Divergências na fartura

Edição 193

Devolução de parte do saldo para patrocinadoras é o grande ponto de
discórdia com os participantes dos fundos de pensão; assunto foi retirado
da pauta de encontro do CGPC

O ponto mais importante da pauta da última reunião do Conselho de
Gestão de Previdência Complementar (CGPC), que era a discussão sobre
a destinação do superávit das fundações, foi cancelado sob a alegação da
necessidade de maiores debates por parte do sistema. Especula-se que o
motivo do cancelamento estaria ligado a divergências em relação à
devolução de parte do excedente às patrocinadoras dos fundos. As
empresas estariam pressionando a Secretaria de Previdência
Complementar (SPC) para conquistar o direito de receber uma parcela dos
bilhões de reais que o sistema acumula de saldo atualmente, uma
hipótese que desagrada, e muito, aos participantes dos planos. Segundo
informações do secretário da SPC Ricardo Pena, em meados de abril deste
ano o sistema acumulava um superávit de R$ 76 bilhões.
Em nota oficial disponível no site do Ministério da Previdência Social, Pena
indica que a discussão foi adiada “devido à importância do tema e
também à necessidade de aprofundamento da proposta a ser analisada
pelo Conselho”. E assim, o assunto saiu da pauta da reunião de 30 de
junho do CGPC, sem data marcada para voltar. José de Souza Mendonça,
presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar (Abrapp), comenta que a chegada do novo ministro da
Previdência Social, José Pimentel, pode ter sido uma das causas do
adiamento. “Temos agora um novo ministro. Ele deve ter pedido para
olhar essa questão com mais calma”, afirma Mendonça.
“Extra-oficialmente, o que se diz é que a SPC adiou a apreciação do
assunto na tentativa de fazer uma minuta que agrade a todos, e alguns
temas se prestam a uma negociação mais demorada”, diz por sua vez
Luiz Brandão, vice-presidente da Associação dos Fundos de Pensão de
Empresas Privadas (Apep). Para José Ricardo Sasseron, presidente da
Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), o
grande ponto de divergência entre as partes envolvidas é justamente a
proposta de que seja permitida a devolução de valores do saldo para as
patrocinadoras. “Não sei se foi a discussão em torno desta questão que
provocou o adiamento, mas é um ponto que deve ter pesado na decisão”,
comenta.
Brandão assume, de fato, que a devolução de valores às patrocinadoras é
um assunto delicado. “Esse tema é alvo de muita discussão e pela
primeira vez é contemplado em uma resolução. Surge até uma questão
teórica e filosófica: o patrimônio é do fundo ou da patrocinadora?”, afirma
o vice-presidente da Apep. Sasseron tem a resposta da Anapar para a
pergunta: “nós entendemos que o superávit do plano é do plano e não
pode ser devolvido à patrocinadora”, resume. Para Brandão, no entanto,
há um argumento “bastante forte” para que isso seja permitido:
a “preocupação com a simetria”. De acordo com o raciocínio do vice-
presidente da Apep, “se o plano for deficitário, a patrocinadora é chamada
para arcar com o problema. Ela carrega o ônus de um déficit. Agora, se
acontecer o oposto, se o plano tiver um excedente grande, a
patrocinadora deve ter direito a essa devolução. É justo que isso seja
possível”.

