Edição 343
As taxas pagas pela renda fixa doméstica, que atendem às necessidades atuariais dos fundos de pensão, aliada à apreciação do real este ano, podem frear a velocidade das novas decisões de alocar no exterior, avalia Paulo Manzione, gerente de soluções de atacado e institucionais da BB DTVM. “Temos percebido que alguns desses investidores resolveram postergar a decisão de ir para o exterior. Aqueles que já fazem esse tipo de investimento, porém, não estão saindo mas olham para a conjuntura lá fora e alguns deles já procuram ir para classes mais conservadoras, para estratégias de valor e não de crescimento, em posições mais defensivas”, diz.
Ele observa que essas fundações têm feito apenas ajustes em seu estilo e a ampla maioria não busca fazer hedge cambial, apesar do cenário complicado, porque isso traria ineficiência para a alocação.
Em 2021, a captação da casa em fundos de exterior cresceu pelo menos entre 30% e 40% e o patrimônio atingiu R$ 8,7 bilhões sob gestão. Há 17 veículos de investimento aderentes à Resolução CMN 4.661 e a captação cresceu bastante nos feeders de prateleira. “O câmbio ajudou e o juro baixo levou as entidades a diversificar mais, então os investidores colocaram o tema do exterior em suas políticas de investimento em 2020”, lembra. No segmento de fundos exclusivos, muitas EFPCs grandes sinalizam ou já têm processos em andamento para montar funds of funds (Fofs) de exterior, mas nesse segundo caso a velocidade de crescimento é menor porque o processo de seleção é feito por meio de concorrências. A gestora, diz Manzione, tem participado de todas elas. “Nos fundos exclusivos, atualmente, temos pouco mais de R$ 1 bilhão em investimentos feitos para fundações de médio e grande porte, mas a expectativa é de aumentar esse volume em 2022”, afirma.
As teses de investimento adotadas pela BB DTVM são diversificadas mas no ano passado deram maior destaque às economias centrais (Europa e EUA), afastando os portfolios da China ou da Ásia. Há tanto estratégias de crescimento quanto de valor, que são mais estáveis, mas a escolha depende do estilo de cada fundação. Em 2022 há apelo para que as estratégias conservadoras ganhem mais espaço. A ampla maioria dos 17 fundos é de renda variável, só há um multimercado puro e quatro fundos de renda fixa, com ou sem hedge.
“No segundo semestre do ano passado lançamos um fundo carimbado de renda variável global ESG, com a Nordea, que aloca em cases de empresas disruptivas, mas ainda é cedo e deve demorar um pouco para ganhar tração”, explica. A casa também trabalha para preencher alguns gaps em sua prateleira de multimercados e para complementar nichos de renda variável no exterior e está preparando um novo feeder.
O ano de 2022 será mais volátil do que os últimos anos, mas é preciso lembrar que uma queda da bolsa americana de seus máximos não é exatamente o fim do mundo, enfatiza Ignacio Pedrosa, chefe de distribuição de terceiros do BTG Pactual, área que é 98% voltada para produtos internacionais. A casa tem atualmente R$ 2 bilhões em fundos de exterior no Brasil, sendo que desse volume R$ 1 bilhão foi captado em 2022. “Para o investidor, é importante contar com uma gama ampla de opções internacionais que vão além dos fundos de equities, embora nessa classe já haja uma forte diversificação com várias geografias além de EUA, China, Ásia e Europa”, diz Pedrosa.
Neste momento, entretanto, é importante ir também para a renda fixa e fundos multiativos ou de retorno absoluto porque são hedgeados em real e a médio prazo vão bater o CDI, além de aproveitar o carry elevado do real. Segundo Pedrosa, o apetite dos fundos de pensão brasileiros pelos FoFs globais tem se mantido alto, e a casa tem oferecido o serviço de alocação externa nesses fundos de fundos. Entre as parcerias já estabelecidas com players internacionais estão a T.Rowe Price e a Invesco, dois pesos-pesados globais em multi ativos.
