Edição 98
A batalha campal em que se transformou o conflito administrativo dos fundos de pensão Previ, Petros e Telos com o Opportunity pelo comando das celulares Telemig e Telenorte fez acender um sinal vermelho nas empresas de gestão de recursos e nas posições majoritárias de muitas outras companhias com investimentos dessa categoria de aplicador. Tradicionalmente pacatos na condução de suas posições acionárias, inclusive quando essas lhes permitia estar no bloco de controle das companhias, os fundos de pensão eram os sócios ideais para muitos empresários da iniciativa privada: garantiam às empresas o dinheiro necessário para alavancar os seus projetos e interferiam o mínimo na estratégia que escolhiam para o negócio.
O pulo do gato da empresa estava em cercar os conselheiros indicados pelas fundações com pequenas atenções e alguns mimos, de um lado, e uma enxurrada de números incompreensíveis, de outro. Sem uma formação específica do mercado em que atuava a empresa, capaz de lhe dar uma visão mais crítica dos números apresentados, muitos conselheiros indicados por fundações simplesmente sucumbiam e deixavam de exercer o seu papel.
Por isso, a briga dos fundos contra o Opportunity foi um marco. Independente de quem tenha razão no caso, se o banco sustentando que suas posições encontram-se respaldadas em contratos assinados pelas fundações ou essas argumentando que esses contratos são leoninos e usurpam direitos que são seus, o fato é que a briga mostrou que a postura dos fundos mudou.
Vários fundos que mudaram suas direções estão, inclusive, tentando reverter acordos fechados em gestões antigas. A Telos, cuja diretoria foi profissionalizada após a privatização da sua patrocinadora, a Embratel, passou a cobrar resultados mais efetivos nas empresas em que participa do bloco de controle, associando-se à Previ e à Petros, no caso das telefônicas. “Pagamos caro para participar dos blocos de controle e agora, se não tivermos uma postura mais exigente, não conseguiremos obter um retorno satisfatório dos investimentos”, explica Eliane Lustosa, diretora financeira da Petros. Ela faz parte dessa leva de novos dirigentes de fundos de pensão que está disposta a comprar brigas em defesa da rentabilidade dos investimentos.
Em alguns casos, como o das celulares Telemig e Tele Norte, os fundos de pensão já obtiveram várias vitórias. As fundações conseguiram eleger novos conselheiros nas assembléias realizadas em abril passado e tiraram a maioria do Opportunity no conselho da Telpart, empresa que controla as celulares. O Opportunity acusa os dirigentes dos fundos de desrespeitarem o acordo de acionistas e tenta reaver, por enquanto sem sucesso, o controle da Telpart na Justiça. “Os fundos de pensão, que são nossos sócios, não respeitam o acordo de acionistas e votam junto com o sócio estrangeiro, a TIW, ou se abstêm, prejudicando o desempenho da empresa”, diz Maria Amália Coutrim, diretora do Opportunity.
Do outro lado, os atuais dirigentes dos fundos parecem não reconhecer mais o Opportunity como sócio e procuram aproveitar todas as brechas para tirar o poder do gestor. “Não devemos seguir um acordo de acionistas viciado que determina que os conselheiros indicados pelos fundos devem votar conforme o que foi decidido pelo Opportunity”, rebate Eliane Lustosa.
Parceria – A parceria dos fundos com o Opportunity começou há cerca de três anos, quando esse último constituiu dois fundos de private equity para captar recursos destinados a investimentos na área de infra-estrutura. Um dos fundos de equity foi vendido prioritariamente às fundações no Brasil, o outro teve como principal investidor o Citibank Capital Venture, dos EUA.
Com o dinheiro arrecadado na venda das cotas desses fundos, e sempre buscando um sócio estratégico que entendesse da operação, o Opportunity passou a participar dos leilões de privatização, principalmente das companhias telefônicas. Assim, banco, fundos e companhias estrangeiras de telefonia se tornaram sócios em vários empreeendimentos. Com o tempo, e a mudança nas direções de vários fundos, começaram as divergências.
O acordo de acionistas viciado a que se refere a diretora da Petros está no centro dessas divergências. Ela refere-se ao acordo da Newtel (ver quadro acima), que determina que os conselheiros indicados para a Telpart devem definir uma posição prévia em relação a questões estratégicas da empresa e votar em conjunto. “O acordo determina que os conselheiros indicados pelos fundos devem votar conforme o que foi decidido pelo Opportunity”, diz Eliane.
Os fundos de pensão vão ainda mais longe e questionam o modelo estruturado pelo Opportunity para manter o controle das celulares Telemig e Tele Norte e também da Brasil Telecom. “Estamos tentando modificar um modelo em que os fundos entram com os recursos, correm os riscos e o único que decide é o Opportunity, muitas vezes contrariando nossos interesses”, afirma Henrique Pizzolato, diretor de seguridade da Previ.
A participação dos fundos de pensão nos investimentos deu-se, inicialmente, através do fundo de private equity CVC/Opportunity. Mais tarde, eles aportaram mais recursos como co-investidores de uma sociedade de propósito específico (SPE), da mesma forma que os sócios estrangeiros investiram através de outra SPE. Mas é uma última SPE, que concentra os investidores de todas as etapas, que controla a empresa. Os dirigentes dos fundos acreditam que as SPE nada mais são que “cascas” que servem para o gestor manter o controle das empresas sem ter aportado os recursos para isso.
