Mercado deve tomar o lugar do governo

Edição 176

Manoel Felix Cintra Neto – presidente da BM&F – Bolsa de
Mercadorias & Futuros

O saudoso ministro Roberto Campos dizia que a estatística é como o
biquíni. Mostra muita coisa, mas esconde o essencial. O Brasil de 2007
tem muitos números com os quais podemos nos orgulhar. A inflação é
baixa, as contas externas apresentam situação invejável. Esses números
mostram muita coisa. Mas o essencial, que é nosso potencial de
crescimento, continua escondido. Continuamos nos defrontando com a
angústia de ver o Brasil perdendo a corrida do desenvolvimento para
outros países.
O ritmo do crescimento brasileiro está longe do que gostaríamos, para
dizer o mínimo. Nos últimos dez anos, o Brasil vem crescendo a uma taxa
pouco superior a 2% ao ano. Nesse período, a China teve uma evolução
média do PIB superior a 8%. A Índia, na casa dos 6% ao ano.
O Brasil praticamente não cresce ou cresce muito pouco desde os anos
1980. A nosso ver, a grande causa estrutural desse quadro é a falência do
modelo de crescimento patrocinado pelo Estado. As finanças do governo
entraram em colapso. O governo não só não investe, como fazia até a
década de 1970, como passou a gastar os recursos dos contribuintes de
forma cada vez menos eficiente.
O governo abusou dos gastos. As despesas obrigatórias do governo
atingiram 33% do PIB. Incluindo os desembolsos com parcos
investimentos e custeio, o setor público brasileiro abocanha 40% do PIB.
Nosso governo gasta, em termos de relação com o PIB, como os europeus
e os americanos. Mas presta serviços de péssima qualidade, como todos
sabemos. Além disso, os gastos são mal realizados e se destinam em
sua maior parte ao pagamento de funcionários, aposentados e
pensionistas. De 1988 a 2004, as despesas do INSS e dos regimes
previdenciários da União triplicaram como proporção do PIB, passando de
4% para 12%. Nos Estados Unidos, por exemplo, que têm uma população
idosa muito maior do que a brasileira, os gastos são de 6% do PIB. É a
metade do que o Brasil gasta.
Para financiar essa forte elevação de despesas, o governo elevou a carga
tributária a níveis insuportáveis, onerando investimentos e empregos.
Nossa convicção é que o desenvolvimento econômico do Brasil deverá ser
conduzido pela iniciativa privada. A rigor, já tem sido assim. Como
proporção do PIB, a iniciativa privada é a maior responsável pelo
investimento no País. Mas os entraves existentes são ainda monumentais
e o principal deles é o ônus que os gastos governamentais representam
para a atividade produtiva.
O modelo econômico centrado no governo como indutor do
desenvolvimento morreu. O novo modelo será caracterizado por três
elementos básicos. Primeiro, o respeito à democracia. Segundo, a
utilização de políticas sociais direcionadas aos segmentos mais
necessitados, como o Bolsa Família. O terceiro elemento que vai
caracterizar o modelo econômico do Brasil daqui por diante é, como já
mencionamos, uma economia orientada pelo mercado, no qual os
investidores institucionais terão um papel essencial.
Teremos que conviver com o velho modelo de intervenção estatal ainda
por muito tempo. Há exemplos incríveis, como na indústria aeronáutica.
O Brasil possui uma das mais modernas indústrias de aviação do mundo,
a Embraer. Mas sua população não consegue embarcar nos aeroportos.
Vemos doentes perdendo transplantes, executivos e empresas perdendo
negócios, famílias que não conseguem viajar em férias. A ausência de
uma política clara de regulação, pelo Estado, do controle aéreo, além de
outras mazelas, transformou os aeroportos do País em um caos.
O conflito entre uma regulação saudável e independente, que vise os
interesses do Estado e da nação, e não do governo ou de um partido, é
observado também em outras agências. Há um viés político e não técnico
em questões como o meio-ambiente, a agricultura e a energia que, a
nosso ver, colocam em risco o investimento e a capacidade de crescimento
do País no futuro.
No mercado de capitais, acreditamos que a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) é um bom exemplo de avanço institucional. Autônoma,
visando o desenvolvimento do mercado, a CVM logrou obter excelentes
resultados nos últimos anos.
A indústria de fundos, por exemplo, e o segmento de investidores
institucionais crescem a todo vapor. Os temas da governança corporativa,
das boas práticas e da ética no mercado financeiro se tornaram
obrigatórios.
Uma confusão institucional entre agência reguladora, governo.
Trapalhadas de toda sorte. Volta e meia nos deparamos com nostálgicos
e sonhadores querendo fazer do passado o modelo para o presente.