Para as EFPC brasileiras, essas parcerias trazem um benefício adicional porque podem transferir know-how para as fundações sobre como usar o asset alocation global. “Esse é um aspecto chave porque 88% do retorno internacional vem daí e não da seleção de gestores”, afirma. A casa criou também um fundo multiativos com a T.Rowe Price que pode ser com ou sem hedge cambial para as entidades de menor porte ou para os RPPS que tenham poucos recursos para alocar”, afirma. Quanto ao hedge cambial das posições, ele observa que a proteção tem sido mais requisitada pelos investidores de wealth e family offices, enquanto apenas 20% das EFPC estão interessadas nisso.
Independente do cenário, ter alguma alocação no exterior continua importante para os fundos de pensão, como um fator de diversificação de risco e uma visão estrutural de longo prazo, diz Carolina da Leva, responsável pela área de relações institucionais da MSquare Investimentos. O ano passado começou positivo na demanda das fundações por exterior até porque em 2020 isso fez muita diferença na rentabilidade e quem não estava nesse mercado acabou deixando dinheiro na mesa. No final de 2021, porém, como as entidades estavam revendo suas políticas e a trajetória da Selic era de forte alta, houve uma desaceleração nessa demanda. “Vimos isso no final do ano passado, mas agora em janeiro a situação já foi revertida e as fundações voltaram a procurar essa alternativa”, diz.
A casa ganhou dois mandatos de EFPCs em 2021, um para investir em ações lá fora e o outro é um portfólio diversificado criado para uma entidade que passou a composição de sua carteira local à gestora e pediu que a estratégia externa fosse montada a partir daí, com o objetivo de diversificar entre classes e fatores de riscos. Uma arquitetura que é considerada ideal porque facilita o caminho para encontrar a melhor combinação entre as carteiras local e internacional. A MSquare tem atualmente quatro fundos exclusivos e quatro fundos condominiais voltados à EFPCs, todos utilizando o modelo de Fund of funds (FoFs).
O mais antigo dos fundos da casa é condominial, só investe em ações, segue estratégia long only e tem patrimônio de R$ 330 milhões. Já o condominial multimercado tem R$ 41 milhões. “Muitos desses investidores começam pequenos e vão crescendo até nos pedirem fundos exclusivos customizados”, conta. A MSquare não oferece estratégias com hedge cambial porque considera que no longo prazo isso não faz sentido, ele acaba se tornando um hedge da carteira total.
Com AUM total de R$ 14 bilhões, o foco da gestora está na construção de portfolios globais e, embora o segmento dos fundos de pensão esteja crescendo e já esteja próximo de atingir R$ 1 bilhão, o grosso do volume ainda está nos investimentos de famílias (single family offices ou não), que somam R$ 13 bilhões sob gestão. Uma das preocupações é com a flexibilização das regras para investimento das EFPC no exterior. “As regras da Resolução CMN 4.661 estão sendo discutidas e estamos na expectativa de um aumento do limite de 10% mas, além disso, é preciso avançar para rever outras frentes, como a exigência de um mínimo de US$ 5 bilhões sob gestão para os gestores dos fundos, o que limita o universo de estratégias high yeld disponíveis”, pontua.
O ano de 2022 será mais ilustrativo da importância da diversificação geográfica para os investimentos. “Apesar de ter sido classificado de modo segregado pela Previc, o exterior tem que ser compreendido como fator de diversificação em todas as classes de ativos, com ou sem hedge”, analisa Pedro de Biase, sócio da Itajubá Investimentos. Em ano de muita volatilidade, isso tende a ajudar na construção de carteiras mais robustas. As fundações que já estão perto do limite legal de 10% começam a olhar para as classes de ativos de modo integrado às carteiras locais, enxergando a renda variável como uma coisa só, por exemplo. Fica mais difícil fazer esse controle nos multimercados, por conta do dinamismo da carteira, mas em renda variável e renda fixa é importante ter essa visão conjunta, mais gerencial. “Isso ajuda a melhorar a relação risco/retorno como um todo”, avalia.“É natural que o exterior tenha sido tratado até agora como uma caixinha separada mas a tendência é de que as fundações escolham cada vez mais produtos com mandatos melhor definidos, de acordo com as necessidades de suas carteiras locais”, aponta o sócio Leonardo Camozzato. A casa, que distribui produtos dentro de uma gama variada de estratégias no exterior, vê a exposição à Ásia como parte fundamental dos portfolios no momento, assim como ao setor de tecnologia, apesar de muitas empresas do setor terem sofrido em 2021. Tecnologia, Ásia e sustentabilidade são as tendências mais fortes este ano.
