Edição 200
Quando a área de investimentos do Fundo de Previdência do Estado de Minas Gerais (Funpemg) apresentou ao seu Conselho de Administração a proposta de saída dos fundos de crédito e o início de operações compromissadas, os conselheiros estranharam um pouco a sugestão. “Claro que essa decisão causa certa estranheza, mas o Conselho resolveu nos dar um voto de confiança”, conta Fernando Perez, gerente de investimentos do fundo. A reunião ocorreu no dia em que o Brasil recebeu pela segunda vez a chancela do grau de investimento, no final de maio de 2008, e os resgates dos fundos de crédito e a migração destes recursos para operações compromissadas começaram a ser feitos já no início de junho do ano passado.
“Tínhamos uma preocupação sobre até que ponto o investment grade seria um sinal de grande entrada de recursos de estrangeiros no Brasil.
Fora isso, já havíamos percebido uma tendência de saturação do movimento comprador, além do fato de a economia americana apresentar resultados ruins já desde 2007. E isso teria efeitos não só na Bolsa, porque ela tem grande correlação com títulos de crédito privado”, comenta. Perez diz que, em dezembro de 2007, as aplicações do Funpemg estavam 51,62% em fundos de crédito privado, 22,9% em uma carteira própria de títulos públicos e 25,47% em fundos de títulos públicos.
No final de junho de 2008, a parcela investida em fundos de crédito privado estava em 23,73% e, ao final do ano passado, essa fatia já estava zerada – em novembro, as operações compromissadas correspondiam a 70,39% dos investimentos e os 29,61%% restantes equivaliam à carteira própria de títulos públicos.
A idéia foi sair do risco de mercado e tomar uma postura mais cautelosa, de proteção ao patrimônio, por meio de operações compromissadas com lastro integral em títulos públicos federais. Perez explica que o Funpemg adquire títulos de instituições financeiras por prazos previamente determinados e, ao final desses períodos, as instituições financeiras recompram os títulos. Essas operações contemplam ainda um contrato de swap entre o Funpemg e as instituições financeiras, por meio do qual os rendimentos dos ativos adquiridos são “trocados” por uma taxa fixada como percentual do CDI – entre 100% e 100,5%. “A garantia é que o banco trava títulos públicos de sua carteira e os coloca sob custódia do Funpemg, com ajuste diário. E a vantagem é que essa é uma aplicação sem exposição à volatilidade de mercado”, argumenta.
O Funpemg pode operar apenas com bancos credenciados pela Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais. Até o ano passado, tinham a chancela apenas Itaú, Bradesco e Banco do Brasil, mas, em 2008, mais cinco bancos foram credenciados pela secretaria exclusivamente para prestar serviço ao fundo – são eles Caixa Econômica Federal, HSBC, ABN Amro Real, Unibanco e Santander. “Mais do que pela questão da concorrência, nosso objetivo com o credenciamento de mais instituições era de ampliar a diversificação da oferta e dos perfis dos produtos”, conta Perez. No entanto, o Funpemg mantém apenas um fundo multimercado em sua carteira, e não o tempo todo. Trata-se de um fundo sem renda variável do Itaú (Institucional Active FIX), no qual o Funpemg mantém posições curtas e aplica e resgata recursos como e quando considera ser conveniente.
Com a publicação da Resolução 3.506 do Conselho Monetário Nacional (CMN) em outubro de 2007, o Funpemg chegou a experimentar, no final daquele ano, aplicações em renda variável, por meio de um multimercado do Itaú com exposição de 40% em Bolsa. Mas por conta da “percepção de forte realização de posições em Bolsa, não só por conta do cenário de crise mas também por uma correção natural após um ciclo de alta muito extenso”, o fundo acabou por fazer um movimento de completa saída da renda variável até março do ano passado. Em 2009, segundo Perez, a tendência é de que o Funpemg mantenha essa estratégia conservadora para seus investimentos. “Temos uma indicação bem clara do Conselho e não vamos aproveitar nenhum repique técnico para fazer aplicações em Bolsa. Só voltaremos para a renda variável quando os índices estiverem em um canal de alta consistente”, adianta o gerente de investimentos.
Resultados – O Fumpemg passou de 2007 para 2008 com patrimônio de R$ 450 milhões e encerrou o ano passado com R$ 770 milhões. Segundo Perez, em 2008 o fundo teve arrecadação de R$ 223,2 milhões e recebeu R$ 21,3 milhões por meio do Comprev. Já a receita financeira do Funpemg somou R$ 70,9 milhões.
