Edição 269
Após o fundo de pensão dos Correios, o Postalis, apresentar seu plano de equacionamento de déficit do plano de benefício definido saldado (PBD), calculado em R$ 5,59 bilhões, participantes se mobilizaram para bloquear os altos descontos a serem cobrados em seus salários a partir de abril. Associações entraram na Justiça pedindo a suspensão do plano que prevê, a partir deste mês, a cobrança de contribuições extraordinárias no percentual de 25,98% sobre o valor do benefício proporcional saldado para os participantes ativos e sobre o valor dos benefícios de aposentadoria ou pensão para os assistidos. A patrocinadora contribuirá de forma paritária.
O questionamento dos participantes, contudo, é sobre o tamanho dos descontados, sendo que o déficit da fundação, em grande parte, foi causado por problemas nos investimentos e por uma dívida da própria patrocinadora com o fundo de pensão. Ângelo Saraiva Donga, recém-eleito representante dos participantes para o conselho fiscal do Postalis e analista dos Correios, explica que em 2008, quando o PBD foi saldado, ou seja, fechado para novos participantes, ficou acordado que os Correios assumiriam a reserva técnica do serviço anterior (RTSA), valor referente às obrigações sobre o tempo de trabalho dos participantes no período anterior à criação do plano.
“Essa parcela era de R$ 700 milhões, foi recalculada para R$ 1,4 bilhão e a empresa vinha pagando isso, mas no ano passado, por um parecer da secretaria do Tesouro Nacional, a patrocinadora deixou de pagar”, explica Donga. “Existe uma ação do Postalis tramitando na Justiça pedindo para que a empresa volte a cumprir a obrigação, mas paralelamente eles estão descontando isso nesse equacionamento”, destaca.
Donga diz ainda que é inapropriado que os participantes arquem com déficits causados pelos problemas nos investimentos feitos pelo fundo de pensão. O Postalis possui vários investimentos que acabaram em default, sendo o caso mais notório as aplicações realizadas em dívidas da Argentina e da Venezuela, que causaram um prejuízo entre R$ 250 milhões e R$ 300 milhões em um fundo no exterior do fundo de pensão, administrado pelo BNY Mellon. “Se o Postalis tivesse sido bem administrado a partir do saldamento do plano, bastava aplicar em títulos públicos, ações, investimentos que não fossem meras apostas”, salienta Donga.
A maior parte desses investimentos foram realizados pela antiga diretoria do Postalis, comandada pelo ex-presidente Alexej Predtechensky e ex-diretor financeiro Adílson Florêncio da Costa. Eles e outros dirigentes da antiga gestão receberam multas da Previc (ver box ao lado).
Donga reitera que o entendimento geral dos participantes é que seja equacionado apenas o déficit referente a questões atuariais. “Nós já vínhamos equacionando um déficit de R$ 1 bilhão desde 2013, e era claro que R$ 300 milhões eram referentes a questões atuarias e em torno de R$ 700 milhões eram problemas do fundo de pensão. Agora, se calculou esses R$ 5,6 bilhões. Queremos que essa conta seja discriminada”.
Outro lado – O atual presidente do Postalis, Antônio Carlos Conquista, explica que os R$ 5,59 bilhões se referem a um déficit acumulado desde 2011, mas que aumentou de tamanho, pois houve a atualização de diversos cálculos, além de um salto do déficit de origem financeira por conta de investimentos que não performaram em 2014. “Tivemos maior número de defaults ao longo do ano passado. Os investimentos não performaram, começamos a provisionar e o déficit foi aumentando”, explica.
Conquista diz ainda que o déficit de origem financeira é calculado em R$ 3,59 bilhões e o de origem atuarial em R$ 2,13 bilhões, sendo que R$ 1,08 bilhão se refere ao pagamento da reserva do serviço anterior (RTSA). “Estamos cobrando dos Correios por via judicial”, afirma Conquista.
O executivo destaca que a atual diretoria do Postalis está fazendo um trabalho minucioso para recuperar os investimentos no período, além de melhorar a rentabilidade dos planos com investimentos mais conservadores. “Agora temos um comitê de investimentos independente, gerência de risco e manual de risco. Estamos comprando só título público. Não tínhamos nada em títulos públicos e agora concentramos R$ 1,8 bilhão nesses ativos”, salienta.
Investimentos questionáveis – Conquista explica que os R$ 3,59 bilhões de déficit de origem financeira foram causados por investimentos que não performaram em diversos tipos de fundo. O caso mais notório ocorreu no segundo semestre do ano passado quando veio à tona uma perda ocasionada por investimentos no Brasil Sovereign II Fundo de Investimento de Dívida Externa (Fidex), operado pelo BNY Mellon. O fundo tem títulos ligados à dívida da Argentina e da Venezuela na carteira e o Postalis é o seu único cotista.
