Remédio desagradável cura fundação Belga

Edição 1

Há dois anos, Oswald Hoste concordou voluntariamente com um corte de
50% na sua pensão

Há dois anos, Oswald Hoste concordou voluntariamente com um corte de
50% na sua pensão. Esse ato de generosidade do Dr. Hoste e de muitos
outros aposentados no plano de pensão para médicos, dentistas e
farmacêuticos na Bélgica salvou o fundo da ameaça de extinção. A
aprovação não só eliminou bilhões de francos belgas dos passivos do
fundo, como também converteu o plano de “pagamento durante a
vigência” em um veículo financiado previamente, com contas
individualizadas, informa reportagem do jornal Pension & Investment.
O resultado é que o plano reformulado fornecerá benefícios ao filho do Dr.
Hoste, Paul Hoste, e a milhares dos atuais e futuros participantes do
Voorzorgskas Geneesheren Tandartsen & Apothekers VZW, com sede em
Bruxelas. Os médicos compreendem a vasta maioria dos quase 10 mil
associados do fundo.
A despeito das previsões pessimistas dos peritos de que os aposentados
jamais concordariam com um corte em seus benefícios, os dirigentes de
fundos persistiram e obtiveram o consentimento para a mudança,
resultando em “transição notável”, declarou Koen de Ryck, diretor
executivo da Pragma NV, de Bruxelas, que aconselha o fundo de quase 10
bilhões de francos belgas (US$ 325 milhões) sobre estratégia de
investimento.
Analistas acreditam que a mudança poderá fornecer lições importantes
aos outros planos europeus do tipo “pagamento durante a vigência”. A
situação do fundo dos médicos belgas “focaliza onde estão os problemas
nos fundos de pensão na Europa”, disse Karel Stroobants, gerente geral
adjunto do fundo.
Esses planos têm sido há muito tempo valorizados na Europa porque
criam um sentimento de “solidariedade” entre gerações. A idéia é que a
geração mais jovem apoiará a mais velha, e menos abastada, na sua
aposentadoria.
O problema é que esses planos, que pagam cerca de 85% dos benefícios
de pensão na União Européia, correm o risco de quebrar a geração mais
jovem devido ao conjunto decrescente de trabalhadores que os financia.
Segundo um estudo recente pela Federação Européia para Provisão de
Aposentadoria, de Bruxelas, a proporção de aposentados relativa a
trabalhadores ativos crescerá para 59% no ano 2040, comparados com
36,2% em 1990.
Infelizmente, a situação dos médicos belgas poderá ser única. A maioria
dos planos de “pagamento durante a vigência” é administrada pelo
governo com populações diversas e conta com pouco financiamento
antecipado. O plano dos médicos belgas, em contraste, serve a uma
população homogênea, e era relativamente bem financiado, tornando a
mudança muito mais fácil.

Acordo – Para o plano dos médicos belgas, o problema de financiamento
originou-se do acordo de 1968 entre o governo e os profissionais
(médicos, dentistas e farmacêuticos) que criou o plano. Em troca da
aceitação de limites estatais para seus honorários, os participantes
receberam contribuições equivalentes para o recém-criado plano ou para
planos de seguro individuais.
Embora a participação fosse voluntária, o governo impôs uma exigência
de que pelo menos um terço dos então 12 mil médicos belgas
participasse do novo plano. Para atrair participantes mais velhos, o plano
ofereceu um incentivo especial: desde que cumprissem com pelo menos
dez anos de contribuições, poderiam reivindicar mais 20 anos de crédito
de serviço passado.
Para o Dr. Hoste, pai, que contribuiu dos 55 ao 65 anos, os créditos
retroativos proporcionaram um retorno de quase 40% anualizados sobre
seu investimento. “Ele sempre me disse que esse foi o melhor
investimento de toda a sua vida”, relembrou Dr. Paul Hoste, de 47 anos,
especialista gastrointestinal que também pertence à diretoria do fundo
médico.
O Dr. Hoste, pai, morreu no ano passado aos 85 anos, alguns meses
depois de receber uma bolada do plano. Mas essa promessa de pensão
volumosa assustou os médicos da geração do Dr. Paul Hoste e também
os mais jovens. No começo dos anos 90, os dirigentes do plano
perceberam que um aperto aconteceria no decorrer do tempo.
A Bélgica foi inundada por um crescente número de médicos jovens,
aproximadamente um para cada 200 habitantes. Enquanto isso, as
pressões sobre os custos da assistência médica mantiveram os salários
dos médicos em níveis reduzidos – tanto que muitos dos mais jovens
enfrentavam dificuldades para equilibrar suas contas pessoais.

