Edição 213
O aumento do número de planos de Contribuição Definida (CD) e Variável (CV) não é uma novidade entre os fundos de pensão, assim como não é novo que, diante da queda da taxa de juros, eles têm buscado a diversificação dos seus investimentos para conseguir bater suas metas atuariais. Tudo isso formaria um cenário perfeito para o desenvolvimento dos fundos de private equity (PE) se não fosse por um detalhe: as entidades de pequeno e médio porte não sabem como precificar esses ativos e, consequentemente, calcular o valor das cotas dos participantes.“Os planos CD e CV, além dos PGBLs e VGBLs, simplesmente não carregam esses fundos em carteira, apesar da tradição de bons gestores nesse segmento”, afirma Marcelo Rabbat, diretor da RiskOffice. “E por quê? Porque eles têm dificuldade em auferir a performance dos fundos ao longo do tempo”, complementa.Para Rabbat, com a evolução do número de planos CD e CV e a instituição da portabilidade, a criação de mecanismos para avaliar esses ativos alternativos se torna uma questão fundamental. Principalmente porque, no Brasil, não existe um mercado secundário de PE, o que torna a atribuição de valor ainda mais complicada.No caso dos planos de Benefício Definido (BD), esse “obstáculo” é menos palpável uma vez que os participantes não têm cotas individuais. Já no caso dos planos CD e CV é diferente. “Com a entrada e saída de participantes nesses planos, dependendo da época em que o participante faz esse movimento ele pode ser beneficiado ou prejudicado. Enquanto os que entraram na etapa de desinvestimento aproveitam o upside sem ter participado do início do fundo, os que saíram antes dessa fase carregaram apenas o downside”, descreve o advogado Flavio Martins Rodrigues, do Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, que tem participado de conversas sobre o assunto juntamente com Rabbat.Essa “injustiça” faz parte de um conjunto de fatores que levam fundações de pequeno e médio porte a hesitar na hora de optar por uma aplicação em PE. É o caso da Previ-Ericsson, por exemplo. “Esses fundos estão crescendo muito, e em geral suas estratégias são realmente muito boas.Eles seriam muito adequados às entidades previdenciárias, que têm que diversificar os investimentos para bater as metas atuariais, mas além do problema da liquidez eles têm o problema da precificação”, afirma Bruno Ribeiro, analista financeiro da Previ-Ericsson. A entidade conta com dois planos – um BD, da ordem de R$ 550 milhões, e um CD, de R$ 150 milhões – e não tem nenhum investimento em fundos de participação.Ribeiro concorda que a dificuldade maior seria em colocar um fundo de PE na carteira do plano CD, por conta da dificuldade em fazer a precificação. “A diferença entre um participante que entrou no início do fundo e um que entrou na fase final geraria, com certeza, muitos questionamentos por parte do conselho e dos participantes”, comenta.Na Fundação Promon de Previdência Social, a “marcação a mercado” dos fundos de private equity é um assunto que sempre vem à tona quando se discute o ingresso da entidade nessa classe de ativos – assim como a Previ-Ericsson, a Promon ainda não investe em fundos desse tipo. “É bem complicado fazer essa precificação, porque não existe um critério”, afirma Mario Sergio Ribeiro, diretor da fundação. Ele endossa que esse é um ponto importante a ser debatido quando se trata de planos CD e CV. “Se um participante sai do plano no sétimo ano do fundo e o ganho se dá no oitavo, ele carregou o risco e perdeu o valor. Já aquele que entrou no sétimo ano capitalizou o ganho de um risco que não correu”, resume o diretor. A entidade conta também com dois planos, um BD (R$ 500 milhões) e um CD (R$ 300 milhões). O plano de Benefício Definido está fechado para novos ingressos desde 2005.
