Demanda doméstica continuará em alta

Edição 176

Alfredo Setúbal – presidente da Associação Nacional dos Bancos de
Investimento (Anbid)

A manutenção de um cenário internacional amplamente favorável,
caracterizado por elevadas taxas de crescimento econômico, liquidez
abundante e baixa aversão global a risco voltou a contribuir decisivamente
para o bom desempenho econômico dos países emergentes durante o
transcorrer de 2006.
E para o Brasil, não foi diferente.
Embora o crescimento do PIB, inferior a 3%, tenha novamente ficado
abaixo das expectativas, o país encerra 2006 com saldo positivo. Não
apenas por ter atravessado sem turbulências mais um ano eleitoral, mas
principalmente pela expressiva melhora dos indicadores do setor externo
e pelo registro, pela primeira vez desde 1999, de uma taxa de inflação
sensivelmente inferior à meta central definida pelo CMN. Avanços
estruturais que certamente influenciarão positivamente a economia
brasileira em 2007.
Mas, da mesma forma que ocorreu nos últimos anos, não se pode
começar a formar um cenário para o Brasil sem antes definir parâmetros
relativos ao ambiente internacional.
Projeções recentemente divulgadas pelo FMI e pelo BIS apontam para
2007 como mais um ano de crescimento consistente e superior à média
histórica registrada nas últimas décadas. Embora alguma desaceleração
no ritmo de expansão da economia norte-americana seja considerada
praticamente inevitável, os sinais de recuperação em outros países
desenvolvidos e, principalmente, o bom desempenho das economias
emergentes – com destaque para as asiáticas – devem dar sustentação
aos preços das commodities e ao crescimento do comércio mundial,
variáveis críticas para o desempenho das exportações brasileiras.
O ciclo de aperto monetário global deverá ter continuidade. Mas, num
cenário de pressões inflacionárias relativamente controladas, a tendência
é que siga ocorrendo de maneira gradual, com implicações limitadas sobre
os mercados.
É certo que novos ciclos de volatilidade vão ocorrer. A maior parte dos
ativos de risco – commodities, ações, títulos de dívida – encontra-se hoje
em seus mais elevados patamares históricos de preços e mesmo que se
confirme o cenário benigno esperado para a economia mundial,
momentos de oscilação serão inevitáveis. Ainda mais quando se sabe que
os principais fatores de incerteza que há muito incomodam os mercados
(elevado déficit externo americano, chance de desvalorização acentuada
dos ativos imobiliários, incerteza geopolítica) ainda estão presentes.
Mas o “pano de fundo“ benigno parece ser mesmo o mais provável. E é
nele que deve se basear a formação do cenário para o Brasil.
Em 2006 a economia brasileira teve, pelo segundo ano consecutivo, uma
taxa de crescimento inferior a 3%. Sem dúvida um resultado frustrante,
em especial quando comparado ao obtido pela quase totalidade dos
países emergentes. Mas que esconde uma expressiva expansão da
demanda doméstica superior, inclusive, à registrada em 2004 (quando o
PIB cresceu 4,9% mas teve como um de seus principais condicionantes a
expansão da demanda externa).
Para 2007, o cenário de crescimento não deve ser muito diferente. Na
ausência de choques externos negativos de grande magnitude, a
tendência é que o Brasil continue a crescer em ritmo próximo ao seu
potencial, ou seja, algo entre 3 e 4% aa.
Se, por um lado, a redução expressiva da vulnerabilidade externa e a
expectativa de queda dos juros reais a seus mais baixos patamares dos
últimos anos contribuirão positivamente, a manutenção de uma elevada
carga tributária e a ausência de um ambiente favorável de negócios, em
especial quando comparado ao vigente em outros países emergentes,
ainda limitam o potencial de crescimento estrutural e fazem com que
resultados ao redor de 3,5% – minha expectativa para 2007 – devam ser
considerados bastante positivos.
As propostas de desoneração fiscal e de incentivos setoriais, sinalizadas
pelo governo com vistas à expandir o crescimento potencial da economia,
