Estudos Técnicos Fipecafi – Luiz Jurandir Simões de Araújo

Edição 194

ALM: um projeto ou um processo?

Os objetivos deste primeiro artigo que trata de ALM é mostrar rapidamente uma forma como os projetos de ALMs são estruturados, defender que um projeto de ALM deveria ser entendido como processo e advogar que para alguns resultados desse processo o gestor de recurso deva ter uma participação mais próxima, para que se possa aproveitar movimentos que as curvas de juros de longo prazo apresentam.
ALM : modelling, matching ou management – Quando um investidor implementa um projeto de ALM tem como objetivo fundamental um certo compromisso de maximizar alguma relação (função objetivo) entre os seus ativos (A:assets) e os seus passivos (L:liabilities). Esse investidor pode ser um fundo de pensão; um banco; uma construtora que executa e incorpora operações imobiliárias e vários outros exemplos possíveis. Até mesmo uma pequena empresa, de certa maneira, também implementa ALM de forma intuitiva e expedita quando procura ajustar recebimentos e pagamentos no curto prazo. Nesse último caso não há uma maior complexidade numérica e analítica o que viabiliza que o próprio gestor da empresa, pessoalmente, procure ordenamentos adequados dos recebimentos e pagamentos da sua empresa. Para os demais exemplos, o volume de dados, cenários e alternativas a serem exploradas é tão grande que não haveria como implementar um projeto de ALM sem softwares, matrizes de informação, hipóteses e pressupostos adequadamente selecionados e estruturados.
Como cada investidor tem diferentes peculiaridades, características estruturais e necessidades, cada um terá um ALM diferente a ser implementado. Não há um modelo único e universal de ALM, tanto é assim que a letra M da palavra ALM pode denotar Management, Modelling ou Matching.
Para alguns investidores só há como implementar um projeto de ALM se for criado um modelo específico para ele, por isso um dos significados de M é Modelling.
Para outros investidores só há como implementar um ALM se houver alguma forma de gestão dinâmica e cotidiana dos ativos e passivos, daí o significado Management. Um modelo de ALM não responderia de forma única e imediata o que esse investidor deveria fazer, mas ofereceria subsídios e critérios de gestão para o processo diário de alocações e captações de recursos que seriam operadas cotidianamente.
E para uma terceira classe de investidor o M pode significar Matching que representa, como significado mais fiel, a tentativa de se encontrar alocações estratégicas que aproximem o fluxo dos ativos e dos passivos para todos os eventos futuros de pagamentos e recebimentos de recursos e para as compras e vendas de ativos.

Objetivos a serem maximizados num projeto de ALM – Como cada investidor tem uma personalidade estratégica diferente com objetivos distintos a serem alcançados, cada um precisará de um modelo específico de ALM, já que a relação entre ativos e passivos a ser otimizada está intrinsecamente vinculada a esses objetivos. Para elucidar de forma clara esse conceito apresentam-se os exemplos a seguir.

Exemplo 1 Os diretores e conselheiros de um plano de um fundo de pensão, com toda a população de participantes já gozando de benefício, consideram que é estrategicamente mais confortável terem investimentos que garantam pelo menos, para todos os próximos 10 anos, a meta atuarial (IGPM+6%), com a menor probabilidade possível de, em algum ano, essa meta não ser atingida.
Nesse exemplo o modelo de ALM deveria incorporar várias sutilezas na modelagem, por exemplo: as potenciais diferenças de curto prazo que sempre se manifestam entre IGPM e IPCA (o IGPM da meta atuarial e o IPCA dos ativos indexados à inflação efetivamente disponíveis para compra). O IGPm, pela sua composição e forma de cálculo, intrinsecamente mais volátil em comparação ao IPCA.

