Indústria de fraudes montada em três anos

Edição 27

Depois de três anos da reforma que instituiu a previdência privada como
alternativa à estatal na Argentina, o novo sistema começa a mostrar
pontos vulneráveis

Depois de três anos da reforma que instituiu a previdência privada como
alternativa à estatal na Argentina, o novo sistema começa a mostrar
pontos vulneráveis. O mais visível deles é, sem dúvida, as fraudes que
estão acontecendo em consequência da portabilidade das reservas. “Não
temos dados precisos, mas sabemos que são muitos os casos de
transferência indevida de recursos de uma administradora para outra”,
afirma Jorge Gatto, assistente da diretoria da AFIP, uma das duas
associações argentinas de administradoras privadas de previdência, mais
conhecidas como AFJPs (Administradoras de Fondos de Jubilaciones y
Pensiones).
Incluído na reforma da previdência por ser um mecanismo moderno, em
consonância com as leis do livre mercado, a portabilidade das reservas se
tornou o calcanhar de Aquiles do novo sistema. Numa prática criminosa,
muitos vendedores de planos de aposentadoria passaram a fazer acordos
com os chefes de departamentos de pessoal das empresas para
transferir, sem autorização dos funcionários, todos os recursos para a AFJP
em questão. Depois de algum tempo, ao receber o extrato de
rendimentos, cada funcionário percebia que não era da administradora
que tinha escolhido.
Para tentar inibir essa prática criminosa, a superintendência de AFJPs
determinou, em novembro do ano passado, que a pessoa que quisesse
mudar de administradora teria que assinar um livro na administradora que
estava sendo substituída, formalizando a mudança.
As AFJPs não gostaram da medida, porque acharam que inibiria a
portabilidade, que é a base da concorrência no setor. Entretanto, não
apresentaram nenhuma proposta para resolver o problema das
fraudes. “Achamos que a resolução adotada pela superintendência é
muito drástica, mas ainda não sabemos o que fazer”, confessa Jorge
Gatto.
A nova lei, apesar de tentar controlar as fraudes, não restringiu as
transferências. Essas continuam permitidas, observando-se apenas um
mínimo de 4 aportes acumulados em uma AFJP antes de mudar para
outra e o limite de duas transferências por ano, condições estabelecidas
em 1994. Apesar dessas condições, as transferências acumuladas em 12
meses, até novembro do ano passado, chegaram a 1 milhão.
Na opinião de especialistas, as fraudes são uma das consequências da
contribuição compulsória do sistema argentino, que desconta 11% dos
salários de todos os trabalhadores, os quais podem apenas optar se esse
montante é destinado ao sistema estatal ou privado de previdência. Na
prática, isso faz com que a disputa pelo mercado se dê em cima dos
participantes atuais e não dos potenciais participantes.
São consequência, também, do enorme crescimento sistema de
previdência privada argentino. No final de 1997 o sistema já contava com
6,5 milhões de associados, contra 4 milhões em meados de 1996, o que
representa um crescimento de 62,5% no período de um ano e meio. Em
relação a 1994, data da reforma do sistema, a área privada já cresceu
265%.

Prazo – Segundo o diretor executivo da Associação de Administradoras
Privadas (ASAP), Horácio Canestri, muitos trabalhadores passaram do
sistema estatal para o privado apenas no final de 1996, quando terminou
o prazo dado pelo governo para a transferência. “A maioria só se decidiu
na última hora”, diz Canestri.
Segundo ele, em setembro de 1994, logo após a aprovação da reforma, o
governo deu um prazo de dois meses para a mudança, os quais foram
prorrogados por mais dois meses ao final do primeiro período, mas os
trabalhadores mantinham-se no sistema oficial. “As pessoas estavam
acostumadas com o ambiente estatal, queriam pensar primeiro, ver como
iam funcionar as AFJPs, antes de mudar”.
Com o tempo, os argentinos foram percebendo que as AFJPs eram uma
opção melhor. O sistema estatal, que garantia em lei um benefício de
83% do salário da ativa, estava quebrado e só pagava para a maioria dos
aposentados a aposentadoria básica universal (algo em torno de US$
200), à qual todos os cidadãos têm direito, independente de contribuir ou
não para o regime estatal.
As aposentadorias que as AFJPs pagarão tampouco devem ser muito
altas, devendo ficar entre 10% a 15% do salário da ativa para pessoas
que começaram a contribuir com mais de 40 anos. Mas a possibilidade de
fazer aportes extras, além do mínimo obrigatório de 11%, e ganhar com a
capitalização, acabou pesando no momento da decisão.
Para os mais jovens, a situação é inversa. “Com os jovens argentinos
poderá acontecer o mesmo que nos EUA, onde em muitos casos a renda
da aposentadoria poderá ultrapassar o salário da ativa”, prevê Canestri.
Daqui para frente, esgotado o prazo de mudança do sistema estatal para
o privado, espera-se um crescimento moderado das AFJPs. Seu principal
mercado, agora, são os jovens que ingressam no mercado de trabalho,
mas os níveis de desemprego na Argentina não oferecem grandes
perspectivas de expansão.
Entre as poucas possibilidades de novos associados estão os
trabalhadores da economia informal, que esse ano vão estar na mira dos
vendedores de planos. “Temos 7 milhões de pessoas no mercado
informal”, informa Canestri.
Embora a cifra seja expressiva, as AFJPs devem ter dificuldades em
crescer nessa área. Essas pessoas, em geral, escolhem outros
mecanismos para poupar, porque as comissões cobradas pelas AFJPs são
muito altas. A média é de 3,5% do salário, o que equivale a 32% do
aporte feito mensalmente. Isso representa, na prática, que a cada três
contribuições feitas uma acaba nos bolsos da administradora e não na
conta do participante.

