Edição 214
Enquanto os fundos de pensão brasileiros ensaiam os primeiros passos, ainda muito reticentes, para começar a investir no exterior, os chilenos possuem larga experiência nesse assunto e vêm mostrando apetite cada vez maior para aplicar recursos fora do país. Somente em 2009 o volume de aplicações das AFPs chilenas no exterior dobrou de tamanho, saltando de US$ 25,6 bilhões para US$ 51,7 bilhões, o que representa atualmente 45,4% de seu patrimônio total. A preferência de destino para as aplicações são os países emergentes e, entre eles, destacam-se dois: Brasil e China.
O Brasil já ocupa a segunda posição entre os países que mais recebem recursos dos fundos chilenos, atrás apenas dos Estados Unidos, com o mercado chinês em terceiro lugar. “Os eventos que presenciamos nos dois últimos anos no cenário global dão evidências e fundamentos certeiros a respeito das corretas decisões dos fundos de pensões no Chile de ter incrementado seus investimentos em mercados emergentes antes e depois da crise vivida em 2008”, afirma Gonzalo Binello, diretor comercial da Schroders, responsável pelos mercados do Chile, Peru e Colômbia.
“O mercado de capitais chileno é muito pequeno e está saturado. Por isso, os recursos dos fundos de pensão chilenos estão sendo investidos em outros países, com destaque para o Brasil”, analisa François Racicot, consultor sênior de previdência da Mercer. Ele explica que após a reforma da previdência chilena realizada em 2008, os limites para investimentos no exterior foram ampliados e atualmente podem chegar a até 60% do patrimônio das AFPs. O Banco Central chileno tem condições de ampliar ainda mais o limite nos próximos anos para até 80%, de acordo com uma política fixada anualmente para os fundos.
A regulamentação para os investimentos estrangeiros das AFPs foi criada no início da década de 1990. As primeiras aplicações começaram timidamente em 1993, totalmente concentradas em renda fixa. “As primeiras aplicações no exterior eram exclusivamente conservadoras, em renda fixa. Mais tarde, a regulamentação passou a permitir os investimentos em renda variável”, conta Roberto Fuentes, gerente de estudos da Associação Chilena de AFPs. “A poupança previdenciária chilena estava crescendo mais rápido que nosso sistema financeiro. A saída foi abrir as portas para investir em outros países”, explica Fuentes.
Apesar de um breve recuo na época da crise financeira mundial do final de 2008, no geral os investimentos das AFPs chilenas vêm crescendo nos últimos anos. No final de 2005, as aplicações no exterior correspondiam a cerca de 30% do patrimônio do sistema, o equivalente a aproximadamente US$ 22 bilhões. Esse volume passou da casa dos US$ 30 bilhões antes da crise, mas depois recuou para US$ 25,6 bilhões no final de 2008. Com a recuperação das bolsas mundiais no ano passado, os recursos dos fundos de pensão voltaram para os mercados estrangeiros e as projeções apontam, se não houver nenhuma reviravolta, que ainda neste ano mais da metade dos recursos estará investida fora do Chile.
Preferência pelos emergentes – O destaque para o retorno das AFPs chilenas em investimentos externos foi o direcionamento de recursos para os mercados emergentes, sobretudo da Ásia e do Brasil. No final de 2005, as aplicações em países emergentes era de 41% do que ia para o exterior, o equivalente a US$ 9,3 bilhões. Já no encerramento de 2009, o volume havia quase triplicado, para US$ 27,3 bilhões. O montante já ultrapassava mais da metade do total de recursos investidos em países estrangeiros, exatamente 52,9%, à frente do percentual direcionado aos países desenvolvidos, de 43,3%. Os dados são da Superintendencia de Administradoras de Fundos Pensiones (SP), que é o órgão regulador do sistema de previdência complementar no Chile.
Entre os mercados emergentes a região mais favorecida foi a América Latina, que saltou de 12,3% do investimento no estrangeiro em dezembro de 2005 para 21,4% no final do ano passado. Também a Ásia emergente teve um incremento, alcançando 22,5%. Um dos motivos que explicam este aumento é a maior valorização das bolsas nestes mercados. No último trimestre de 2009, por exemplo, o índice MSCI para Emergentes valorizou 7,5%, enquanto que o mesmo índice para os mercados desenvolvidos, alcançou o resultado positivo de 4,5%.
Em termos de países, os mais favorecidos foram Brasil e China, que aumentaram sua participação de 6,3% e 1,4%, respectivamente, no final de 2005, para 14,6% e 7,8% em dezembro de 2009. “Os fundos de pensões chilenos realizaram seus investimentos naquelas regiões ou países que não somente tinham uma expectativa de bons rendimentos, mas também apresentavam fundamentos econômicos e de crescimento sólidos no futuro”, explica Gonzalo Binello, da Schroders. O gestor acredita que, mesmo que os mercados emergentes de ações tenham mostrado rendimentos excepcionais de 79% em dólar durante 2009, há argumentos sólidos para acreditar que existe maior potencial de subida para estes mercados atualmente.
“Prevemos potencial de valorização, se bem que também reconhecemos que, no curto prazo, existem fatores que produzirão maior volatilidade”, prevê Binello. Em relação ao tipo de ativos investidos no exterior, a maior alocação está concentrada em renda variável, com uma participação de mais de 70% do total. A maior parte dos recursos das AFPs direcionados para papéis do exterior está aplicada em fundos mútuos de ativos estrangeiros, que representam 80,5% do total. Já os títulos representativos de índices acionários concentram 16,6%.
Apesar de contar com menor volume de aplicações, a renda fixa vem aumentando sua participação nos últimos meses. Somente no último trimestre de 2009, a exposição a esse segmento subiu de 21% para 26%.
A concentração de investimentos na renda fixa no exterior foi realizada principalmente por meio de fundos mútuos de títulos de mercados emergentes. Um dos motivos que explicam o aumento da demanda por renda fixa no estrangeiro é a queda nas taxas de juros dos títulos chilenos. “A queda dos juros reais em nosso mercado, incentiva ainda mais a diversificação dos investimentos no exterior”, explica Cláudio Asecio Fulgeri, gerente geral da seguradora EuroAmerica Seguros.
Gestor de fundos de previdência suplementar, do tipo APV (Poupança Previdenciária Voluntária), a EuroAmerica também investe no exterior. “Não temos mais espaço para investir no mercado interno. Se somarmos os recursos das AFPs com as carteiras das seguradoras, temos uma poupança de mais de US$ 200 bilhões, que é bem superior ao nosso PIB [Produto Interno Bruto]”, constata Fulgeri. Ele acrescenta que a preferência depois da crise de 2008 recaiu sobre os mercados emergentes como Brasil e China porque foram países que mostraram melhores sinais de recuperação. “Brasil e China se descolaram da crise. Os papéis brasileiros foram os mais rentáveis de 2009”, reforça.