A força da variável externa

Edição 142

Perspectivas 2004 – Alfredo Setúbal é vice-presidente executivo da área Mercado de Capitais do Banco Itaú

A expectativa de que a influência externa sobre os países emergentes permanecerá positiva nos próximos meses destaca-se como a variável determinante para a formação de um cenário otimista para o Brasil em 2004.
Lideradas pelos EUA (e com forte influência também da China), as principais economias desenvolvidas vão consolidando trajetória de retomada econômica sincronizada, que deslocará as taxas de crescimento
mundiais em 2004 para níveis em torno
dos 3% – superiores, portanto, aos registrados em 2003.
Os juros internacionais, embora com tendência ascendente durante o ano, deverão permanecer baixos o suficiente para manter positivo o fluxo de capitais em direção aos ativos de retorno mais elevado – o que significa que os prêmios de risco pagos pelos países emergentes deverão continuar
baixos.
Não se pode afirmar, como é evidente, que o cenário internacional esteja completamente isento de riscos. A realização de eleições presidenciais nos EUA, em meio a uma situação de crescente fragilidade fiscal e de déficits externos elevados, que justificam a continuidade do processo de desvalorização do dólar frente a outras moedas, se constitui num foco potencial de desequilíbrios, que poderá afetar o ambiente de propensão a risco. Além disso, a hipótese de problemas geopolíticos que influenciem negativamente o crescimento mundial (mesmo que de maneira temporária) também não pode ser inteiramente descartada.
De todo modo, embora ainda vulnerável, o Brasil parece mais preparado para enfrentar eventuais choques negativos do que há alguns anos.
A dívida pública como proporção do PIB se mantém elevada, mas é provável que pequena redução seja observada em 2004, em conseqüência dos juros reais mais baixos e também do superávit primário ainda superior aos 4% do PIB. Além disso, deve ser destacada a melhora da “qualidade” do endividamento público brasileiro, através da estratégia de gestão do Tesouro, que priorizou a substituição de dívida cambial por pré-fixada, bem como o alongamento dos pós-fixados.
O mesmo raciocínio se aplica às contas externas: a vulnerabilidade brasileira ainda é elevada (conseqüência de uma alta necessidade de financiamento e de reservas líquidas muito modestas), mas a situação estrutural tem melhorado de forma importante. Em 2004, mesmo em meio a um cenário de maior crescimento econômico doméstico, é provável que tenhamos superávit comercial na casa dos US$ 20 bi – o que tende a contribuir para uma menor pressão sobre o câmbio mesmo numa situação hipotética em que os fluxos autônomos de capitais para os emergentes sejam menos abundantes.
O processo cíclico de crescimento econômico deverá ter continuidade durante os próximos meses, sendo realista estimar uma expansão do PIB na faixa de 3,5% em 2004 sem que sejam registradas pressões relevantes sobre a inflação e o balanço de pagamentos.
Nos primeiros meses, o processo de retomada ainda estará francamente dependente da expansão da oferta de crédito, pois é pouco provável que observemos sinais mais fortes de recuperação da renda real e do emprego antes de meados do ano.
Ainda em relação à atividade econômica, a principal questão para os próximos anos diz respeito à tendência do investimento. Para 2004, o crescimento é certo. Além da fraca base de comparação recente, em especial na construção civil e nos bens de capital, temos na forte queda do risco Brasil um componente importante de estímulo ao investimento.
Numa análise de médio prazo, no entanto, essa convicção tem de ser menor. Aguarda-se para o primeiro semestre deste ano o encaminhamento por parte do governo de legislação que explicite o marco regulatório setorial, que influenciará decisivamente a formação (ou não) de um ambiente positivo para o investimento no Brasil com vistas ao médio/longo prazo.
Temos, portanto, para 2004 um panorama econômico em que as melhores oportunidades de investimentos ainda estão nas opções que se beneficiam de um cenário “positivo” – sempre ressaltando toda a forte valorização registrada pelos ativos brasileiros nos últimos meses, que já antecipam, em parte, a efetivação desse cenário.
A tendência dos juros reais ainda é de queda – e a gestão de política monetária gradualista e “conservadora” por parte do Copom serve para aumentar o grau de convicção com esse cenário.
Nesse contexto, é adequado direcionar parcela dos portfólios de investimento para
ativos de renda variável e também para títulos indexados à inflação – que além de ainda apresentar um cupom atrativo, podem
também servir como “hedge” em uma situação de crise, que provoque pressões sobre os preços.