitação para cargos de confiança na administração pública federal por investimentos em debêntures da Galileo SPE Gestora de Recebíveis, que visavam a manutenção da UGF (Universidade Gama Filho) e resultaram em prejuízo à Petros.

No fim de julho, a corte de contas iniciou investigação sobre possíveis irregularidades em investimento da Infraprev no FIP (Fundo de Investimento em Participação) Patriarca, que tinha o objetivo de capitalizar o Banco BVA.

Apoio à Previc – Representantes do setor de previdência fechada questionam o fato de o Tribunal avançar, de forma indevida, em temas cuja competência caberia apenas à Previc. A Abrapp manifestou “seu firme apoio à autonomia da Previc no exercício de suas funções como órgão supervisor e fiscalizador” dos fundos de pensão.

A associação defendeu que a Previc é composta por um “corpo técnico altamente qualificado, com profundo conhecimento sobre o setor, cuja atuação tem sido pautada pela legalidade, tecnicidade, isenção e permanente diálogo com as entidades supervisionadas.”

O trabalho da Previc, segundo a entidade, tem contribuído significativamente para o “fortalecimento da governança, da transparência e da sustentabilidade dos planos de benefícios”, “O modelo de supervisão adotado, baseado em análise de riscos, boas práticas de governança e regulação proporcional, tem se mostrado eficaz. A continuidade e o aprimoramento desse modelo depende diretamente da preservação da autonomia funcional e técnica da Previc.”

O procurador-chefe da Previc, Leandro da Guarda afirmou que a autarquia tem metodologias e processos próprios de fiscalização, com expertise e corpo técnico que se dedica especificamente às EFPCs.

No entendimento da Previc, o TCU deveria se concentrar em cima da própria autarquia, estendendo sua fiscalização diretamente às entidades previdenciárias somente em casos excepcionais. “Pode ocorrer a duplicidade de aplicação de processos sancionadores. E daí a gente entra numa discussão de necessidade de unidade, de unicidade no processo administrativo sancionador”, afirmou Guarda.

Ele diz que a IN 99 dá um primeiro passo no sentido de buscar maior harmonização nos papéis dos dois órgãos, mas ainda é insuficiente. Segundo o procurador-chefe, um acordo de cooperação técnica entre Previc e TCU, com a intermediação da AGU, tem sido discutido em encontros entre seus representantes.

A Abrapp defendeu que o acordo “pode viabilizar o intercâmbio de informações, a padronização de procedimentos e o alinhamento de entendimentos técnicos, prevenindo a sobreposição de funções e assegurando a eficácia da fiscalização pública, com respeito à autonomia da Previc.”

“Uma Previc fortalecida, com atuação cada vez mais consistente, elimina qualquer justificativa de uma atuação direta do TCU nas entidades”, afirmou Guarda, que vê no excesso de fiscalização o risco de inibir os gestores de tomar as melhores decisões de investimentos em favor das entidades

Competência do TCU – O TCU disse, via sua assessoria, não ter informações a respeito do acordo de cooperação técnica. O Tribunal assinalou que sua competência para fiscalizar os recursos das EFPCs “está prevista no art. 70 da Constituição Federal; no art. 21 da Lei Complementar 109/2001; no art. 85 da Lei 13.303/2016 e no art. 1º da Lei 8.443/1992.”

Ainda conforme o TCU, “sua competência constitucional para fiscalizar a aplicação de recursos pelas EFPC, direta ou indiretamente, não se sobrepõe a outros controles previstos no ordenamento jurídico.”

A corte apontou também que o STF (Supremo Tribunal Federal) já reconheceu sua competência para fiscalizar os fundos de pensão, destacando que a atuação da Previc não afasta sua competência.

Presidente da Funpresp-Jud, Amarildo Vieira de Oliveira afirmou que a superposição de atribuições pode resultar em entendimentos e determinações conflitantes, que geram insegurança nos dirigentes e resultam na paralisia do processo decisório.

“Entendemos que o TCU pode desempenhar um papel muito importante na fiscalização das entidades de previdência de patrocínio público, que é a atuação sobre os órgãos patrocinadores, sobre os quais a Previc não pode atuar”, disse Oliveira.

Ele afirmou que os Ministros do Tribunal contribuem com a governança das entidades ao cobrar os patrocinadores que adotem critérios objetivos para a indicação de representantes nos conselhos deliberativo e fiscal e verificando se o repasse das contribuições está ocorrendo tempestivamente.

Para o dirigente, o fato de ministros e servidores do TCU que ingressaram no serviço público a partir de 2013 estarem sujeitos ao regime de previdência complementar pode ajudar a explicar a atuação mais atenta. “O fato de a previdência complementar ter passado a fazer parte do cotidiano dos servidores públicos atraiu a atenção do TCU, o que, a priori, não é ruim. O que precisa ocorrer é uma clara definição de papéis.”

Oliveira reconheceu que denúncias de ingerências políticas em algumas EFPCs de patrocínio público, em passado relativamente recente, também podem ter contribuído para essa postura mais questionadora do TCU. Ele entende, porém, que esse risco de ingerências diminuiu “em face da atuação diligente” de CNPC, Previc e patrocinadores.

“O sistema tem se blindado, com a busca constante de aperfeiçoamento das regras de provimento dos cargos de conselheiro e diretor e da obrigatoriedade de habilitação e certificação”, afirmou o presidente da Funpresp-Jud. Ele acrescentou que espera que as conversas do sistema com o TCU possam resultar em uma “delimitação clara dos espaços de atuação, de modo a trazer tranquilidade para todo o sistema.”

A Abrapp disse reconhecer o “papel constitucional do TCU como órgão essencial ao controle externo da administração pública”, especialmente no que diz respeito à proteção das contas públicas, mas assinalou que o sistema possui natureza jurídica privada, sem fins lucrativos, submetido a regime específico de supervisão nos termos da Lei Complementar nº 109/2001.

“Intervenções fiscalizatórias paralelas ou superpostas, ainda que bem-intencionadas, podem gerar insegurança jurídica, comprometer a autonomia de gestão das entidades e dificultar a condução de atos regulares e necessários à administração dos planos”, afirmou a associação.