Edição 68
Os estados do Rio de Janeiro e Paraná já estão preparando editais para contratar os gestores de recursos para os fundos de previdência do seu funcionalismo, os quais estão recebendo somas bilionárias por conta de um acordo feito com a União. Esse acordo muda a situação desses fundos de pensão estaduais, que até agora viviam de uma pequena arrecadação utilizada quase que exclusivamente para o pagamento da sua folha de inativos.
O acordo assinado com a União envolve o recebimento antecipado pelas fundações dos royalties devidos pelas empresas federais e também recursos da privatização de empresas estaduais, sendo que parte deles será utilizada para sanear a previdência desses estados. A expectativa é que o acordo garanta um fluxo considerável de receitas aos novos fundos de pensão, pelos próximos 15 anos.
A União concordou em antecipar, de 22 anos para 15 anos, o pagamento de royalties devidos pela Petrobrás, que explora petróleo em território fluminense, e por Itaipu, cujas instalações incluem bacias hidrográficas paranaenses. Para o Rio, esse acordo vai representar recursos de R$ 5,8 bilhões e, para o Paraná, mais R$ 1,8 bilhão, os quais serão pagos por meio de uma emissão especial de títulos federais, com vencimentos mensais ao longo dos próximos 15 anos, com correção de IGP-DI mais 6% ao ano.
Até o fechamento dessa edição, entretanto, o Paraná tentava negociar essa antecipação para 10 anos. Para o Rio de Janeiro, faltava apenas a aprovação do Senado. Por isso, a estimativa do presidente do Rio Previdência, Flávio Martins Rodrigues, é de que os títulos comecem a entrar no caixa do fundo já a partir de dezembro. “Estamos contratanto uma empresa para ajudar na montagem do edital e na elaboração da estratégia de investimentos, porque não podemos perder tempo em capitalizar esses recursos”, acrescenta.
Além dos royalties, o acordo inclue recursos da privatização das empresas estaduais, que podem representar outros bilhões para esses fundos. O Paraná deverá receber R$ 2,1 bilhões de antecipação pela futura venda da Copel, a única companhia elétrica de grande porte que falta ser privatizada. Até o fechamento dessa edição, o estado negociava o prazo de recebimento desse dinheiro: quer em títulos de 10 anos, mas a proposta da União era de 15 anos.
“Estamos fazendo todos os nossos cálculos atuariais para 10 anos, porque assim poderemos nos enquadrar dentro da lei Camata já a partir do ano que vem, baixando de 75% para 63% o percentual da arrecadação do estado comprometido com folha de pessoal”, explica o secretário de previdência do Paraná, Renato Follador Jr.
Esses cálculos prevêem que sejam destinados R$ 155 milhões por ano para aplicações financeiras, porque essa é a quantia necessária para formar as reservas que pagarão os benefícios dos atuais servidores ativos. “Esse valor inclui o financiamento do tempo passado dos servidores, além das contribuições do estado necessárias à integralização das reservas”, acrescenta Follador Jr.
Outros R$ 420 milhões anuais seriam usados para cobrir o pagamento da atual folha de inativos. Hoje, o governo paga mensalmente R$ 90 milhões, e arrecada R$ 15 milhões em contribuições dos servidores, restanto, portanto, um déficit de R$ 75 milhões. Se o dinheiro do acordo for pago em 10 anos, como quer o governo paranaense, esse déficit mensal cairá para R$ 40 milhões. “Se esse dinheiro vier em 15 anos, nosso déficit mensal com a folha de pagamentos será maior. Não pretendemos reduzir a parte que vai para a capitalização, porque queremos que o fundo previdenciário, que garantirá a aposentadoria dos servidores ativos atuais, seja equilibrado desde o princípio”, informa o secretário.
Já o Rio de Janeiro conseguiu incorporar ao fundo previdenciário as sobras da privatização do Banerj, ocorrida em 97. Trata-se de R$ 3,1 bilhões que estavam depositados numa conta especial na Caixa Econômica Federal para fazer frente ao passivo da extinta Previ-Banerj. Segundo Flávio Martins Rodrigues, a inclusão dos recursos da Previ-Banerj no fundo previdenciário – uma discussão que se arrasta desde o início do ano – surgiu no âmbito das negociações das dívidas do estado com a União, por iniciativa do governador Anthony Garotinho. “Para viabilizá-la, foi feita toda uma engenharia financeira que melhorou em muito o perfil das contas públicas do estado, porque prioriza a questão previdenciária”, explica.
O Rio de Janeiro deve à União mais de R$ 2 bilhões, que foram utilizados para saldar o déficit da fundação do Banerj na época da sua privatização, em 1997. Como o governo fluminense optou, naquela época, por liquidar a entidade, isso implicou em que ele assumisse a responsabilidade pelo pagamento dos participantes assistidos. Os recursos para fazer frente a esse compromisso foram emprestados pelo governo federal, com a condição de serem investidos em títulos públicos federais, através de uma conta especial na CEF.
A liberação do dinheiro dessa conta especial para pagar os beneficiários da Previ-Banerj, no entanto, seguiria um processo cauteloso. Só seria liberado, a cada mês, o necessário para cobrir as despesas da folha de pagamentos desse contingente. O restante continuaria aplicado, rentabilizando. Somado aos cerca de R$ 400 milhões que a fundação Banerj tinha de patrimônio, esses recursos estão batendo hoje em R$ 3,1 bilhões.