As aplicações foram de aproximadamente R$ 370 milhões e ocorreram no período de 2005 a 2008. Atualmente, o Postalis e o BNY Mellon travam uma briga na Justiça para apurar a responsabilidade pelos investimentos, e o fundo de pensão já teve vitórias favoráveis no Tribunal de Justiça do Rio, que determinou ao BNY Mellon manter como carta-fiança um valor acima de R$ 249,81 milhões. O fundo de pensão pede um acréscimo de cerca de R$ 20 milhões, mas ainda aguarda decisão judicial. Conquista diz que há uma série ações judiciais do fundo de pensão sendo movidas.
Justiça – Em defesa dos participantes, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas dos Correios e Similares (Fentect) entrou com um processo na Justiça de Brasília contra o Postalis com o objetivo de impedir o processo de equacionamento de déficit do plano. De acordo com José Rodrigues dos Santos Neto, secretário-geral da federação, foi feito um pedido de liminar para que o plano não seja colocado em prática até que o fundo de pensão justifique os motivos do déficit. Neto diz ainda que os Correios também serão processados por conta da suspensão do pagamento da RTSA.
“Essa ação visa para suspender o equacionamento até que o próprio Postalis apresente com clareza o que de fato ocorreu nos últimos anos com o fundo”, declara Neto. Contudo, já houve um parecer da Justiça dizendo que essa decisão não está na competência do referido tribunal.
Além da Fentect, a Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap) também está movendo três ações contra o fundo de pensão. De acordo com Luiz Alberto Menezes, presidente da Adcap, os trabalhadores nunca participaram da gestão do fundo e, por conta disso, não cabe aos participantes pagarem pelos prejuízos. “Não temos ingerência no fundo, não somos informados sobre os investimentos, não existe transparência”, diz Menezes.
Antônio Carlos Conquista destaca que é legitimo que o participante entenda que ele não tem responsabilidade sobre o déficit, mas o equacionamento é uma determinação legal. “Não temos como escapar. A regra prevê que, com três anos consecutivos de déficit, é preciso ter o equacionamento. Independe da Justiça ser favorável ou não aos participantes”, diz.
Conquista reitera que tudo o que houver de reversão das perdas do fundo de pensão impactará favoravelmente no índice do equacionamento.
Entenda os descontos – O Postalis elaborou neste ano o plano que prevê a aplicação de contribuições extraordinárias no percentual de 25,98% sobre o valor do benefício proporcional saldado para os participantes ativos. Para eles, o desconto é feito sobre esse valor, mas será descontado da folha de pagamento. Ou seja, se o funcionário ativo tiver um benefício calculado para receber de R$ 1 mil, serão descontados cerca de R$ 260 reais mensais de seu salário durante os próximos 186 meses. Já para o aposentado, o desconto será diretamente no valor da aposentadoria paga pelo Postalis.
O Postalis explica que um estudo estatístico pelo atuário da fundação indica que dos 71,1 mil participantes ativos do plano, 43,8 mil pessoas terão impacto de até 3% sobre salário com esse desconto.
Ex-dirigentes do Postalis pagam multa
Cinco ex-dirigentes do Postalis foram condenados a pagar multa administrativa de R$ 40 mil cada para a Previc pelo desenquadramento de aplicações em fundos estruturados entre 2006 e 2012. Foram autuados o ex-presidente Alexej Predtechensky, o ex-diretor financeiro Adílson Florêncio da Costa, e os ex-membros do comitê de investimentos José Carlos Rodrigues Sousa, Mônica Christina Caldeira Nunes e Ricardo Oliveira Azevedo.
Os executivos sofreram a sanção em 2013, mas recorreram da decisão na Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC). Após o CNPC julgar o processo foi decidido que, além de pagar a multa, os executivos ficarão impossibilitados de atuar no mercado pelos próximos dois anos.
Apenas um dos recursos foi julgado pela CRPC com a confirmação da punição aos dirigentes. Outros dois recursos que envolvem aplicações em fundos da gestora BNY Mellon serão apreciados nas próximas reuniões. Por envolverem a participação de gestores externos ao Postalis, a CRPC fez uma solicitação de diligência à CVM.
Os três recursos fazem parte de um pacote de 13 processos que tramita na CRPC, sendo que dez deles devem ser apreciados em conjunto, conforme liminar da Justiça, e ainda estão sem data para julgamento.