Diversificação melhora o risco | Fundações como Previ, Valia, For...

Edição 343

A decisão de diversificar o portfólio alocando uma parte dele no exterior é uma decisão estrutural e não pode sofrer a interferência de movimentos de curto prazo. É com essa estratégia que algumas grandes fundações estão pisando no acelerador dos investimentos internacionais, apesar de algumas nuvens turbulentas no cenário global. “Temos paulatinamente aumentado o orçamento para exterior porque não é pertinente que o investidor institucional olhe para essa alternativa com óculos de curto prazo. Lá fora e aqui há um movimento de alta de juros e de inflação, e isso é importante como pano de fundo, mas não pode interferir com a nossa decisão”, diz Marcelo Otávio Wagner, diretor de investimentos.
Ele observa que o mercado bursátil brasileiro, ainda que seja desenvolvido, tem baixa profundidade porque os ativos são muito concentrados e não representam uma proxy do PIB brasileiro, o que torna a diversificação internacional um complemento relevante para a carteira de renda variável local da entidade. “A tendência de ir para o exterior faz parte do desenvolvimento natural de qualquer mercado previdenciário à medida que ele cresça em relação ao PIB do país, isso não tem volta”, acredita.
Tanto é que a entidade decidiu ampliar o percentual aplicado por seu plano Previ Futuro no exterior. O portfolio, que já aloca R$ 300 milhões ou 1,24% de seus ativos totais em fundos exclusivos globais, deve fazer em fevereiro uma nova tranche, no valor de R$ 200 milhões. A alocação será feita 100% nesse plano, que é de acumulação, e olha para o longo prazo. “O câmbio, com a valorização do real frente ao dólar nas últimas semanas, pesou bastante na decisão de fazer isso agora. Esse foi um dos critérios que definiram a janela de entrada para a nova tranche”, explica.
A Previ tem ainda investimentos internacionais de R$ 1,5 bilhão do Plano 1, que representam 0,7% dos ativos desse plano. A tendência é de que gradualmente os investimentos globais do Previ Futuro superem os do Plano 1 porque ele ainda está em plena fase de formação de poupança previdenciária e demanda maior oportunidade de diversificação.
A carteira internacional da entidade é essencialmente de renda variável, com apenas um pequeno volume na renda fixa, uma vez que o objetivo é justamente complementar a parcela de bolsa local. Ao todo há 13 fundos exclusivos de 11 gestores e a entrada da nova tranche será aproveitada pela Previ para fazer um rebalanceamento entre eles. “As estratégias e os gestores são selecionados entre os globais com forte histórico, acompanhamos e monitoramos esse investimento fazendo aumentos que são sempre graduais, além de rever e rebalancear periodicamente a alocação, a cada trimestre”, diz . No mais recente desses ajustes, a decisão foi por reduzir um pouco a alocação em Ásia e aumentar a parcela de EUA, mas sempre em movimentos marginais, “sem viés oportunístico”, enfatiza Wagner.
O monitoramento dos gestores e estratégias baseia-se numa avaliação de como se comportaram no ano passado frente ao impacto dos movimentos do Fed para elevar o juro nos EUA. “Nos últimos meses os preços têm sido mais impactados e alguns dos gestores já reduziram, por exemplo, sua exposição às empresas de tecnologia, o que ajudou nos resultados dos fundos”, conta. A carteira global da entidade, cujas estratégias acessam mais de 850 empresas ao redor do mundo, também impõe como critério mandatório e eliminatório a robustez dos processos relativos a fatores de sustentabilidade dos investimentos.
A opção da Previ foi por mandatos sem hedge cambial porque os estudos de otimização, fronteira eficiente e de desempenho indicam que o ideal é não ter hedge para que a carteira possa ser beneficiada pela descorrelação entre bolsa local e câmbio. Até porque, lembra Wagner, o real não é uma moeda conversível, o que recomenda ter exposição em moedas que sejam conversíveis. “A diversificação de riscos é mais importante do que o retorno de curto prazo porque ela contribui para dar estabilidade ao portfólio total. Em 2021, o exterior foi positivo e o resultado da renda variável local foi negativo; este ano, até agora, tem sido o inverso. É a combinação de ambos que assegura a necessária correlação negativa e dá maior estabilidade”, destaca.