Parâmetros de avaliação – Marcelo Rabbat cita que, no mercado externo, gestores divulgam avaliações periódicas dos investimentos que estão dentro dos fundos de private equity. “Está embutido no regulamento que o gestor tem que prestar uma série de informações aos cotistas. Muitas vezes isso é até condição para o cotista realizar o investimento no fundo”, explica Rabbat.Acontece que, nesse caso, surge um problema adicional: o viés da informação prestada pelo gestor. “É uma questão delicada. Por isso, nós estamos discutindo com alguns investidores como essa prestação de dados deveria ocorrer. É importante definir de que maneira essa informação chegaria aos cotistas e como ela seria utilizada”, exemplifica.O advogado Flavio Rodrigues lembra que a Resolução número 3.792 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que trata dos investimentos dos fundos de pensão, tem um trecho dedicado a questões de conflito de interesse por parte do prestador de serviço às entidades fechadas de previdência complementar. Ele destaca o artigo 10 da resolução, que estabelece que “a EFPC deve avaliar a capacidade técnica e potenciais conflitos de interesse dos seus prestadores de serviço. Sempre que houver alinhamento de interesses entre o prestador de serviços e a contraparte da EFPC, esta deve se assegurar de que o prestador tomou os cuidados necessários para lidar com os conflitos existentes”.Rodrigues alega, diante disso, que a mesma empresa que vai ganhar com a performance do fundo (no caso, o gestor) não poderia calcular esse dado por si própria. “É por isso que surge a pergunta: quem é que vai levantar e tratar as informações?”, afirma o advogado. Ele diz que uma ideia é que o comitê do fundo fixe as variáveis sobre as quais os cotistas gostariam de receber informações regularmente para calcular o valor dos ativos.Rabbat completa que poderiam ser definidas cerca de dez variáveis relevantes para cada empresa investida e sobre as quais o gestor deveria prestar informações. A partir do momento em que o gestor voltasse com os dados, o comitê os trataria de forma independente para chegar a uma avaliação dos ativos. “Fundações com equipes grandes têm expertise para dar o preço a partir desses parâmetros. Já fundaçoes menores poderiam comprar esse serviço de um terceiro”, sugere o diretor da RiskOffice. Para Rodrigues, o comitê teria o direito de checar junto à empresa investida as informações prestadas pelo gestor. “Tudo isso tem que estar no regulamento”, adverte o advogado. “E a hora de negociar essas condições com o gestor é antes do cheque ir, porque depois que foi não adianta chorar”, alerta Rabbat.O diretor da RiskOffice considera que é melhor fazer avaliações periódicas dos ativos do que esperar até o fim do ciclo, no sétimo ano por exemplo, para só então receber o dado da rentabilidade do fundo. Segundo ele, ao optar pela compra dessa ou daquela empresa para colocar no portfólio, o gestor fez uma avaliação do valor e do potencial da empresa. “Antes da aquisição o gestor fez o valuation da empresa. Então, isso significa que a informação existe”, argumenta.
Palavra de gestor – Luiz Eugênio Figueiredo, diretor de Operações da Rio Bravo, admite que as fundações de pequeno e médio porte mostram a preocupação sobre como avaliar os ativos de private equity nas carteiras de seus planos CD ou CV. Ele argumenta, no entanto, que o mais importante é entender tecnicamente o que é que faz sentido em termos de cota num fundo da natureza de um private equity e venture capital. “Esses fundos costumam ter poucos ativos, fazem suas compras ao longo de alguns anos e depois vendem suas participações também ao longo de todo um período. Por conta disso, há pouquíssimas transações em fundos desse tipo. Os ativos não têm valor de mercado, nem variação constante”, explica.Ele acrescenta que, quando é feita uma aquisição pelo fundo, o que fica valendo é o preço pago na compra. “Depois disso, passado algum tempo, faz sentido que sejam realizadas avaliações econômicas para ver qual é a valorização daquele ativo. Mas isso é um trabalho técnico que é feito normalmente uma vez por ano”, ressalva. Ele acrescenta que, pela peculiaridade dos fundos de private equity e venture capital, no mundo inteiro a prática é enviar informações aos cotistas.André Bernardino da Cruz Filho, diretor do departamento de ações e custódia do Bradesco, aponta que na maioria dos fundos de private equity do Brasil a contabilização se dá pelo preço de custo dos ativos em carteira. “Na grande maioria dos casos, o valor é dado a preço de custo, ou seja, a quantia que foi desembolsada pelo fundo para fazer o investimento. E o valor contabilizado é mantido como o da aquisição por muito tempo. Se por ventura a empresa-alvo está com alguma dificuldade de ordem econômica, se faz apenas uma provisão para perdas. Existe ainda outro critério permitido com relação à apuração de valor, que é a equivalência patrimonial. Mas esse modelo é pouco usual no Brasil, porque demanda um processo mais elaborado de avaliação”, pondera Bernardino.Para ele, o mercado caminha no sentido da apuração do valor econômico das empresas investidas, com a ajuda de um prestador de serviço especializado. “É preciso que se faça um estudo bem detalhado e fundamentado para se chegar ao valor econômico das empresas. E isso deve ser feito por um terceiro, não pelo gestor”, diz Bernardino. “Esse modelo ainda não é muito usado aqui no Brasil, mas eu diria que é para onde caminha a humanidade.” O diretor acrescenta que os investidores, estruturadores, custodiantes, controladores e administradores, além da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), precisam chegar a um denominador comum para melhor padronizar esse mercado, entendendo que se trata de um segmento diferenciado, de investimentos de longo prazo em empresas não-listadas. “Essa equação precisa ser mais bem fechada entre as partes envolvidas. E o critério de contabilização tem de constar nos regulamentos dos fundos.”