são bem-vindas. Mas uma agenda de reformas mais ambiciosa, tratando
de mudanças profundas no âmbito fiscal (inclusive previdência) e de
competitividade seria absolutamente necessária. Ainda mais considerando-
se a tradicional “sazonalidade” política brasileira, que faz com que o
primeiro ano de mandato seja praticamente o único no qual são
esperadas mudanças institucionais mais relevantes.
No âmbito cambial e monetário a tendência é de continuidade. O que é
muito bom. O cenário de contas externas permite prever que em 2007 se
repetirá a situação de sobra de divisas no mercado privado – com
conseqüente espaço para continuidade do processo de compra de reservas
por parte do Banco Central.
Os indicadores de solvência externa da economia brasileira seguem
melhorando e convergem rapidamente em direção ao registrado pelos
países emergentes classificados como grau de investimento pelas
agências internacionais de análise de risco. Nesse contexto, a despeito de
avanços apenas modestos na estrutura fiscal, parece razoável esperar que
o Brasil possa receber os dois upgrades necessários ainda durante o
transcorrer dos próximos 2 anos.
É importante notar que também no âmbito das contas externas a
contribuição positiva oferecida pelo cenário internacional é muito forte,
materializada nos preços de exportação dos produtos brasileiros, que
sustentam superávits comerciais muito elevados mesmo em um cenário
de crescimento mais forte das importações.
O cenário para a gestão da política monetária também se mostra
tranqüilo. Ainda contando com a importante contribuição da estabilidade
no mercado cambial, o Banco Central ingressa em 2007, pela primeira vez
desde 1999, numa condição em que não se faz necessário “deflacionar” a
economia brasileira. Ao contrário, depois de um IPCA apenas
marginalmente superior aos 3% em 2006 e com meta central definida em
4,5% para 2007, a autoridade monetária ainda dispõe de bom grau de
liberdade para “testar” níveis reais de juros mais baixos. Depois do corte
já acumulado de 6,5 pontos percentuais desde o início do ciclo de
flexibilização monetária, deve-se esperar por uma postura um pouco mais
conservadora por parte do Copom. Mas que não impedirá que novas
quedas – nominais e reais – da taxa Selic ocorram durante o transcorrer
de 2007.
A tendência geral para a economia brasileira, portanto, é favorável.
Poderá ser ainda intensificada caso a agenda de reformas a ser proposta
pelo governo seja mais ambiciosa e melhore as condições estruturais de
longo prazo. Em especial frente a um cenário externo “menos brilhante”
do que aquele que vigorou nos últimos anos.
Para os investimentos, o quadro para 2007 se mostra bastante
desafiador. Num cenário em que são esperadas quedas dos juros reais
para seus mais baixos patamares nas últimas décadas, a obtenção de
retornos elevados irá exigir, necessariamente, a migração para classes de
ativos com maior exposição a risco – e, por conseqüência, maior retorno
esperado.
A trajetória da economia brasileira em direção à obtenção do grau de
investimento e os excepcionais resultados obtidos pelas companhias
brasileiras mantêm o mercado acionário como uma opção interessante –
mesmo depois de 4 anos consecutivos de valorização.
Os ativos prefixados também deverão apresentar desempenho superior
ao juro básico, mas com volatilidade bem maior do que a observada nos
últimos 12 meses – quando o ciclo de queda da Selic foi contínuo e
as “surpresas” na inflação, sempre para baixo.
É importante lembrar que, da mesma forma que ocorre nos mercados
globais, também no Brasil os preços dos ativos de risco se encontram em
torno de seus patamares máximos históricos e que, como conseqüência,
ciclos de volatilidade temporária deverão ser praticamente inevitáveis.
Nesse contexto, fundos multimercados e derivativos de boa gestão
também poderão apresentar bom desempenho e devem ocupar parcela
dos portfólios de investimentos durante o transcorrer de 2007.