A Forluz, que vêm aumentando sua posição no exterior desde que começou a fazer esse tipo de alocação, há três anos, elevou de 0,5% para 2,97% a fatia do patrimônio do seu plano A (BD) alocada lá fora, enquanto no plano B (CD/CV), o percentual subiu de 0,49% para 3,60% nesse período. Em 2021, o alvo da política de investimentos era ter 1,8% do plano A e 1,9% do plano B investidos no exterior, respeitando uma alocação máxima de 5%, mas a fundação acabou fechando o ano acima disso. “Os resultados obtidos ao longo do tempo mostraram o acerto da decisão de aumentar gradualmente a alocação, até por conta dos efeitos que a descorrelação produziu nas carteiras”, explica Emílio Cáfaro, diretor de investimentos e controles.
No ano passado, a rentabilidade da parcela internacional foi de 19,27% no plano A, contra um atuarial de 16,33% e, no plano B o retorno foi de 18,99% contra atuarial de 15,89%. No acumulado de dois anos, o retorno do Plano A foi de 46,18% para um atuarial de 28,89%, enquanto no plano B o retorno foi de 46,76% contra atuarial de 27,55%.
Para 2022, a política prevê alvos de alocação de 3,60% nos dois planos mas, considerando que os percentuais já estão muito próximos disso e que dois terços da carteira total estão aplicados em títulos públicos marcados na curva e imunizados, a fundação estuda o que fazer. “Vamos acompanhar durante o ano a volatilidade dos mercados e a variação do câmbio mas sem movimentos bruscos ou grandes alterações na parcela de exterior”, detalha Cáfaro.
A carteira de exterior da Forluz está 75% exposta às variações cambiais e 25% hedgeada e o máximo de alocação no exterior permitido este ano é de 6% dos ativos. O investimento é feito por meio de fundos de carteira própria e um FoF exclusivo, não busca investimentos temáticos específicos mas sim estratégias globais. A alocação está 52% em fundos de ações e o restante dividido entre renda fixa e multimercados com e sem hedge.
“Temos discutido com os gestores o cenário externo mas tudo está muito volátil e a única certeza é de que o ano todo continuará com elevada volatilidade, seja pela ação do Fed, pela ômicron, pelos efeitos da inflação e do conflito na Europa com a Ucrânia, enfim, não há como prever o que acontecerá lá fora”, diz. Olhando para a carteira local, entretanto, e levando em conta o cenário interno também incerto, a conclusão é de que a exposição a diferentes moedas poderá ajudar.

Para a estratégia da Valia, as mudanças de cenários por enquanto não afetam o curso já traçado para os investimentos internacionais. A alocação mantém o foco no longo prazo, o que significa aproveitar o efeito da diversificação nas carteiras dos planos, sem fazer hedge cambial, explica Maurício Wanderley, diretor de investimentos. “Para nós nada mudou, os targets serão mantidos e acreditamos que essa será uma alternativa cada vez mais lugar-comum nas carteiras de todos os investidores. Diversificar no exterior é saudável e, no nosso caso, tem contribuído de maneira interessante com os resultados”, diz.
Em 2021, o retorno consolidado dessa classe para a fundação foi de 31%. Apesar disso, ele reconhece que não há muito espaço para ampliar agora a fatia de exterior diante da situação de incerteza que se configura nos mercados globais. “Trabalhamos sem hedge cambial e manteremos isso, ainda que o real se aprecie porque o juro lá fora vai aumentar e não se sabe quais as forças que irão prevalecer nos mercados”, afirma.
A volatilidade elevada no exterior tem sido contrabalançada pelo juro alto de curto prazo no Brasil, explica Wanderley. “Temos usado o caixa para comprar NTN-B e intensificar a política de hedge, esse movimento permitiu inclusive imunizar alguns planos menores. Então, manter a parcela de exterior continua fazendo sentido porque as compras de NTN-Bs têm sido feitas com os recursos deslocados de renda variável e da renda fixa”, diz
Com R$ 27,303 bilhões em ativos totais, a Valia tem 2,03% alocados no exterior, exclusivamente em fundos de ETFs (fundos de índices). Mas o percentual varia de acordo com os planos e os perfis de investimento. O plano de Benefício Definido, o maior deles, com R$ 12 bilhões de patrimônio, não tem nada investido no exterior. Já o plano Vale Mais, com R$ 3 bilhões de patrimônio, mantém 8,04% alocados lá fora. No modelo de planos ciclo de vida esse percentual atingiu 10% dos recursos e, nos perfis de investimentos, a parcela de exterior varia entre 5% e 9% dos ativos.
A opção da entidade continua voltada apenas à gestão passiva em ETFs, cujo benchmark é o MSCI World. A intenção é manter a mesma estratégia, explica
Wanderley. “Temos discutido a possibilidade de alocar também em BDRs de ETFs, mas ainda não há uma decisão”, informa.