Na prática – Na opinião de Figueiredo, da Rio Bravo, tudo depende do regulamento e do momento em que os fundos estão. Mas, ele concorda que, em geral, há algumas formas de se dar valor às participações do portfólio. “Quando se está próximo do momento em que ocorreu a aquisição, muito provavelmente o valor fixo é o pago na compra. Se já houve uma outra capitalização em determinada empresa, se utiliza o valor indicativo que um terceiro pagou pela participação na companhia. Mas a metodologia de precificar isso varia. Há casos de fundos em que, com alguma periodicidade, é feita uma avaliação, seja pelo gestor ou de forma independente pelo cotista. Mas também há casos em que isso não é feito.Fica mantido o preço de custo e isso só varia quando tem uma outra operação de capitalização naquela empresa”, detalha.O executivo diz, no entanto, que nem sempre as avaliações podem ser tomadas como garantia do valor das empresas. Ele alega que, ao contrário do que acontece com as companhias com ações listadas em bolsa de valores, não se pode atribuir um valor a uma empresa fechada com total certeza de que ele está condizente com a realidade. “Pode vir alguém e dizer que tal empresa vale 100, mas não há nenhuma certeza de que se vai conseguir vendê-la por esse valor. Se nessa hora não existir um comprador para a empresa, também não existe preço”, resume.Figueiredo completa que as fundações só vão ganhar quando o fundo de private equity efetivamente vender as participações e devolver o dinheiro aos cotistas.Mario Ribeiro, da Fundação Promon, concorda que a avaliação não é um retrato 100% fiel do valor das empresas investidas. Ele afirma que em fundos de private equity a rentabilidade não se dá de forma linear, mas sim na saída. “Para mitigar o valor, se faz avaliações nas empresas. Isso ajuda, mas não resolve. Porque se a empresa faz um IPO, por exemplo, o seu valor real só será conhecido no momento da oferta de ações. O mesmo acontece quando a participação é vendida a um terceiro: só é possível capturar o ganho quando a venda acontece”, conclui o diretor da entidade.Figueiredo, da Rio Bravo, levanta outro ponto desfavorável a avaliações feitas com muita frequência: a volatilidade. “Fazer uma avaliação mensal, por exemplo, é ficar no sobe e desce para o que não tem nenhuma realidade. Não adianta querer fazer algo com alguma periodicidade, porque não faz sentido. A questão é: se eu disser que em um mês a empresa vale 100, e no outro 120, é verdade? Se eu quiser vender no dia seguinte eu consigo? Não necessariamente. O processo de venda de uma empresa fechada dura meses.” Por fim, o executivo defende que, por mais que os fundos de PE não tenham uma precificação tão exata e constante, a maior parte dos ativos dos fundos de pensão vai estar marcada a mercado, o que resolveria o problema das cotas dos participantes. Segundo ele, os fundos de private equity e venture capital correspondem, na média, a 2% das aplicações das fundações brasileiras. “Mesmo quando um dia isso chegar à média internacional, entre 10% e 20%, pelo menos 80% dos recursos das entidades estarão investidos em ativos que têm precificação diária e são avaliados a mercado. O fato de você manter uma parcela muito menor a um valor fixo durante um tempo, porque essa é a melhor estimativa disponível, não traz um prejuízo em termos financeiros.”