Fora dos trilhos – A “solidariedade” criada entre as gerações por meio de
sistemas de aposentadoria de “pagamento durante a vigência”
descarrilou. Em vez de médicos endinheirados que pagam as pensões dos
idosos em dificuldades, o sistema de pensão estava transferindo dinheiro
dos médicos jovens que lutam para sobreviver para os aposentados ricos.
Falava-se muito sobre “solidariedade”, disse Stroobants. Mas “esta
solidariedade estava ficando perversa”, acrescentou.
Além disso, parecia cada vez menos provável que as gerações seguintes
de médicos participassem do sistema, levando os mais jovens a imaginar
quem pagaria suas pensões quando se aposentassem. O número de
médicos novos participantes do plano diminuiu para cerca de 250 por ano,
de uma média de 600.
Enquanto isso, as projeções financeiras mostraram que o fundo atingiria o
ápice de 78% de financiamento em 1995 – um nível extremamente
elevado para um plano de “pagamento durante a vigência”. Esse auge foi
gerado por um ingresso anterior de participantes quando a população de
médicos belgas tinha triplicado desde o início do plano.
Mas, assim como os ativos do sistema previdenciário norte-americano
deverão atingir o pico no ano 2012 devido ao crescimento da geração
do “baby boom” e depois entrar em colapso em 2023, o fundo médico
belga enfrentava a perspectiva de se exaurir no ano 2010.
As opções que se apresentaram aos curadores do fundo foram duras.
Poderiam simplesmente liquidar o fundo, o quinto maior da Bélgica. Mas
também poderiam modificar a fórmula de benefícios, adiando o inevitável
por mais algum tempo. Ou poderiam passar para um sistema
capitalizado, totalmente financiado, e, no processo, reduzir os benefícios
de pensão aos aposentados. “Foi uma mensagem difícil para transmitir à
geração mais velha”, afirmou Dr. Hoste.

Em duas línguas – Stroobants e Rose-Marie Hermosa, a gerente geral do
fundo e arquiteta do novo plano, viajaram pelo país durante dois anos.
Stroobants falou a médicos de língua flamenga e Hermosa, aos de língua
francesa, nessa terra culturalmente dividida.
Para tornar a mudança atraente para os aposentados, eles ofereceram a
opção adicional de um benefício menor em uma soma única, em vez de
anuidade. Para as gerações mais jovens, o governo aumentou em 50% a
contribuição máxima dedutível do imposto e eliminou os limites sobre
contribuições totais.
Em maio de 1994, os médicos aprovaram por maioria esmagadora a
adoção de um sistema capitalizado, que entrou em vigor em janeiro de
1995. Cerca de 90% dos aposentados do fundo concordaram com a
renúncia de benefícios ainda não recebidos. Os cerca de 100 aposentados
que votaram contra a proposta ainda recebem seus benefícios originais.
Como conseqüência, os passivos do plano declinaram de 10 bilhões (US$
325 milhões) para 8,5 bilhões de francos belgas (US$ 273 milhões),
enquanto 1.318 aposentados receberam 2,2 bilhões de francos belgas
(US$ 71 milhões) em desembolsos únicos. “Isso significa que não
teremos um fluxo de caixa negativo por 15 anos”, afirmou Hermosa.

Renovação – Sob o novo sistema, os administradores do plano calcularam
que teriam de obter uma taxa de retorno de 7,75% para fornecer o
mesmo nível de benefícios aos participantes com idade de 60 anos e
acima. Mas a legislação belga limita a garantia máxima em 4,75%.
Sem nenhum empregador por trás dos benefícios, a autoridade
regulamentadora disse que o plano precisava fornecer uma margem de
solvência de 4%. Se o fundo não conseguisse produzir rentabilidades
adequadas, o governo iria apoiar uma proporção declinante dos passivos
nos cinco primeiros anos após a conversão.
Dadas essas restrições, os dirigentes do plano perceberam que tinham de
reformar radicalmente a política de investimento para conseguir 3%
adicionais de retorno. A única opção foi aumentar vigorosamente as
posições em ações.
Em dois anos, a tarefa foi realizada. O fundo dos médicos belgas possui
agora uma composição de ativos de 60% em ações (um terço em ações
belgas, dois terços internacionais); 15% em bônus belgas; 15% em bônus
alemães e holandeses; 9% em imóveis; e 1% em dinheiro. A composição
anterior era de 75% em bônus, 20% em ações e 5% em imóveis.

Profissionalização – Os dirigentes do fundo designaram a State Street
Bank & Trust Co., de Bruxelas, como custodiante mundial. Depois, vários
administradores especializados foram nomeados. O controle de riscos e a
distribuição tática de ativos são conduzidos por uma comissão interna.
Felizmente para o fundo, sua estratégia foi adotada no momento
oportuno. Em 1995, obteve um rendimento de 18,4%, atingindo um dos
melhores desempenhos na Bélgica. Segundo a Associação Belga de
Fundos de Pensão, a média nacional foi de 11,1%.
Os retornos espetaculares permitiram ao fundo dos médicos belgas
distribuir o necessário rendimento de 7,75% às contas dos participantes e
contabilizar o restante na sua margem de solvência. Os ajustes continuam
dando resultados e o fundo está indo bem. No primeiro semestre de
1996, a lucratividade foi de 12,1%, reforçando ainda mais a solvência do
fundo para gerações futuras.