Com R$ 7,1 bilhões de patrimônio e investindo há dois anos no exterior, a Centrus decidiu no ano passado fazer uma alteração relevante nessa estratégia com a migração dos recursos aplicados em ETFs para fundos exclusivos, os primeiros deles criados já em dezembro. A primeira etapa desse movimento alocou R$ 200 milhões, ou metade do total que a entidade mantém investido em exterior, enquanto a outra metade será completada numa segunda fase, explica Túlio Maciel, diretor de aplicações. Todos os planos de benefícios administrados pela Centrus têm acesso aos novos fundos exclusivos.
O processo de seleção de gestores havia sido iniciado em 2020 mas foi interrompido em função da pandemia e retomado em 2021. Foram escolhidos quatro gestores para os novos fundos, dois deles já investidos– Schroders e MSquare – e dois que ficaram como “cadastro de reserva” para a próxima etapa.
Nesses dois anos a alocação em ETF no exterior foi bastante benéfica em termos de retorno. Em 2021 a rentabilidade dessa carteira foi de cerca de 38%, com pequenas variações entre os planos administrados, enquanto o benchmark calculado pelo índice S&P 500 em reais (sem hedge cambial) foi de 38,21%. “Enquanto bolsa e juros domésticos se desvalorizavam, a parcela no exterior se valorizou significativamente. Não só pelo efeito cambial, mas, principalmente, pelo bom desempenho das bolsas americanas”, conta.
Apesar da performance positiva, a decisão de migrar para fundos exclusivos – a exemplo do que já havia sido feito pela fundação no segmento estruturado – foi tomada em função das oportunidades de alocação, uma vez que os ETFs tinham grande concentração em renda variável americana. “Nossas análises mostraram que era possível obter, por meio da diversificação, além de ganhos no perfil de risco-retorno também redução de volatilidade, menor dependência da economia americana e maior proteção em eventos de cauda”, diz Maciel.
Segundo ele, o arcabouço de fundos de fundos dá maior flexibilidade ao gestor fazer alocação estratégica em diferentes mercados e classes de ativos, com ajustes pontuais de acordo com a conjuntura de mercado. Ele lamenta não ter sido possível aportar nos fundos exclusivos com as cotas de ETFs. “Tivemos, de fato, que vender os ETFs para depois fazer os aportes nos fundos. Uma grande vantagem dos ETF, neste caso, é que como o índice subjacente (S&P 500) tem bastante liquidez, foi possível realizar um volume expressivo de transações sem pressionar a sua cotação”, explica.
Nos planos CD da fundação a alocação em exterior já está muito próxima do limite regulatório de 10%, mas nos planos BD essa participação é bem menor uma vez que são carteiras já maduras, cujos ativos são majoritariamente títulos públicos. Nesses casos, o exterior tem o objetivo de compensar as flutuações da parcela de ativos marcada a mercado.
O cenário internacional aponta para um período mais incerto, analisa Maciel, e exigirá muita observação dos ciclos nas diversas economias. Mas ele lembra que o objetivo é manter carteiras eficientes e equilibradas, capazes de atingir seus objetivos em termos de risco e retorno na maior parte dos cenários.

Limite de 10% da carteira é insuficiente
Os dados estatísticos relativos à carteira consolidada de entidades fechadas de previdência complementar associadas à Abrapp revelam que em outubro de 2021 os seus investimentos no exterior representavam 1,5% dos ativos totais. Em janeiro do ano passado, quando essa classe começou a ser divulgada no consolidado estatístico da associação, o percentual era de 0,7%. Considerando apenas as cerca de 100 associadas que já faziam aplicações no exterior em outubro, a média era equivalente a 4,8% dos seus ativos de investimento, ainda distante do limite legal máximo permitido pela Resolução CMN 4.661, que estabelece o teto de 10%.
Mas tem crescido o número de fundos de pensão que estão muito próximos desse limite e o debate sobre uma eventual ampliação segue na pauta de reivindicações da Abrapp, afirma o seu diretor presidente, Luís Ricardo Marcondes Martins. As conversas mantidas com esse objetivo envolvem vários interlocutores, incluindo a Previc, a Secretaria de Política Econômica, a Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar e também no âmbito da iniciativa do mercado de capitais (IMK) criada pelo Ministério da Economia. “A nossa expectativa é de que o tema seja discutido e aprovado pelo Conselho Monetário Nacional ainda no primeiro semestre deste ano”, observa.
Martins avalia que nos fundos de pensão de maior porte há espaço para percentuais maiores de alocação no exterior, até porque os retornos têm sido favoráveis nos últimos anos. “Essa é uma tendência em todo o mundo globalizado porque é uma alternativa importante e está em consonância com as necessidades do sistema de previdência complementar. O nome do jogo é diversificar e monitorar o risco/retorno desses investimentos”, afirma.
A flexibilização do limite imposto pela Resolução CMN 4.661 é uma pauta recorrente e está no radar da Previc, que monitora esse debate, segundo explica Marcelo Otávio Wagner, diretor de investimentos da Previ e secretário executivo da comissão técnica de investimentos da Abrapp. “Nos últimos meses as discussões regulatórias têm sido menos frequentes mas é preciso lembrar que o assunto depende também da dinâmica da pauta do Conselho Monetário Nacional, uma agenda que os reguladores do setor não dominam.