Critérios rigorosos – Com base em apresentação preliminar das novas
regras, realizada em audiência pública sobre o assunto em maio deste
ano, Brandão indica que há uma série de exigências previstas na
resolução sobre destinação do superávit que torna a devolução de valores
às patrocinadoras um procedimento adotado em ocasiões especiais,
restritas a um número limitado de planos. Entre as condições para que
essa devolução seja permitida, segundo Brandão, estão um cálculo do
passivo com base em regras e hipóteses extremamente conservadoras; a
ausência de pendências ou confissão de dívida de parte da patrocinadora
para com o plano; a adequação de todos os ativos da entidade à
Resolução 3.456 do Conselho Monetário Nacional (CMN); e a reavaliação
dos ativos do fundo de pensão. “É preciso avaliar se são ativos sólidos,
não suscetíveis a eventualidades. O excedente tem de ter caráter perene,
não pode ser conjuntural. Isso demanda toda uma reavaliação dos ativos
do plano”, analisa.
Brandão explica ainda que a devolução às patrocinadoras só poderia
começar a ser cogitada se o excedente do plano fosse equivalente a mais
de 37,5% do passivo patrimonial. “Hoje, apenas seis ou sete planos estão
nesta condição, em um sistema que conta com mais de 1000 planos e
300 entidades”, aponta o vice-presidente da Apep. Ele acrescenta, ainda,
que mesmo com o cumprimento de todas as regras previstas na
resolução, a devolução de valores às patrocinadoras não é automática:
cada projeto deve passar por uma avaliação da SPC, para que se verifique
se estas exigências estão sendo cumpridas ou não e assim ser dado o
aval para o procedimento.
O vice-presidente da Apep conta que, mesmo diante de todas essas
precauções, ainda há dúvidas se realmente o procedimento é seguro e se
garante a preservação do plano. “Na opinião geral da Apep, a resolução
do jeito que está já garante a segurança dos planos. Talvez precise
apenas de alguns aperfeiçoamentos”, informa Brandão. Sasseron, no
entanto, é categórico: para ele, a devolução de valores às patrocinadoras
não deve ser admitida em hipótese alguma. O presidente da Anapar
afirma que “com certeza” existe uma pressão das patrocinadoras para que
essa devolução torne-se possível. “E vamos combater essa pressão”, diz.
Mas Brandão informa não ter notícia de pressão das patrocinadoras nesse
sentido. “Se houvesse uma ansiedade muito grande, isso poderia ter sido
manifestado no encontro realizado entre membros da Apep no último dia
25 de junho, e não foi”, afirma. Para ele, o que possivelmente deve
ocorrer são manifestações individuais de fundações, que levam à SPC
demandas por uma eventual flexibilização de regras. “Essas
manifestações podem ter servido de motivação, mas a iniciativa de se
discutir essa hipótese partiu da própria Secretaria”, diz Brandão.
Mendonça, da Abrapp, afirma que “se ouve falar” na pressão por parte
das empresas patrocinadoras para que haja a possibilidade de que parte
do superávit seja devolvida. “Sei disso de ouvir falar. Mas é claro que toda
empresa gostaria de receber o dinheiro de volta, assim como todo
participante assistido gostaria de ver seu benefício aumentar e todo ativo,
de ter a contribuição reduzida”, comenta. De acordo com Ricardo Pena, a
pressão por parte das patrocinadoras existe, mas chega à secretaria de
forma “pulverizada”. “E cabe à SPC equilibrar essas pressões”, afirma o
secretário.

Caso a caso – Em linhas gerais, no entendimento da Abrapp, há três
formas possíveis de destinação do superávit: redução da contribuição do
participante, redução da contribuição do patrocinador e melhoria de
benefício. Para Mendonça, essas três ações devem prever uma adoção
temporária, de forma que possam ser revistas de tempos em tempos. “A
melhoria de benefício seria feita por meio de uma espécie de abono e a
redução de contribuição deveria funcionar como um desconto. Porque, se
você aumenta benefício, não pode reduzi-lo depois, caso haja algum
problema. Por isso, para resguardar a saúde do plano, o ideal seria que
essas medidas fossem adotadas em caráter temporário”, argumenta.
Sobre a possibilidade de devolução de valores a patrocinadoras, Mendonça
afirma que “em princípio é um procedimento que não cabe, mas é preciso
olhar cada caso separadamente”. Ele explica que, quando o superávit é
fruto de excesso de contribuição apenas da parte da patrocinadora, “o que
não costuma acontecer”, é aceitável que seja cogitada essa devolução. Em
caso contrário, não. Para Mendonça, é preciso haver uma análise das
razões que originaram o superávit. “Há alguns planos de Benefício
Definido (BD) cuja regra prevê que, se o funcionário deixa a empresa tem
direito a sacar o equivalente à sua contribuição mas não pode levar o
valor da contribuição da patrocinadora. Nesses casos, como a sobra foi
gerada exclusivamente pela patrocinadora, pode até ser que seja possível
que haja uma devolução de valores, mas mesmo assim é preciso olhar
como está a saúde do plano”, alerta. Segundo ele, há uma grande
discussão em torno da destinação de parte do superávit às patrocinadoras
nestes casos de sobras nos planos BDs. “Mesmo porque, o fundo é
mutualista, e deve beneficiar a todos”, acrescenta.

