Edição 196
A crise e a gestão dos ativos previdenciários
No artigo anterior, do número de agosto de 2008, discutiu-se conceitualmente alguns aspectos estruturais de um ALM, particularmente a necessidade de haver uma postura mais ativa dos gestores no aproveitamento dos movimentos das curvas de juros de longo prazo. No cenário atual, crise mundial quase tão grave quanto a crise de 1929, essa discussão de faz mais presente e vital. Por isso este artigo retoma o assunto e acrescenta alguns elementos novos que poderão ser usados em algumas discussões estratégicas. Obviamente, sujeitas e críticas e discordâncias.
Idosos solitários – Trabalhar durante décadas acumulando algum patrimônio para que se tenha um acréscimo à aposentadoria oficial não é um esforço trivial: décadas de dedicação e sacrifício na expectativa de conquistar momentos de tranqüilidade, segurança e contemplação.
Particularmente num momento da vida que a necessidade de medicamentos e tratamentos terapêuticos aumenta muito e, recorrentemente, com a inflação médica superior à inflação cotidiana.
As famílias estão cada vez menores, com poucos filhos e netos, o que coloca os aposentados por si mesmos na gestão das suas necessidades cotidianas, inclusive com a necessidade de contratação de profissionais para realizarem pequenas tarefas básicas: trocar uma cortina, consertar um telhado. Tarefas que antes poderiam ser auxiliadas pelos filhos, hoje inexistentes. A tendência demográfica de idosos solitários é um fato nacional e internacional inexorável. Fato que deve estar no nosso planejamento estratégico povoando nossas preocupações e cuidados.
Nesse contexto, custos altos e solidão, um aposentado pode assimilar na sua vida uma política 80/20 (80% em renda fixa e 20% em renda variável) ? – Essa política de investimento poderia gerar, na crise atual, uma flutuação de aproximadamente 10% no saldo total disponível.
Supondo que a bolsa retorne aos 73 mil pontos em alguns anos e conjecturando-se que periodicamente caia 20% a cada 5 anos, continuar 80/20 geraria uma perda substancial no seu poder de compra e, conseqüentemente, no seu bem estar, conforto e segurança. Num momento da vida que não há espaço para perturbações deletérias.
O que os aposentados priorizam? – Aqui cabe algumas indagações aos profissionais que atuam direta ou indiretamente na gestão das fundações: O que os aposentados priorizam? Rentabilidade? Garantia de benefícios mensais sem flutuações e proteção inflacionária? Algum outro objetivo? Qual? Ajustaram a política de investimento em função dessas respostas? Se a resposta for: benefícios com pequenas flutuações e ajustes inflacionários periódicos, os aposentados deveriam ter seu patrimônio investido prioritariamente em títulos indexados à inflação, com algumas alocações táticas que garantissem a liquidez de curto e médio prazo, ambas com baixa volatilidade. Para tanto, retomando o artigo anterior, os gestores deveriam ter mais informações das projeções mensais de pagamento de benefícios para que pudessem alocar em títulos com liquidez adequada, protegendo o restante em títulos indexados à inflação.
Particularmente agora que os títulos indexados à inflação apresentam rentabilidades muito superiores à meta atuarial máxima de 5% (vide tabela a seguir).
Mais aposentados no sistema e novas estruturas de investimento – Dia a dia, após algumas décadas de acumulação, inúmeras fundações de previdência complementar têm mais aposentados que, em vários casos, possuem políticas de investimento 80/20 ou até 75/25. Não seria o momento de construirmos estruturas de investimentos mais adequadas aos aposentados sem punir os ativos que podem ter alocações mais ousadas? Com essas estruturas poder-se-ia montar políticas de investimentos mais ousadas para os ativos e mais conservadoras aos aposentados.
Cada vida, suas circunstâncias e necessidades. Por isso, para cada vida, estruturas adequadas de investimento. Afinal, uma estrutura de investimento nada mais é que uma tecnologia ajustável às necessidades, tal qual qualquer objeto concebido pela criatividade humana.