Limite – No ano passado foi apresentado à Câmara um projeto que
estabelece um limite de 1,1% do salário, ou 10% da contribuição, para as
comissões. Segundo o diretor executivo da ASAP, esse valor é insuficiente
para cobrir as despesas das administradoras. “Nossas comissões parecem
altas, mas incluem seguro de invalidez e de morte e também uma série
de outros serviços, como acertar todos os papéis para o associado que vai
se aposentar. Além disso, não cobramos comissões sobre os fundos
administrados”, defende-se Canestri.
No ano passado, as AFJPs argentinas declararam um lucro líquido de US$
80 milhões. Até novembro, elas administravam US$ 8,5 bilhões em
recursos, representando um crescimento de 67% em relação há um ano
atrás. A rentabilidade alcançada no período foi de 12,91%, mas o principal
motivo foram as contribuições dos novos associados.
Ávido por aumentar a sua arrecadação, o governo está decidido a acabar
com a isenção tributária sobre essas entidades. A Câmara dos Deputados
aprovou, em 9 de dezembro último, um projeto criando um imposto de
2% sobre o total de aportes, o qual está tramitando no Senado. Na
avaliação da ASAP, se o projeto vingar provocará o desaparecimento das
administradoras menores. “O imposto vai quebrar o sistema. Dos US$ 80
milhões de lucro líquido, a maior parte está concentrada em 6 AFJPs, das
18 que forma o sistema”, reclama Horácio Canestri. “As menores não vão
aguentar”.
O governo alega que precisa desses fundos para pagar a aposentadoria
básica universal, de US$ 200, e a compensação pelo tempo de
contribuição ao Estado antes da reforma. Quem está pagando essa conta,
atualmente, são os empregadores, que aportam 16% de sua folha de
pagamentos aos cofres públicos, independente se o funcionário está no
sistema de previdência estatal ou privado.

Seguradoras vão superar as afjps
As companhias de seguro de vida e aposentadoria argentinas estão
iniciando um processo de franca expansão na Argentina. Embora ainda
tenham um patrimônio pequeno, de US$ 1,8 bilhão atualmente, a
expectativa é de que nos próximos 10 anos essa indústria supere os
volumes administrados pelas AFJPs.
Esse é o período estimado para que as AFJPs comecem o pagamento
massivo de aposentadorias, o que representará um ingresso de recursos
para as seguradoras na mesma proporção. “A maioria das pessoas opta
por ter uma renda vitalícia, que pela lei só pode ser comprada de
seguradoras”, explica Francisco Astelarra, diretor executivo da Associação
de Seguradoras de Vida e Aposentadoria.
Atualmente, as seguradoras crescem na brecha deixada pelas AFJPs. Elas
vendem planos de aposentadoria complementar que, na prática,
funcionam como fundos mútuos de investimento, tendo nas cotas
resgatáveis o seu principal atrativo. A partir de julho, inclusive, foi aberta
aos participantes a possibilidade de escolher o perfil do investimento.
Os principais clientes dessas seguradoras são as pessoas com mais de 40
anos, que devem receber uma aposentadoria muito pequena das
AFJPs. “Vendemos também para empresas que querem oferecer um
benefício adicional para os seus executivos, conclui.