Informações trimestrais aos investidores estrangeiros
Acostumada a lidar com investidores institucionais estrangeiros, a Prosperitas Investimentos elabora relatórios trimestrais para ajudá-los na precificação dos ativos que compõem os fundos sob sua gestão. A gestora, que tem cerca de R$ 2 bilhões sob seus cuidados, é especializada em private equity imobiliário, e os aplicadores de fora do País compõem 100% de sua clientela.De acordo com Luciano Lewandowski, sócio da Prosperitas, os relatórios enviados aos clientes apresentam dados macroeconômicos (como expectativas em relação ao PIB, inflação, taxa de juros e câmbio), um cenário político do País, detalhes sobre a situação do mercado imobiliário e a composição do portfólio do fundo – distribuição dos ativos entre segmentos como shopping centers, escritórios, logística e distribuição, entre outros. “Também apresentamos um histórico do quanto de capital que nós chamamos e quanto dinheiro nós já devolvemos”, explica o executivo. Há, ainda, uma ideia de valor de mercado dos imóveis em carteira. “No caso de um imóvel alugado, por exemplo, o próprio valor do aluguel já nos dá uma ideia de taxa de retorno, porque é uma renda propiciada ao investidor. Também é possível fazer uma avaliação de um terreno de acordo com os movimentos de mercado”, cita.Para Lewandowski, o importante é frisar que o gestor envia ao cotista um valor razoável de mercado, atualizado. “O valor de mercado é diferente do investido na compra do ativo. Esse é o X da questão.: fazer a avaliação do valor razoável”, resume. O executivo completa que, no caso da Prosperitas, é a própria gestora quem faz a avaliação dos ativos e a envia aos cotistas. “Se os estrangeiros não confiam nos critérios de um gestor, eles simplesmente não investem no fundo. Fora que o nosso relatório é mais do que completo. Além disso, sempre chega a hora de devolvermos o dinheiro. Se os cotistas não acreditassem na nossa avaliação, esse também seria o momento da prova dos nove.”
Serpros estuda criação de fundo exclusivo
O Sepros – Fundo Multipatrocinado está ensaiando uma entrada em Fundos de Investimento em Participação (FIP). Para tanto, ainda está em estudo a implementação de uma estrutura que receberá os produtos que serão selecionados pela equipe de investimentos da fundação. A estrutura é resultado de um desenho feito pela Divisão de Análise, Controle e Gerenciamento de Risco do Serpros, gerenciada por Marcus Viniccius Rodrigues da Rocha. “Nós apresentamos o desenho à diretoria, mas ainda não temos nada confirmado sobre a implementação”, avisa o gerente.Segundo ele, se trata de uma estrutura relativamente simples: um fundo exclusivo, com um gestor externo e possivelmente uma consultoria terceirizada, que compraria cotas de FIPs. O fundo exclusivo contaria ainda com um comitê para a decisão sobre os ativos que receberiam as aplicações.“Nós estamos desenhando essa estrutura para receber os ativos. Uma vez aprovada a estrutura, nós vamos começar a analisar os fundos para comprar cotas”, sinaliza Luiz Augusto Britto de Macedo, diretor de investimentos da entidade. Ele explica que, em um fundo com várias cotas de private equity, é possível mitigar o risco da rentabilização negativa que ocorre em determinadas fases dos FIPs. Rocha acrescenta que, enquanto um FIP está aplicando recursos, outro já pode estar devolvendo, o que ajuda a evitar grandes oscilações.O Sepros tem conversado com diversos gestores de private equity.Segundo Macedo, há “três ou quatro” fundos que passaram bem pela avaliação da entidade, que aplica critérios quantitativos e qualitativos para analisar os produtos de investimento que lhe são oferecidos. “Temos recebido aqui todos os parceiros que querem nos mostrar produtos, e acabaram ficando três ou quatro que nós estamos estudando com mais atenção”, informa o diretor.