Contingência – Outro ponto de divergência no âmbito da nova resolução
que trata do superávit das fundações é em relação ao percentual referente
à reserva de contingência. De acordo com Brandão, da Apep, o
entendimento de várias entidades e de empresas de atuária é de que, do
jeito que está o texto da Lei Complementar número 109, de 29 de maio
de 2001, não está claro se os 25% das reservas matemáticas são um teto
ou um piso para a formação da reserva. “Há quem diga que, antes de se
chegar aos 25% seria possível destinar parte dos recursos à reserva
especial, havendo uma maior liberdade na destinação do excedente. A
nova resolução, no entanto, esclarece que os 25% são um piso e a partir
daí é que se pode fazer a revisão do plano. É um ponto de discussão”,
indica Brandão. Para Sasseron, da Anapar, contabilizar 25% para a reserva
de contingência é uma atitude correta, que tem como objetivo a formação
de um colchão de segurança. “Antes de rever as premissas do plano, o
correto é atingir esses 25%. Esse percentual tem de ser considerado um
piso”, afirma.
Uma fonte de mercado, no entanto, indica que também neste caso há
uma pressão das patrocinadoras para que seja possível fazer uma revisão
do plano antes do excedente atingir 25% das reservas matemáticas. “Há
pressão principalmente entre os patrocinadores privados. Já ouvi um
presidente de um fundo dizendo que a patrocinadora quer ter o direito de
mexer no plano antes da formação da reserva de contingência com os
25%. Mesmo porque o texto da Lei Complementar 109 diz que deve ser
formada uma reserva de contingência até o limite de 25% das reservas
matemáticas. Esse ‘até’ indica que os 25% são um teto”, argumenta a
fonte.
Mesmo em meio a tantas discussões, a nova resolução, pelo menos da
forma que foi preliminarmente apresentada em audiência pública, traz
alguns esclarecimentos em relação à destinação da reserva especial. De
acordo com Brandão, após a formação da reserva de contingência os
recursos que ainda sobravam deveriam ficar por três anos na reserva
especial e, ao término deste período, teriam de ser obrigatoriamente
utilizados. Com a nova resolução, segundo o vice-presidente da Apep, a
revisão de planos pode ser feita voluntariamente já a partir do primeiro
ano de formação da reserva especial e continua sendo obrigatória após o
encerramento do terceiro exercício. “Pela nova resolução, está claro que a
revisão do plano ao longo destes três anos é voluntária e, após este
período, continua a ser obrigatória”, indica. Um ponto que mereceria
discussão, segundo Brandão, seria apenas a obrigatoriedade de utilização
integral da reserva especial após o período de três anos. “O complicado é
que este uso da reserva especial seja total, mesmo porque
operacionalmente é complicado saber se o uso foi total ou não. Mas eu
acredito que haverá uma flexibilização nesse sentido”, diz o executivo.

Antes do superávit – Reginaldo Camilo, vice-presidente do conselho da
Abrapp e representante das entidades no CGPC, indica que a sua
preocupação é muito mais com a causa e a perenidade do superávit do
que com o que será feito dele. “Nas conversas com a SPC, procuro tratar
dos pontos mais relevantes para mim, que são o rigor na apuração do
resultado, com consistência e segurança; a abrangência da norma, para
que seja compatível com os diversos tipos de plano que temos hoje no
modelo brasileiro de previdência complementar fechada; a perenidade das
decisões tomadas para destinação do superávit; e o ponto mais complexo
de discussão, que são as causas do superávit ou do déficit”, explica ele.
Para Camilo, a SPC tem conduzido o processo de estabelecimento da
nova regra para os resultados dos fundos de pensão de uma forma
interessante, com exposições das idéias e audiências públicas, além de
manter um diálogo com os representantes das partes envolvidas. “A
equipe do Ricardo Pena tem colhido os posicionamentos da sociedade,
várias discussões têm acontecido”, conta Camilo. Segundo ele, o tema foi
retirado da pauta da última reunião do CGPC porque seria necessário mais
tempo para aprofundamento do debate. “Seria prematuro discutir a
questão na reunião do dia 30 porque ainda é preciso haver um
amadurecimento das proposições”, resume o vice-presidente do conselho
da Abrapp.

Ações e envio de balancete foram votados
Na reunião em que ficou de fora a discussão sobre a destinação do
superávit das fundações, realizada em 30 de junho, o Conselho de Gestão
de Previdência Complementar (CGPC) decidiu dar mais prazo para envio
dos balancetes contábeis das entidades referentes a maio e aprovou
alterações nas regras sobre a precificação em mercados de ações.
Segundo nota disponível no site do Ministério da Previdência Social, o
prazo para envio dos balancetes das entidades fechadas de previdência
complementar referentes ao mês de maio de 2008 foi prorrogado por
mais 15 dias, excepcionalmente. Essa medida integra um rol de
alterações feitas pelo CGPC na Resolução nº 05, de 30 de janeiro de
2002, atendendo sugestões da Secretaria de Previdência Complementar
(SPC). O encaminhamento dos balancetes deverá ser feito para a SPC,
obrigatoriamente por meio do sistema de captação de dados disponíveis
no site do Ministério da Previdência Social. O estabelecimento do prazo de
envio dos balancetes mensais dos planos de benefícios será definido pela
Secretaria, mas para os dados referentes ao último mês de maio, o
Conselho deliberou pela prorrogação até o dia 15 deste mês de julho. O
CGPC também aprovou alterações na Resolução 05/02 no que se refere à
unificação dos critérios contábeis dos planos de benefícios operados pelas
entidades com o que já foi regulado pela Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) para os fundos de investimento. “A nova redação especifica que, no
mercado à vista, as ações serão contabilizadas considerando a cotação de
fechamento do mercado do último dia do mês em que a ação tenha sido
negociada na Bolsa de Valores”, diz a nota do site.