Com quem fica o superávit? | A três meses do final do mandato, o ...

Edição 212

Em fevereiro de 2003, quando assumiu a presidência do maior fundo de pensão brasileiro, Sérgio Rosa temia que pudesse faltar dinheiro no caixa da Previ para arcar com os compromissos da entidade junto aos participantes. Hoje, sete anos depois e a poucos meses de deixar o cargo – no final de maio –, ele se vê diante de uma situação oposta: o que fazer com o superávit que a entidade acumula, estimado em mais de R$ 40 bilhões.Mediar a conversa entre participantes e patrocinadora sobre a destinação do superávit do Plano 1 da entidade é uma das prioridades de trabalho de Rosa nesses últimos meses de mandato. Evitando falar de seus planos para o futuro, ele diz que continuará acompanhando a vida da fundação como um participante comum. Afinal, uma parte importante das suas reservas, destinadas a garantir-lhe uma boa aposentadoria daqui a algumas décadas, está sob a guarda do fundo de pensão. “Com certeza, serei um participante com muito boa informação, e disposto a cobrar resultados dos futuros gestores”, avisa ele.Rosa já foi apontado como um possível substituto de Roger Agnelli, o poderoso presidente da Vale, que no passado recente deu algumas trombadas com o governo Lula por ter demitido trabalhadores nos primeiros dias da crise em 2009. O presidente Lula não gostou, e disse que a empresa deveria ter esperado um pouco mais, sustentando os empregos. Nos últimos meses, a tensão entre Agnelli e o governo Lula parece ter abrandado, mas nos momentos de pico o nome de Sérgio Rosa foi apontado como o preferido do presidente do Brasil para comandar a Vale. Não custa lembrar que a Previ, junto com outras fundações de patrocinadores estatais, é uma das mais poderosas acionistas da mineradora. Nas últimas semanas, Rosa também foi apontado como um colaborador estratégico da campanha da ministra Dilma Rousseff à presidência, pela proximidade que ganhou nos últimos anos junto a grandes empresários, posição fundamental para arrecadar fundos de campanha. “Não sei ainda o que farei. Provavelmente vou guardar um período de quarentena, que pode ser de até um ano, e depois decidir o que fazer. Na verdade sou apenas um jornalista, talvez vá procurar emprego em alguma redação”, desconversa.Com certeza não vai. Formado em jornalismo pela USP, ele nunca trabalhou em jornal ou revista. Concursado do Banco do Brasil, tampouco sua carreira se desenvolveu como bancário, atrás de uma escrivaninha. Ele optou cedo pela militância no Sindicato dos Bancários de São Paulo, onde fez parte da diretoria e ganhou a confiança de dirigentes mais antigos, que o iniciaram nos temas da previdência privada e na vida da Previ. Rosa ingressou na fundação em 2000 como diretor eleito de Participações. Com a vitória do governo Lula, em 2002, ele fez parte da equipe de transição e, apoiado pelo então Ministro das Comunicações, Luiz Gushiken, assumiu em 2003 a presidência da entidade.Nesses sete anos de mandato, a Previ passou de um patrimônio de R$ 43 bilhões para R$ 140 bilhões, imprimindo sua marca aos grandes negócios do mundo empresarial brasileiro. “Hoje, quando se fala em Previ, todos percebem o papel que ela cumpre na economia brasileira, seja pelos seus investimentos ou pelo posicionamento a favor da boa governança corporativa. É uma imagem associada a boas práticas e à cultura de investimentos sustentáveis e socialmente justos”, afirma Rosa.Essas boas práticas não são resultado de uma visão de bom mocinho, mas sim da busca de resultados sólidos e consistentes para a entidade por meio da incorporação dos funcionários das empresas ao respectivo negócio. “A vida das organizações depende essencialmente dos seus funcionários, do quanto eles entendem a dinâmica do negócio. Isso é uma das coisas que, ao longo do tempo, mais se destacou na minha experiência”, diz Essa visão orientou as principais decisões que tomou ao longo dos últimos anos, quando teve que tomar posição em relação a grandes negócios envolvendo marcas importantes como Vale do Rio Doce e Usiminas, Brasil Telecom e Telemar, Sadia e Perdigão, CPFL, Embraer, entre outras. Foram meganegócios que resultaram em criação de valor para a entidade, ajudando na construção de um superávit acumulado que está isentando a patrocinadora e os participantes de contribuir com o Plano 1 da fundação, o maior da Previ e que representa 99% do seu patrimônio, desde 2007.Embora novato na área de investimentos, com um curso de jornalismo na bagagem e uma experiência pregressa de dirigente sindical, Rosa acabou se destacando. E, por incrível que pareça, a experiência em jornalismo foi útil. “Eu sempre falo que um investimento não começa com uma planilha, mas com uma ideia. Antes de virar uma planilha cheia de números, a ideia do investimento é um texto, uma história a ser contada, com começo, meio e fim. Se você souber fazer as perguntas certas, entender os sujeitos de cada projeto de investimento, interpretar os planos e saber se eles fazem sentido, boa parte do caminho está andada”, comenta. “O investimento tem que passar pelo teste dos números, mas os números só refletem uma história, uma ideia”, conclui.
