Mudanças à vista | CVM prepara audiência pública para atualizar i...

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) prevê a abertura durante o segundo semestre de 2018 de uma audiência pública para atualizar a Instrução n º 356, de 2001, que versa sobre os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs).
“No momento, as áreas de supervisão e de normas da CVM estão discutindo o que deve ser alterado e quais melhorias podem ser feitas”, diz o gerente de acompanhamento de fundos estruturados da CVM, Bruno Gomes. “Ainda estamos, contudo, em um estágio embrionário das discussões relativas a esse tema”.
O especialista destaca que um dos objetivos da CVM com o trabalho é unificar as Instruções 356 e 444, que tratam dos FIDCs e dos FIDCs NP, respectivamente, em uma única norma. “Entendemos, no entanto, que não há muito espaço para alterações quanto ao conceito do FIDC NP de modo a atrair maior interesse por parte dos investidores. Acredito que a eventual falta de apetite de alguns investidores pelos FIDCs NP se deve mais aos riscos relacionados ao produto do que por questões regulatórias”, afirma Bruno Gomes.
O gerente da autarquia nota que, pelo fato de a ICVM 356 ser de 2001, ela necessita passar por um processo de modernização para estar mais aderente à atual realidade do mercado. “A Instrução 356 está muito pautada na existência do lastro físico, e talvez exista algum espaço para trabalharmos em uma redação que dê maior atenção ao lastro eletrônico, que vemos cada vez mais presente na indústria”, pontua o especialista. Ele acrescenta que deve constar na nova instrução uma clareza maior sobre a periodicidade da prestação das informações, como foi feito recentemente com os FIPs, e também quanto à responsabilidade de gestores, administradores e custodiantes dos fundos de direito creditório.

Responsabilidade – “Hoje a ICVM 356 quase não trata do papel e responsabilidade do gestor do fundo”, afirma o presidente do comitê de FIDCs da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Ricardo Mizukawa. Segundo ele, por ter sido redigida em 2001, quando o mercado brasileiro era formado predominantemente por FIDCs de gestão passiva e fundos mono cedente/mono sacado, que não exigem grande atuação do gestor, a ICVM 356 nunca precisou se preocupar muito em clarificar as responsabilidades dos agentes envolvidos. “Hoje existem vários gestores ativos de FIDCs multicedentes/multisacados, onde a figura do gestor é central na estrutura do fundo. Por isso entendemos que um maior detalhamento da função do gestor é necessário”.
O executivo ressalta que uma das vantagens dos FIDCs é ter diversos prestadores de serviços que observam sua estrutura e podem alertar caso ocorra algum problema. “Mas quando não há uma definição clara do papel de cada um é problemático, já que um dos prestadores pode achar que o outro está fazendo determinado controle e no final ninguém faz”.
Mizukawa destaca que o código de autorregulação da associação, a ser implementado a partir de 2019, já traz uma distinção mais clara dos papéis dos prestadores de serviços dos FIDCs. “A ideia é que o código da Anbima sirva como referência para fazer as alterações na segregação das funções na nova instrução”.
Outra mudança trazida no código da associação, que deve constar entre as sugestões da audiência pública, é a exigência de um material informativo padronizado consolidando todas as informações relevantes dos FIDCs, como já ocorre com os FIIs e FIPs; e uma clareza maior em eventuais situações de conflito de interesse. “Entendemos que o administrador precisa divulgar aos investidores situações em que o gestor ou o consultor de crédito detêm cotas subordinadas do fundo”.

Varejo – O presidente do comitê de FIDCs da Anbima aponta ainda que, entre as sugestões que a associação deve enviar à audiência pública, está a de permitir que investidores não qualificados possam participar de determinadas estruturas de FIDCs já experimentadas pelo mercado e que tenham demonstrado serem seguras.
Ele nota que no mercado de fundos imobiliários, que também faz parte do segmento de estruturados mas no qual os investidores não qualificados tem permissão para atuar, existem cerca de 357 mil cotistas contra apenas 15 mil no de FIDCs. “A permissão para a entrada de investidores não qualificados do varejo aumentaria consideravelmente a liquidez do mercado”, prevê Mizukawa. Ele ressalta que essa é uma demanda da Anbima que já vem sendo discutida junto com o órgão regulador há cerca de um ano.
Como a audiência pública deve ser aberta ao longo do segundo semestre, com a posterior análise por parte do órgão regulador das propostas enviadas pelo mercado, o executivo, que também é diretor da Bradesco Asset Management – Bram, acredita que a nova instrução estará pronta apenas no final do primeiro semestre de 2019.

Originação – Já o sócio-diretor responsável pelo jurídico e compliance da Empírica Investimentos, Aquiles Feldman, acha que a ICVM 356 deveria buscar uma definição mais clara do conceito de originação de direitos creditórios. “A falta de uma clara definição em relação ao conceito de originação gera divergências de interpretação, que podem prejudicar uma boa estrutura do fundo”, afirma Feldman. No entendimento de Feldman, a originação não é feita por aquele que está prospectando o titular de um crédito, mas pelo próprio titular do crédito. “Esse, no entanto, não é um entendimento equânime no mercado, com alguns agentes defendendo que o originador é aquele que prospecta o crédito”.
Outro ponto citado por Feldman se refere à colocação das cotas subordinadas júnior dos FIDCs, que pela instrução atual precisa ser realizada por meio de oferta pública. Para ele, a colocação deveria ser feita de forma privada. “Em geral essas cotas são detidas por partes interessadas na estrutura da operação, como o cedente, o gestor ou o consultor, e não faz sentido fazer uma oferta pública para essa classe de cotas”. Segundo o especialista, “o momento é oportuno para se estabelecer uma posição objetiva e clara sobre o tratamento a ser dado à essas cotas, seja para fins de colocação ou de negociação no mercado secundário, e mesmo para a definição dos cotistas habilitados a fazerem a aquisição”.
O prazo de 30 dias para realização de ofertas públicas de cotas de FIDCs abertos também é criticado pelo diretor da Empírica. “Entendemos que é muito curto, pelo perfil de liquidez dos direitos creditórios do fundo”, diz Feldman, que defende um prazo superior a 180 dias. “Todos esses são obstáculos com os quais nos deparamos no dia a dia, que precisamos enfrentar, e que se fossem mais claros poderiam ajudar bastante todos os envolvidos”.