Pequenos ajustam o foco no middle market

Edição 159

Eles atuam no espaço que não interessa aos grandes players, de operações abaixo de US$ 100 milhões

Decidida a ser mais que uma boutique de investimentos e transformar-se em um banco de negócios, a Stratus alcançou seu objetivo ao agregar uma equipe de assessoria financeira ao time que já atuava em operações de venture capital e private equity. Juntando forças, as duas equipes ganham sinergia e agora buscam nichos de mercado pouco explorados pelos grandes bancos de investimentos.
Mark Abrams e Luiz Recchia, egressos do Deutsche Bank, uniram-se a Álvaro Gonçalves e Alberto Camões, os sócios originais da Stratus, e montaram uma estrutura que, além de private equity e venture capital, atua em corporate finance e fusões e aquisições. Juntos, conseguem acompanhar os setores de telecomunicações, mídia, agronegócios, manufaturas, química, farmacêutica, alimentos e varejo.
Segundo Abrams e Recchia, aos grandes players interessam apenas transações de fusões e aquisições acima de US$ 100 milhões, e isso quando essas instituições não acabam voltando-se mais ao mercado de IPOs. “Enquanto isso, há um vácuo no middle market, e é nele que estamos focando”, diz Abrams.
De acordo com Recchia, isso inclui a intermediação da operação propriamente dita, serviços de valoração (valuation), de fairness opinion (aconselhamentos que levam em conta implicações legais, em outras questões) e arbitragem entre partes jurídicas (conflitos entre acionistas majoritários versus minoritários, por exemplo). “Muitas vezes nem chegamos a fechar as operações de compra e venda: atuamos apenas como um assessor financeiro que orienta o cliente a tomar a melhor decisão estratégica”, diz o executivo.
Uma operação de middle market que contou com a intermediação do Stratus foi a venda neste ano das operações de fabricação de telhas no Brasil do grupo espanhol de materiais de construção Uralita. Os ativos foram comprados por uma família de Leme, no interior paulista, por R$ 18 milhões.
Mas e quanto às empresas de auditoria, que também estão focadas no middle market? “Elas são muito boas em valuation, em due dilligence e na estruturação da operação. Cumprem seu papel, Mas funcionam como máquinas que operam em larga escala, e portanto, não fazem análises estratégicas e prospecção de compradores e vendedores”, argumenta Abrams. “Temos espaço nesse campo”.
Em relação às oportunidades de negócios em fusões e aquisições, os dois sócios apontam os setores de açúcar e álcool e de autopeças. Ao contrário da soja, o açúcar está em alta e ainda não passou por um processo de consolidação no Brasil. Quanto a autopeças, Abrams observa que as fornecedoras no exterior estão muito pressionadas pelas montadoras norte-americanas, que vivem uma profunda crise. Assim, o Brasil surge como uma alternativa para redução de custos. “Fundos de private equity estão olhando o Brasil e devem buscar participações em fabricantes de autopeças daqui”, diz Abrams.