Perez detalha que o fundo obteve rentabilidade de 99,8% do CDI em 2008 e informa que, com base em simulações de outras composições de carteira, o resultado poderia ser bastante inferior. “Em uma carteira que chamamos de moderada, com 15% das aplicações em Bolsa, o retorno seria de 24% do CDI, o que geraria uma receita financeira de R$ 15,9 milhões, ou seja, R$ 55 milhões inferior à receita que obtivemos. Em uma carteira agressiva, com 30% das aplicações em Bolsa, a rentabilidade seria de -48,1% do CDI, com receita financeira negativa de R$ 36,2 milhões”, exemplifica o gerente de investimentos. Se o Funpemg tivesse mantido sua carteira de dezembro de 2007, o retorno seria de 98,3% do CDI (com receita de R$ 68,5 milhões) e, se ficasse com sua carteira de março de 2008, teria obtido rentabilidade de 97,66% do CDI (receita de R$ 68 milhões). Em janeiro de 2009, o fundo atingiu retorno de 104% do CDI e viu seu patrimônio chegar a R$ 800 milhões, segundo Perez.
Além de preservar seu patrimônio e fugir do risco de mercado, o Funpemg também tinha como objetivo ficar longe da volatilidade. Em um levantamento dos 130 dias do segundo semestre do ano passado, é possível verificar que o fundo obteve rentabilidade diária inferior a 99% do CDI em apenas 17 dias. “Em praticamente 80% de um período bastante turbulento nós tivemos rentabilidade entre 99% e 103% do CDI. Com isso conseguimos diminuir a variação do mercado. Há casos de fundos de crédito que chegaram a dar 70% do CDI em um momento e 150% do CDI em outro”, exemplifica. Em 57 dias do segundo semestre de 2008 a rentabilidade diária da carteira do Funpemg ficou entre 100% e 101% do CDI.
Timing – Perez nota que, com o agravamento da crise, houve um aumento na aversão ao risco, “o que ocasionou um movimento vendedor dos ativos de renda fixa de emissão privada e, com isso, houve piora significativa do desempenho dos fundos de crédito, associado a um grande incremento da volatilidade”. “Saímos bem dos fundos de crédito porque, como começamos a fazer as operações compromissadas em junho, tiramos nossas posições de crédito privado antes de olho do furacão”, diz Perez.
Lauro Araújo, diretor da consultoria de investimentos da Mercer, concorda.
Ele explica que, no caso dos títulos de crédito emitidos por empresas não- financeiras, o agravamento da crise trouxe falta de liquidez e a necessidade de pagamento de prêmios muito altos para se conseguir vender esses papéis. “Se esse fundo conseguiu sair do crédito privado de empresas não-financeiras em junho, julho ou até em agosto do ano passado, tomou uma posição acertada. Foi uma antecipação muito boa do movimento de mercado e deu para ganhar dinheiro”, avalia. Ele conta que, no caso dos clientes da Mercer, a maioria dos gestores que tinha papéis de crédito emitidos por empresas não-financeiras os manteve em carteira no segundo semestre de 2008 e “sofreu bastante” com a marcação a mercado destes títulos. “Depois de agosto, os papéis despencaram e a falta de liquidez deixou os prêmios muito altos”, reforça.
Araújo explica que em se tratando de títulos de empresas financeiras (os famosos CDBs), a liquidez é diária, ficando mais fácil entrar e sair das posições nestes papéis. “Quem conseguiu colocar em carteira papéis de grandes bancos quando o prêmio começou a abrir também ganhou dinheiro”, indica. Outra estratégia que deu certo, de acordo com o diretor, foi a saída de operações compromissadas e o ingresso em títulos pré- fixados, NTN-Bs e crédito de instituições financeiras a partir de outubro do ano passado. “Houve caso de gestores que, ao aumentar as aplicações em pré-fixados e títulos longos atrelados ao IPCA em outubro, novembro e dezembro, conseguiram reverter todas as perdas do ano em renda fixa.
Com essa estratégia, seria possível ganhar mais dinheiro ainda”, aponta.
O diretor da consultoria de investimentos da Mercer ressalva, no entanto, que em um mercado volátil como o que verificamos nesses tempos de crise existe uma grande dificuldade de se acertar o timing das aplicações. “Com um mercado tão dinâmico, fica mais complicado acertar o pé”, afirma. Mas, como vimos, não é impossível.