A grade de fundos distribuídos já inclui Ásia em fundos de equities e em 2022 deve avançar para acrescentar renda fixa, conta Camozzato.”Em tecnologia, os gestores dos fundos têm ajustado as carteiras para ir além das gigantes e têm diversificado em biotecnologia e saúde/health care, por exemplo, e também no tema da sustentabilidade com papéis de empresas ligadas à eficiência energética, que começam a ganhar posições mais importantes”, explica.
Em 2021 a Itajubá lançou um mandato all weather da Bridgewater para investimentos sustentáveis. Há ainda dez outros feeders montados, com gestores que incluem ainda Oaktree, Man e Acadian. Alguns deles já nasceram estruturados para atender demandas mais específicas e a variedade dessa oferta é a aposta da casa para crescer rapidamente. “Conseguimos montar um feeder em 30 dias, de acordo com as demandas específicas do investidor, até porque verticalizamos nosso braço operacional com a Gama Investimentos”, diz Camozzato.
Reits oscilam com os jurosDepois de terem registrado um dos melhores retornos de sua história em 2021, com mais de 40% de alta e superando o índice S&P, os Reits (Real Estate Investment Trusts) sofreram em janeiro deste ano um forte movimento de sell-off nos mercados, atrelado à alta do juro nos EUA. O índice FTSE Nareit All Equity REITs, que subiu 41,3% no ano passado, amargou só no mês de janeiro uma baixa de 7,93%, o que atingiu quase todos os tipos de propriedades incluídas nas carteiras. A única exceção foram os Reits ligados ao setor de health care, que conseguiram fechar com um ganho de 0,19% no mês.
Apesar disso, o segmento continua com potencial positivo como alternativa de diversificação dos portfolios para o investidor brasileiro, avalia Daniel Malheiros, sócio e gestor de investimentos internacionais da RBR Asset, especializada em ativos imobiliários. “Este ano tivemos que rebalancear nossas posições diante das incertezas sobre juros e inflação nos EUA mas essa é uma classe que protege contra a inflação, está atrelada ao crescimento da economia americana e funciona como um amortecedor de impacto”, diz. Alguns desses fundos conseguem inclusive retornos superiores à variação da inflação, em especial no caso dos contratos de aluguel residencial nos EUA.
A correção de preços gerou oportunidades e agora caberá aos gestores identificar os setores mais baratos, saindo do segmento de imóveis ligados ao consumo para valorizar o de serviços. Os hotéis, por exemplo, que estavam com preços comprimidos, devem recuperar resultados. O segredo é fazer uma rotação de portfólio para buscar os melhores cases e as melhores estruturas de capital, diz Malheiros.
A casa, que mantém dois veículos desse tipo, um deles de acesso direto aos Reits e outro que investe nesses ativos por meio da alocação em BDRs, pretende ampliar sua grade de produtos no mercado imobiliário internacional e trazer um novo fundo, o multimercado RBR Global. Em 2021, o FIC FIA da asset, que completou seu primeiro ano em dezembro, entregou retorno de 61,33% contra 49,9% do índice MSCI US REITs. A carteira aloca 80% em BDRs (Brazilian Depositary Receipts) e 20% diretamente nos ativos listados nos EUA.
O fundo dá mais peso aos papéis do setor de imóveis residenciais (casas pré-fabricadas, predinhos e multi-family), que somam 30% do total, seguidos por torres de celulares e data centers, que ocupam 15% da carteira, e depois vêm os galpões logísticos, varejo (malls e street centers, menos ligados ao e-commerce), galpões de logística, hospitais e saúde/health care. A carteira tem 14 empresas, faz gestão ativa e os imóveis estão espalhados por todos os EUA e também em outros países.
“O juro vai impactar negativamente o setor mas há alguns caminhos para agregar valor e a relação demanda/oferta nos EUA está bem balanceada porque os novos projetos foram atrasados pela pandemia”, aposta Malheiros. Outro fator relevante está na inflação da construção civil naquele país, que pesa mais sobre a oferta de novos ativos imobiliários. Para os fundos de pensão, a alocação em Reits funciona hoje como complemento das carteiras de ações internacionais, observa.