Exemplo 2 Os diretores e conselheiros de um plano de um fundo de pensão, altamente superavitário, consideram que uma parte do superávit possa ser colocada em ativos de maior risco (supondo que não haja restrição normativa para isso) com o objetivo de procurarem uma rentabilidade maior no longo prazo. No entanto, a porção restante dos investimentos, descontando-se o superávit, deve ser alocada com a menor probabilidade possível, em qualquer instante de tempo para os próximos anos, que o valor presente dos passivos fique maior que o valor de mercado dos ativos.
No exemplo 2, o modelo de ALM não teria o mesmo objetivo a ser maximizado (função objetivo) do exemplo anterior. Neste exemplo a função objetivo a ser otimizada seria algo com: Probabilidade [VP (Passivos em cada instante t) < VP(Ativos em cada instante t)] seja a máxima possível dado as hipóteses e pressupostos adotados.
Inúmeros exemplos poderiam ser citados e analisados. Os dois acima foram escolhidos por serem extremamente distintos e didáticos. Esses exemplos não são necessariamente aderentes aos padrões estratégicos atuais das fundações de previdência complementar brasileiras.
Seguindo a velha tradição dos professores vou usar uma metáfora visual: pode-se fazer um bolo de casamento que seja o mais saboroso possível ou o mais resistente possível ao calor. Se a festa for ao ar livre num local muito quente, talvez seja salutar priorizar a resistência à temperatura em detrimento de uma porção do sabor. Projetos de ALM apresentam a mesma nuance: diferentes objetivos, diferentes modelos, diferentes sabores.
Por isso, é fundamental que os conselheiros e diretores das fundações saibam com clareza e objetividade qual é a função objetivo que o modelo de ALM adotado maximiza. Nessa função objetivo estão implícitas as perspectivas estratégicas da entidade.

Projeto ou processo de ALM – Na construção de um projeto de ALM para uma fundação de previdência complementar há uma série de hipóteses e pressupostos que precisam ser arbitrados para viabilizar a sua implementação, por exemplo: – quais classes de ativos serão considerados no projeto de ALM; – quais motivos justificam considerar um ativo e excluir outro; – quais as curvas de juros de longo prazo serão usadas; – quais níveis de volatilidade serão usadas para cada classe de ativo; – os cenários de longo prazo, se forem gerados por simulações estocásticas, serão macroeconomicamente consistentes ou não; – em quais classes de ativos de renda fixa serão calculados a valor de mercado ou serão calculados pela curva da operação (por exemplo, nos títulos de longo prazo indexados a inflação); – se todos os indexadores de inflação no longo prazo serão tratados de forma similar ou reproduzirão, nas projeções de longo prazo, as diferenças de curto prazo típicas entre os vários indexadores (prioritariamente, IGPM comum nas metas atuarias e IPCA comum nos títulos de longo prazo indexados à inflação efetivamente disponíveis na economia) e – o passivo atuarial será estocástico ou determinístico; e – várias outras hipóteses e pressupostos.
As efetivas funcionalidades estratégicas de cada hipótese e pressuposto precisam estar claros para os conselheiros e diretores, assim os resultados do modelo serão compreensíveis e aplicáveis mais facilmente.
Particularmente, pelo fato que, na maioria das vezes, uma pequena parte dos resultados dos projetos de ALM será transferida aos gestores de recursos. Esses agentes financeiros traduzirão os resultados teóricos apresentados no projeto em alocações efetivas nas carteiras das fundações.
Por isso, o título dessa sessão foi: projeto ou processo. Ao invés de pensar como um projeto de ALM é preferível pensá-lo como um processo de ALM com várias fases que articulam diferentes agentes: gestor do passivo atuarial, instituição responsável pela estimativa e projeção do passivo; instituição responsável pela parte técnica/estratégica do projeto de ALM; conselheiros e diretores da entidade e o gestor dos recursos.
Cada agente desse processo tem as suas peculiaridades e necessidades específicas para atuarem de forma producente, de tal sorte a agregar valor à entidade.
ALM : processo e gestor – Entre o início de um processo de ALM e a efetiva participação do agente final (os gestores de recursos) há uma série de eventuais desalinhamentos que podem atritar ou desgastar o processo.
Por exemplo, se no modelo considera-se ativos de longo prazo de 10 e 20 anos indexados à inflação não necessariamente no instante da efetiva alocação, por parte do gestor, esses ativos terão liquidez ou estarão disponíveis no mercado. Aliás, recorrentemente, diferentes vencimentos de longo prazo perdem liquidez por serem prioritariamente comprados para serem mantidos até o vencimento pelos investidores institucionais.
Por isso, a matriz de informação final de um projeto de ALM precisa ser flexível o suficiente para admitir combinações diferentes entre o resultado teórico apresentado no modelo e as disponibilidades reais de investimento. Muitas vezes um processo de ALM exige várias semanas, ou meses, o que pode gerar desalinhamentos entre algumas hipóteses formuladas e as disponibilidades de mercado, por exemplo nos ativos de longo prazo indexados à inflação.
Se a matriz de informação que o gestor receber contiver alguns indicadores adequados poder-se-ia demandar uma gestão mais ativa na formação das carteiras de longo prazo. Com isso os movimentos das curvas poderiam ser aproveitados convenientemente de acordo com as disponibilidades de mercado sem divergir dos anseios estratégicos da entidade. Aqui há a suposição que o gestor de recursos recebeu um mando, explícito da política de investimento, com alguma flexibilidade para montar a carteira. Para podermos exemplificar numericamente os argumentos há a tabela a seguir.
Na tabela acima, pode-se observar as taxas de juros de 3 vencimentos de NTN-B de longo prazo em 3 datas distintas: 31/1/2007, 31/1/2008 e 31/7/2008.
Contata-se que num pequeno intervalo de tempo houve variações substanciais nos cupons desses vencimentos. Da mesma forma, se colocássemos as taxas de vários outros dias veríamos movimentações que bons gestores de renda fixa poderiam aproveitar para agregar valor estratégico aos investimentos de longo prazo das entidades.
Se o gestor de recursos tivesse, por exemplo: – alguma flexibilidade, prevista na política de investimento da entidade, na gestão ativa dos títulos de longo prazo da entidade; – uma matriz adequada de informações com alguns indicadores quantitativos sintéticos que elucidassem alguns aspectos do processo de ALM, pelo menos no tocante às alocações de longo prazo; e – uma janela de tempo adequada para montar a posição Ele poderia atuar de forma mais proativa na montagem das carteiras de longo prazo.
No final de um processo de ALM se o gestor receber como matriz de informação vencimentos específicos e volumes restritos a serem comprados ele terá pouca flexibilidade para agregar valor e procurar alocações mais vantajosas ao longo do tempo. O que pode acabar forçando-o a comprar vencimentos que não julgue adequados, pelo simples fato do processo de ALM ser não interativo entre os agentes envolvidos.