Por isso, estão tentando desconstituir a SPE em que participam como co-investidores com a finalidade de conseguir uma nova composição acionária no negócio. As fundações estão tentando, por exemplo, acabar com a SPE Newtel, no caso das celulares, através de ações na Justiça, com a finalidade de tirar o controle da Telpart (Telemig e Tele Norte) definitivamente das mãos do Opportunity.
A principal preocupação dos dirigentes de fundos é anular a possibilidade de venda do bloco de controle para outro sócio estratégico, sem que a oferta seja estendida aos demais acionistas. “Estamos nos posicionando para evitar a venda do controle sem a nossa concordância, o que nos levaria a perder o ágio do negócio”, afirma Eliane, da Petros.
Proposta na mesa – Como contra-ataque ao avanço dos fundos de pensão no controle das celulares Telemig e Tele Norte, o Opportunity está tentando comprar as participações da Petros, Previ e Telos na Newtel. Se os fundos aceitarem, o Opportunity se compromete a pagar 20% além do preço definido por um banco de investimentos de primeira linha. “Mesmo que recusemos a proposta, acho que ela é uma prova de que nossas participações estão se valorizando devido ao conflito com o Opportunity”, opina Henrique Pizzolato, da Previ.
Mas mesmo que a oferta do Opportunity seja aceita, ela não acaba com o conflito. Ainda resta a briga na Brasil Telecom, em que os fundos não conseguiram tirar a maioria do conselho das mãos do Opportunity, como ocorreu com as celulares. A diferença entre os dois casos é que a Solpart (controladora da Brasil Telecom) possui ações ON e PN e o Opportunity controla a empresa com uma partipação direta de 51% das ações ordinárias. Como a participação do sócio estrangeiro, a Telecom Itália, é de apenas 38% das ON da Solpart, em comparação com os 49% da TIW na Telpart, o bloco junto com os fundos de pensão torna-se ineficaz contra o Opportunity.
Além do conflito na Brasil Telecom, resta ainda a briga dentro do próprio fundo de private equity CVC/Opportunity nacional. A Previ é a principal cotista do fundo e vem tentando, também através de ações na Justiça, destituir o gestor desde meados do ano passado. A fundação já tentou liderar um movimento de união dos cotistas para substituir o Opportunity como gestor, mas não conseguiu. “Estamos descontentes com as altas taxas cobradas, com os baixos resultados e com a falta de transparência na gestão”, reclama Pizzolato.
O insucesso na troca do gestor deve-se a uma cláusula do regulamento do fundo de private equity, que exige reunir pelo menos 90% das cotas para destituir o gestor. “Os fundos de pensão entram com a maior parte dos recursos e não possuem nenhum controle sobre a gestão do CVC/Opportunity”, reclama Henrique Pizzolato. O dirigente acredita que o quórum de 90% é muito alto e fica praticamente impossível destituir o gestor.
A diretora do Opportunity, Maria Amália Coutrim, rebate as críticas da Previ e não acredita que o quórum de 90% seja alto. “Neste caso, um quórum alto é mais democrático, porque evita mudanças que contrariam os cotistas com menores participações”, afirma. Além disso, ela argumenta que se o quórum fosse baixo poderia abrir a possibilidade de mudanças ditadas por razões extra-negociais, mesmo quando o gestor estivesse fazendo um trabalho eficiente. “E nós estamos fazendo um trabalho eficiente”, garante ela. “As empresas nas quais o CVC/Oppportunity investiu melhoraram o desempenho no último ano e um levantamento feito pela empresa de auditoria Deloitte não apontou irregularidades nas contas”.
Curiosamente, o movimento liderado pela Previ para tirar do Opportunity o controle dos fundos de investimento esbarrou na posição contrária justamente de outro fundo de pensão, a Sistel. Essa fundação, que detém cerca de 17% das cotas do CVC/Opportunity, posicionou-se a favor do Opportunity na disputa. Para a Previ e a Petros, a posição da Sistel não reflete os seus interesses como investidora, mas como uma fundação que tem entre suas patrocinadoras justamente a Brasil Telecom, cujo presidente, Henrique Neves, foi indicado pelo Opportunity. E foi exatamente Neves quem indicou, na Sistel, o diretor do plano da empresa.
Ao contrário de Previ, Petros e Telos, que estão em pé de guerra com o banco carioca, a Valia também tem investimentos no CVC/Opportunity e considera que os resultados são satisfatórios. Além de investir no fundo de private equity do banco, o fundo de pensão da Companhia Vale do Rio Doce é co-investidor do metrô do Rio de Janeiro (Opportrans), que também é controlado pelo Opportunity. “Estamos satisfeitos com o investimento no metrô do Rio”, afirma Manuel Cordeiro, diretor financeiro da Valia.
Também na Inepar – Não é apenas nas empresas controladas pelo Opportunity que os fundos de pensão estão buscando influenciar mais no processo de gestão. As fundações estão endurecendo em outras empresas, como por exemplo, a Inepar. A companhia está tentando captar mais recursos junto aos fundos, mas estes não pretendem investir mais dinheiro a menos que o grupo controlador, liderado pelo empresário Atílio de Oms Sobrinho, dilua sua participação e adote boas práticas de governança corporativa. “Se a Inepar quiser contar com os recursos da Previ, terá que mostrar mais transparência e mudanças no tratamento dos sócios”, impõe Pizzolato.
Segundo o diretor, uma das conseqüências imediatas da repercussão da briga com o Opportunity foi a redução de propostas de novos investimentos sem critérios técnicos e garantias apresentados para a fundação. “As propostas que antes eram aprovadas devido a pressões políticas e de lobbies de grandes grupos financeiros deixaram de chegar às nossas mesas”, ilustra o diretor de seguridade.