Alta atual é consequência do represamento anterior
A recuperação no mercado de fusões e aquisições é tendência ou apenas uma reacomodação passageira? Até quando pode durar? Há controvérsias.
Para especialistas como Rubens Cavalieri, do Unibanco, Venilton Tadini, do Fator, e Mark Abrams, do Stratus, ainda não se pode afirmar com segurança que este movimento é duradouro. “A atividade aumentou porque estava represada durante os últimos anos”, diz Abrams. De fato, a economia brasileira sofreu uma série de revezes: em 2001, a crise energética e os atentados de 11 de setembro; em 2002 a tensão pré-eleitoral que acometeu o mercado financeiro no Brasil e levou o dólar a quase R$ 4; e em 2003, recessão. Tudo isso influenciado negativamente pela retração econômica norte-americana.
No ano passado, a economia mundial alavancada pela China voltou a se expandir e alimentou as exportações brasileiras, fazendo com que a economia nacional crescesse com riscos inflacionários controlados. Existe uma alta correlação entre a previsão de crescimento econômico (e a conseqüente valorização das ações na Bolsa) e o mercado de fusões e aquisições, pois, em tese, alguém só compra um ativo quando acredita que ele irá se valorizar. Mas, além das incertezas quanto à sustentação do crescimento brasileiro ao longo do tempo, há outras variáveis em jogo.
“O que me assusta hoje é a possibilidade de alta das taxas de juros norte-americanas, o que é capaz de afetar negativamente tanto o capital de curto prazo como o de longo prazo”, diz Abrams.
Já Tadini mostra preocupação com a valorização do real, porque é capaz de inibir a entrada de investidores estrangeiros. “O custo de bens em moeda estrangeira pode ficar muito caro para eles. Com a atual cotação, os investidores de segmentos que merecem uma análise de risco mais ortodoxa não entrariam no Brasil”, diz.
E Cavalieri é cético: “Não vejo a retomada da forma que se alardeia. Tirando operações pontuais, como as da AmBev, da Embratel e do grupo Zogbi (no final de 2003), não existe essa tendência de alta. Além disso, no ano que vem tem eleição e isso pára tudo. O único movimento que vejo bem delineado é o de empresas brasileiras de grande porte, exportadoras, comprando ativos fora do Brasil”, diz. No início do ano, por exemplo, o Unibanco assessorou a Embraer na compra da Ogma – Indústria Aeronáutica de Portugal.
O que existe, na visão de Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP e ex- presidente da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transacionais e da Globalização Econômica) é “a fome com a vontade de comer”. Ou seja, uma pressão compradora estrangeira, alimentada pela farta liquidez internacional, e uma pressão vendedora nacional, alimentada por juros altos, tributação elevada, um mercado de capitais ainda incapaz de atender a demanda de crédito de longo prazo e empresas com problemas sucessórios.
Enquanto essas condições durarem, o Brasil continuará ostentando o posto de segundo maior recebedor de investimentos estrangeiros diretos (IED) entre os países emergentes, perdendo apenas para a China, no acumulado dos últimos oito anos. No ano passado, o IED no Brasil foi de US$ 18,2 bilhões (dos quais US$ 5 bilhões relativos à operação da AmBev).
Uma pesquisa realizada pela Deloitte mostra que 42% das empresas norte-americanas pretende investir na América do Sul até o ano de 2007. Segundo Antonio Caggiano Filho, sócio da Deloitte, os investidores internacionais já perceberam que a China não é aquele Eldorado, pois tem uma série de riscos institucionais. A febre de apostar no Leste Europeu também já passou e quem ficou “esquecido no mundo” foi a América Latina.
Resta saber se os riscos macroeconômicos mundial como os déficits americanos, o dólar em queda e o petróleo em alta não vão estancar a atual liquidez e prejudicar a entrada de capital em países emergentes como o Brasil. “Ao contrário, uma das formas de o capital de longo prazo se proteger contras tempestades é diversificar os investimentos em um leque de países”, diz Caggiano.
Winston Fritsch, sócio-sênior da Rio Bravo Investimentos, há fatores de fundo macro e microeconômico para sustentar a tendência de recuperação das fusões e aquisições no Brasil.
As causas macro, diz ele, estão associadas à tendência de queda nas taxas de juros e ao cenário de estabilidade promovida pela política econômica. Isto estaria inclusive imune à mudança de presidente da República em 2008. “A política de juros hoje é uma política de Estado”, diz. “Embora haja tendência de rever crescimento econômico mundial para baixo, o Brasil, porque fez o ajuste interno, é menos dependente das oscilações mundiais que no passado”, diz.
Entre as causas micro, Fritsch cita um potencial de privatizações que ainda não se esgotou e a consolidação de alguns setores, como os de varejo e o financeiro. Até os privatizados passarão por acomodações e mudanças de donos, como em telecomunicações e em energia elétrica. Em telecom, por exemplo, estima-se uma corrida entre Brasil Telecom, Claro e Vivo para a compra da Telemig. E entre os setores que resta privatizar, estão estradas, gás, água e saneamento.