Com o acordo, eles estão sendo transferidos para o Rio Previdência, por meio dos títulos que serão emitidos pelo governo federal. Em contrapartida, o Rio de Janeiro pagará a parte referente à dívida contraída em 97, que foi incluída no bolo das dívidas totais que o estado tem com a União, que fazem parte de uma negociação à parte.
“Foi uma engenharia financeira que favoreceu os dois lados. O estado conseguiu recursos para capitalizar o fundo, o que vai melhorar o perfil das suas contas, e o governo federal reduziu o custo da sua dívida, porque os R$ 3,1 bilhões estavam investidos em títulos públicos com altas taxas de juros, e os títulos do Rio Previdência são rentabilizados por IGP-DI mais 6%, uma taxa menor”, explica Rodrigues.
Dos R$ 8,9 bilhões que o fundo do Rio de Janeiro vai receber, cerca de 20% serão investidos em aplicações financeiras, e o restante cobrirá a atual folha de aposentadorias e pensões do estado. “Teremos um fluxo mais forte de servidores se aposentando nos próximos anos, por isso a maior parte dos recursos vai ser gasta com a folha de inativos. Mas, em 15 anos, deveremos alcançar o equilíbrio atuarial”, complementa Rodrigues.
Ele conta, ainda, que o fundo deve começar a receber, também a partir de dezembro, a complementação das aposentadorias pagas pelo estado a servidores que no passado contribuíram para o INSS, a chamada compensação financeira do fluxo dos benefícios. “Estamos enviando entre 200 a 250 formulários de servidores por semana, que estão sendo analisados pelo Ministério da Previdência, que vai autorizar os pagamentos à medida em que eles vão sendo aprovados”.
Os cálculos atuariais do Rio Previdência ainda estão em curso, mas as estimativas apontam para uma reserva matemática de R$ 19 bilhões, que hoje se traduz numa folha de benefícios mensal de R$ 170 milhões. Com a compensação financeira desse fluxo, essa necessidade de reserva vai cair “sensivelmente”, arrisca o presidente do fundo.
Já a compensação dos benefícios pagos a esses servidores, conhecida como estoque da dívida do INSS para com os fundos estaduais, está avaliada inicialmente em cerca de R$ 1 bilhão.
Outra fonte de arrecadação para o Rio Previdência a partir do final desse ano veio com a inclusão dos magistrados e promotores no fundo, aprovada em meados de novembro. Eles contribuirão com 11% de seus salários, o que representará R$ 4 milhões ao mês. Atualmente, o fundo conta, ainda, com R$ 2 bilhões em imóveis (cerca de 7 mil unidades) e R$ 2 bilhões em dívida ativa que o estado transferiu para o fundo, que são impostos atrasados devidos por empresas aos cofres públicos, que serão cobrados pelo Banco do Brasil.
BC estaria revendo a proibição dos exclusivos para fundos de estados
O Banco Central deve rever algumas das regras para os investimentos dos fundos previdenciários de estados e municípios, disciplinadas por meio de uma resolução editada em outubro, informa o secretário de Previdência do Paraná, Renato Follador Jr. Entre outros pontos, a resolução limitava em 20% a participação dessas entidades em fundos de investimento, o que na prática proibe o uso de fundos exclusivos pelas mesmas. Segundo o secretário, na última reunião entre União e governadores, os interlocutores do Planalto acenaram com a possibilidade de mudanças nas normas. “Os fundos de pensão utilizam fundos exclusivos, por isso não vemos porque os fundos estaduais não possam também fazer uso desse instrumento”, diz.
Inicialmente, as novas regras atingem apenas o fundo da Bahia, o Funprev, o único que já tem investimentos nesse tipo de instrumento. De acordo com o presidente da entidade, Agenor Pedreira, seu próximo passo seria a contratação de um custodiante unificado, para a qual já estava sendo feito o edital de concorrência. Com a resolução do BC, os planos foram suspensos. “Não dá para ter custódia única se formos obrigados a investir só em fundos mútuos”, acrescenta.
O Funprev tem 18 fundos exclusivos, nos quais aloca um patrimônio hoje próximo de R$ 600 milhões. Segundo Pedreira, esses fundos têm possibilitado fazer operações de prazos mais longos com boas rentabilidades, que provavelmente não teriam espaço dentro de fundo mútuo. Além disso, eles permitem “casar” o ativo com o passivo previdenciário da entidade com mais facilidade. “O mercado de previdência complementar está indo para um lado, e os fundos estaduais vão ficar na contramão. Se o raciocínio do órgão regulador é dar transparência e ter mais controle sobre os investimentos dessas entidades, seria melhor amarrar isso em cima de outros mecanismos”, opina.
Os gestores de recursos também estão preocupados com a questão. “Não está claro para o mercado qual foi o objetivo do legislador ao limitar em 20% a participação dos fundos estaduais num fundo de investimento”, diz o sócio-diretor do Opportunity, Maurício Gentil. Ele faz parte de uma comissão da Anbid que acompanha a legislação de investimentos de entidades previdenciárias.