Edição 343
O interesse dos fundos de pensão pelos investimentos no exterior, que cresceu à medida que os ganhos cambiais reforçaram a rentabilidade obtida nas bolsas americanas em 2020 e 2021, chega a 2022 diante de uma virada nos cenários local e internacional. A necessidade de continuar a diversificar e montar carteiras com correlação negativa que consigam diversificar riscos e capturar ganhos a longo prazo em quase todas as geografias, setores e teses segue presente nos estudos técnicos e nas políticas de investimento. Mas agora ela precisa ser confrontada com o alto teor de instabilidade econômica e geopolítica dos mercados globais e com o crescente temor de uma possível correção drástica nos preços dos ativos, além da atratividade do juro pago pelos títulos públicos federais no mercado doméstico.
A Vivest, que investe no exterior desde 2013/2014 e obteve em 2021 rentabilidade de quase 27% nessa carteira, aliás a única modalidade de investimento que entregou retorno acima de sua meta atuarial no ano passado, decidiu reduzir sua exposição ao risco global e o volume de recursos aplicado em fundos internacionais encolheu de R$ 4,3 bilhões para perto R$ 1,3 bilhão, um corte de R$ 3 bilhões feito basicamente nas suas aplicações de renda variável. Do total investido, 86% ou R$ 3,7 bilhões estavam em fundos de renda variável e apenas R$ 600 milhões alocados em renda fixa.
Depois do corte, feito na primeira quinzena de janeiro, restaram R$ 700 milhões em renda variável e quase a totalidade da alocação em renda fixa. “Saiu muito pouca coisa da renda fixa porque são fundos multimercados (hedge funds e outros) e renda fixa tradicional, de gestão ativa focada nos EUA e com hedge cambial. Como o corte foi muito grande, precisou ser feito por igual nos seis fundos investidos, informa Jorge Simino, diretor de investimentos.
A maior parte dos investimentos estava no limite legal de 10% dos ativos totais da fundação, que somam R$ 35 bilhões, mas a carteira passava um pouco desse percentual porque há ainda alocação em BDRs de ETFs, que são classificados fora da caixinha de exterior mas que também entraram no corte. O movimento foi comunicado no início de janeiro ao conselho deliberativo da fundação. “Explicamos que os cenários estavam mudando muito e alertamos para movimentações na nossa carteira devido à sinalização do Fed (Banco Central dos EUA) de alta nos juros e da continuidade da inflação lá fora, entre outros aspectos”, conta.
O exterior sempre garantiu rentabilidade positiva à carteira da entidade, salvo no ano de 2016, mas o que interessa no curto prazo agora é ter dinheiro em caixa para aproveitar o juro real elevado no Brasil e fugir das incertezas internacionais. Os recursos saíram de uma classe com volatilidade de 20% e foram para títulos públicos, com volatilidade de 0,1% e rentabilidade da ordem de 11% ao ano. “Considerando uma Selic de 11% a 12% e inflação com desempenho mais benigno, teremos juro real próximo de 6% este ano com volatilidade quase zero no mercado local, o que é uma das grandes diferenças do biênio 2022/2023 em relação a 2020/2021, quando o juro real era negativo na ponta curta e o câmbio era favorável ao exterior”, sublinha.
A tendência mudou e exige agora uma alocação mais defensiva, menos estimulada a tomar riscos, mas Simino lembra que a venda de ativos no exterior foi um movimento de curto prazo, cuja duração poderá ser de apenas seis meses a um ano ou pouco mais, até que os sinais fiquem mais claros tanto no ambiente doméstico quanto no internacional. “O principal desafio de qualquer gestor hoje é interpretar o processo de normalização da política monetária nos EUA, que deverá trazer alta do juro e o início da redução da compra de ativos (tapering) pelo Fed já no começo de março. Finalmente, é preciso considerar a possibilidade de ajuste no balanço do banco central americano, o que poderá trazer a consequente venda de títulos públicos federais”, avisa Simino.
Em dezembro do ano passado o balanço do Fed começou a ser discutido e as evidências preocupam. “São U$ 9 trilhões hoje porque em meados de 2020 ele comprou a “bagatela” de US$ 3 trilhões em títulos federais, subindo o volume total de R$ 2 trilhões para R$ 5,5 trilhões. Se resolverem sair do mercado, deixando de ser um comprador voraz para passar a vender, para onde irão as taxas dos papéis do Tesouro americano?”, questiona o diretor da Vivest.
Também não se pode ignorar que o desempenho extraordinário da bolsa americana – em seis anos de 2015 a 2021 o S&P 500 teve alta superior a 132% – se deu em meio a um oceano de liquidez e a perspectiva agora é de contração dessa liquidez tanto em magnitude quanto em velocidade.