Vamos ainda assistir por muito tempo o convívio do velho com o novo.
O moderno capitalismo começou a nascer no fim do século 17 na
Inglaterra. Mas conviveu com o regime declinante, o feudalismo, por dois
séculos. O capitalismo prevaleceu e se transformou na maior máquina de
geração de riqueza da história. No fim do século 18, 90% dos europeus
ocidentais eram pobres. Hoje, são apenas 10%.
É essa evolução que esperamos para o Brasil daqui por diante. Estão em
toda parte os sinais de que o novo vai vencer e de que o futuro está em
nossas mãos. As bases para a construção de um novo País estão lançadas.
Na economia, esses sinais são mais evidentes. É visível nosso talento
para empreender. Temos uma das maiores taxas de abertura de novas
firmas do mundo. Executivos e executivas brasileiros estão em postos de
evidência de empresas multinacionais.
Nossas companhias estão entre as maiores do mundo em valor de
mercado. Em 2005, o valor de mercado das 15 maiores companhias
abertas brasileiras cresceu 74%, chegando a US$ 250 bilhões, o que
colocou o Brasil na décima-quinta posição em ranking elaborado pela
Standard & Poor’s. Algumas dessas empresas, até há bem pouco, eram
estatais. Patinavam em dificuldades financeiras. Hoje, tornaram-se
gigantes globais.
A Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) se prepara para, em 2007, dar
um passo importante na consolidação de suas políticas de governança e
busca permanente de eficiência, que será sua desmutualização.
Mas, além da economia, temos muito do novo em outras facetas de
nosso País.
Na sociedade, há uma vigorosa emergência de organizações da sociedade
civil. Áreas como defesa do meio ambiente, educação e saúde passaram a
ser território de atuação de organizações não-governamentais. Antes,
eram terreno exclusivo do Estado.
Na educação, a ampliação do acesso em todos os níveis é uma realidade.
Em 1960, tínhamos 95 mil estudantes matriculados em universidades.
Hoje, temos três milhões e meio. Há muito o que se fazer em termos de
qualidade e acesso também aos menores de 7 anos de idade. Mas os
avanços são expressivos e inegáveis.
Nas áreas fiscal e monetária, criamos instituições estáveis. É a base da
estabilidade e do crescimento de qualquer economia. Temos uma Lei de
Responsabilidade Fiscal que é exemplo para todo o mundo. Logramos um
patamar em que nosso Banco Central toma decisões de forma autônoma,
sem intervenções populistas. Crises políticas, escândalos e denúncias não
trazem mais desconfiança aos mercados.
No Estado, começamos a construir instituições que antes eram meros
braços do Poder Executivo. Hoje são independentes. É o caso do Ministério
Público, do próprio Banco Central e das agências reguladoras. Aqui
também há muito por fazer, muito o que lapidar. Mas, novamente, é
inegável reconhecer o avanço institucional nessa área.
No Judiciário, há um saudável debate em torno de mais eficiência. E,
mesmo na política, que em muitos momentos tanto nos decepciona, o
País exige reformas e cobra resultados.
A agenda de reformas que necessitamos ainda é ampla e complexa. A
construção de consensos no Brasil é lenta.
Queremos reformas estruturais que promovam um choque de eficiência na
economia e completem a transição do modelo velho para o novo modelo,
baseado na iniciativa privada como motor do crescimento. Estado forte
não é sinônimo de intervenção econômica. Estado forte é aquele que
garante a estabilidade econômica, preserva os direitos de propriedade,
cumpre contratos, promove a concorrência e tem compromisso com as
regras do jogo.
A nosso ver, nos próximos anos, devemos concentrar energia na garantia
de alguns pontos que poderiam ampliar largamente a capacidade de
investimento e, portanto, o crescimento potencial da economia brasileira.
São pontos onde a formação de consensos parece mais consolidada.
Em primeiro lugar, uma agenda voltada à melhora da qualidade da
educação.
A ampliação do acesso em todos os níveis é uma realidade. Em 1960,
tínhamos 95 mil estudantes matriculados em universidades. Hoje, temos
três milhões e meio. Há muito o que se fazer em termos de qualidade e
acesso também aos menores de 7 anos de idade. Mas os avanços são
expressivos e inegáveis.
É urgente também simplificação tributária e redução dos gastos do
governo. Um segundo ponto que, acreditamos, teria grande impacto seria
votar no Congresso a autonomia formal do Banco Central. Finalmente,
deveríamos enfrentar a questão da infra-estrutura do País, dando as
condições para que o setor privado e os investidores institucionais
pudessem investir com segurança para reduzir de forma consistente nosso
atraso nessa área.