Números desfavoráveis – No início do seu mandato, em 2003, os números eram bastante desfavoráveis. O Ibovespa tinha fechado 2002 com queda de 17%, e no primeiro dia útil de fevereiro de 2003 o dólar batia quase a R$ 3,50. O termômetro do JP Morgan indicava um risco Brasil de 2.400 pontos. “Aqui na Previ, particularmente, nós entramos em 2003 com um cenário um tanto quanto negativo. No primeiro semestre nós trabalhávamos com a possibilidade de chegar a ter um déficit no final do ano, que seria o terceiro consecutivo da Previ”, diz. “O medo de que isso acontecesse nos levou a não repassar integralmente o IGP-DI, que era o índice de correção das aposentadorias, aos aposentados.” O pior não aconteceu e a Previ encerrou 2003 com superávit de R$ 7,67 bilhões (descontados os resultados negativos de 2001 e 2002, que somavam R$ 3,62 bilhões, o saldo acumulado ficou positivo em R$ 4,05 bilhões).Desde então, os resultados têm sido positivos, com exceção de 2008 – quando, como resultado da crise, a fundação acabou perdendo. Mesmo assim, o Plano 1 encerrou aquele ano com saldo positivo acumulado de R$ 26,31 bilhões. Ainda não foram disponibilizados dados de 2009, mas em outubro passado o resultado acumulado era de R$ 38,7 bilhões.A briga por esse naco é grande. O Banco do Brasil, patrocinador da Previ, declarou em seu balancete do quarto trimestre de 2008 efeito positivo de R$ 5,32 bilhões em decorrência da Resolução 26 do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC), que prevê a possibilidade de uma eventual devolução de parte do superávit a patrocinadoras. A iniciativa do BB provocou uma reação indignada da Anapar (Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão) e de outras entidades ligadas aos trabalhadores, que chegaram a denunciar supostas irregularidades na contabilização feita pelo BB.Em seu balancete relativo ao quarto trimestre de 2009, o banco voltou a contabilizar ganhos relativos ao Plano 1 da Previ, desta vez declarando um impacto positivo de R$ 1,6 bilhão. A Anapar, mais uma vez, não gostou. “Como resultado da nossa boa história de investimentos e do bom momento da economia brasileira, temos um superávit, e participantes e patrocinadora estão nos perguntando que destino será dado a ele”, diz Rosa. “Essa é uma discussão que ainda vai tomar os próximos meses.” Outro tema da sua pauta neste final de mandato são os novos investimentos que a fundação pretende fazer, posicionando suas carteiras frente ao novo momento da economia. “Ainda não posso falar sobre eles”, afirma. Os últimos movimentos da Previ em direção ao setor imobiliário, no entanto, são um indicativo importante na visão do mercado.
Investimentos complicados – Livrar-se de investimentos complicados foi uma das grandes tarefas da gestão de Rosa na Previ. Ele diz que eram cerca de 20 investimentos em situação muito ruim, como Brasil Ferrovias, Brasil Telecom, Paranapanema e Kleber Weber. O único remanescente dessa safra de investimentos complicados é Costa do Sauípe. “Fizemos uma tentativa de venda, mas fomos atropelados pela crise. Agora estamos buscando uma melhoria operacional para tomar alguma medida mais estratégica adiante”, indica. “Mas é o último daqueles 20; o resto já foi solucionado”, diz Rosa.O principal deles, e que mais deu manchetes aos jornais, foi o rumoroso caso envolvendo os investimentos da Previ com o Banco Opportunity, de Daniel Dantas. Por meio de dois fundos, o banco investia em empresas de telefonia, ferrovias e metrô. A Previ acusava o Opportunity de gerir os fundos em proveito próprio, e não dos investidores. Depois de muitas idas e vindas judiciais, o banco de Dantas perdeu a gestão dos fundos e as empresas acabaram sendo negociadas pela Previ, juntamente com os outros sócios, fundos de pensão ou não. “Dos ativos que estavam nos fundos do Opportunity, todos foram resolvidos – a Brasil Telecom, a Telemig, a nossa participação na Santos Brasil. O Metrô do Rio foi integrado pela Invepar. Enfim, acho que essa é uma página virada”, diz Rosa.
Também são página virada os embates travados na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, ocorrida entre 2005 e 2006 e que colocou os fundos de pensão na berlinda. “Aquele foi um dos momentos mais chatos para nós. Eram produzidas manchetes com informações incompletas, e isso teve um impacto muito grande sobre os nossos participantes. Foi um período de estar sempre correndo atrás do prejuízo e desmentindo informações até que as coisas fossem esclarecidas”, lembra. “No final, o relatório da CPI acabou não apontando absolutamente nenhum tipo de escândalo, e o período terrível de manchetes precipitadas cessou.” Situações desse tipo exigem fundos de pensão cada vez mais transparentes aos olhos dos participantes e da sociedade. Essa é a visão de Rosa e uma das marcas da Previ atualmente. Esse envolvimento com a questão da governança corporativa começou por volta do ano 2000, inicialmente nas empresas investidas e, aos poucos, foi incorporado para a própria fundação. “No primeiro momento não existia toda essa filosofia, nem um código de melhores práticas. Começamos acompanhando nossos investimentos, como um acionista ativo, e aos poucos esse posicionamento passou a se transformar em uma política consolidada de governança corporativa, com participação efetiva nas assembléias, indicação do conselho em todas as situações em que tínhamos condições de fazer isso e cobrança de transparência e de condições igualitárias com os demais sócios”, enumera.
Na primeira reunião entre a diretoria da Previc e a Abrapp, realizada em São Paulo no início de fevereiro, Rosa apresentou o tema aos presentes, inclusive ao primeiro diretor superintendente do novo órgão, Ricardo Pena.
Segundo Rosa, a governança dentro das entidades deve ser uma das principais bandeiras do sistema daqui para a frente. Dita a três meses do fim do mandato, por alguém que está entregando o cargo, a frase causou algum frisson. Ele parece que nem notou.