Conclusão – Os desalinhamentos entre as hipóteses e pressupostos de um processo de ALM e as possibilidades efetivas de investimento que o mercado oferece podem se manifestar em outras classes de ativos adotadas, além dos títulos de longo prazo. No entanto, neste primeiro artigo, apenas esse exemplo já é suficiente para defendermos a idéia que o ALM deva ser entendido com um processo que envolve múltiplos agentes interessados no seu sucesso. No entanto, cada agente desse processo precisa de matrizes de informação diferentes e adequadamente formuladas. Em particular o gestor de recursos, que terá o papel final dessa empreitada, para que possa desempenhar suas atribuições de forma producente, precisa de uma maior clareza paramétrica dos objetivos estratégicos do ALM. Se ele receber indicações de compra para vencimentos específicos sem flexibilidades estratégicas convenientes, será muito difícil realizar boas operações de compra e venda num mercado com pouca liquidez e vencimentos vacilantes.
Alguns gestores apresentam recorrentemente grande talento na gestão de títulos de longo prazo, não usar esse potencial para agregar valor às carteiras das entidades acaba sendo um desperdício desnecessário, particularmente num cenário de planos cada vez mais maduros com necessidades crescentes de investimento em títulos indexados a inflação.
Não podemos perder de vista que no momento atual e em vários outros momentos do passado recente há e houve oportunidades de títulos de longo prazo substancialmente acima das metas atuariais. Inserir o gestor de forma mais próxima nesse processo, para alguns perfis de planos, seria salutar e agregador de valor.
Inúmeros movimentos das curvas de longo prazo não são aproveitados pelas entidades, sobretudo, pela forma como as informações estratégicas fluem entre os agentes envolvidos.

Luiz Jurandir Simões de Araújo é professor de matemática atuarial e finanças da FEA/USP.