Há inúmeras soluções técnicas possíveis que exigiriam alguns ajustes pontuais e regulamentares, particularmente para as fundações pequenas com poucos aposentados. Obviamente, haveria alguma tramitação regulamentar a ser discutida com os reguladores, mas a complexidade do tema é suficientemente pequena e o benefício social de longo prazo substancial.
A crise e as curvas de longo prazo – Enfatizando o mesmo assunto do artigo anterior, a curva de juros de longo prazo dos títulos indexados à inflação tem mostrado rentabilidades substancialmente superiores às metas atuariais (vide tabela a seguir como exemplo). Por isso, para as políticas de investimento de 2009, caberia discutir com os gestores se seria salutar e estrategicamente adequado incluir nas políticas a possibilidade de ajustes nas posições de longo prazo aproveitando as oportunidades que as movimentações que a ou as crises oferecem. Há crise agora e haverá no futuro. Menores ou maiores, mas haverá.
As crises, fatos recorrentes e partes integrantes da dinâmica econômica, são momentos árduos em vários sentidos, mas também são momentos que oferecem novas oportunidades e potencialidades. Por isso, permitir alocações periódicas dos títulos longos, para alguns perfis de investimento, pode ser um componente estratégico salutar para algumas fundações. Se o gestor tiver mais informações sobre o fluxo de benefícios a serem pagos no curto, médio e longo prazo essas alocações serão mais consistentes com os objetivos estratégicos das entidades.
Esforço de comunicação e educação financeira – A crise que estamos vivenciando não é trivial e, provavelmente, o mundo não sairá dela rapidamente. Nas situações de grande tensão e emergência a disciplina é fundamental, aliás sempre fundamental para investidores de longo prazo.
Por isso, seria salutar um esforço de comunicação para que os participantes ajam de forma disciplinada e coerente. Há e haverá momentos de grandes desvalorizações dos ativos, particularmente, numa economia emergente ainda não totalmente consolidada, que sofre no momento uma crise gestada no coração do sistema financeiro mundial.
Estamos vivenciando de certa forma um AVC (acidente vascular cerebral) que deixará alguns músculos da economia mundial descordenados durante algum tempo. Após um processo terapêutico intenso e mundial, os movimentos vão retomar a normalidade, lentamente.
Se todos os investidores, particularmente o governo, agirem com serenidade e visão de longo prazo, sairemos desse momento árduo melhores do que entramos. Há uma frase clássica, sabiamente formulada: “quando a água baixa, nota-se quem está nadando nu”.
A economia brasileira não está vestida de terno, mas também não está nua. Por isso, se os investidores, particularmente os participantes, gestores e líderes do sistema previdenciário, tiverem disciplina e serenidade, provavelmente, após algum tempo de maturação, alguma tranqüilidade será conquistada e os valores dos ativos retornarão a níveis mais adequados. Pode demorar, mas provavelmente retornarão.
Enquanto isso não ocorrer, os participantes que podem e almejam sacar recursos se puderem adiar, pelo menos uma boa parte do montante, seria uma disciplina salutar. Se eles entenderem que há institutos (por exemplo, auto-patrocínio ou BPD) que podem ser usados estrategicamente de acordo com as suas necessidades e coerentes com o momento atual de crise, seria uma prática que disciplinaria e protegeria a poupança previdenciária deles.
Separação dos investimentos por perfil de risco – Há, provavelmente, ativos com valores efetivamente abaixo dos fundamentos de longo prazo.
Se os investimentos de várias fundações estivessem separados por perfis distintos (aposentados, jovens ativos e etc) cada perfil poderia aproveitar essa crise de acordo com as suas peculiaridades. Os investidores que só se aposentarão em 20 anos poderiam aproveitar as pechinchas e os participantes perto da aposentadoria poderiam aproveitar as curvas de longo prazo muito acima das metas atuariais.
A extinção dos dinossauros, provavelmente foi a maior crise que o planeta teve nos últimos 100 milhões de anos, ela viabilizou o desenvolvimento dos mamíferos. Toda crise pode ser boa ou ruim, depende da atitude, firmeza e coerência dos gestores devidamente posicionados.
Elas são momentos de reordenamentos e reflexões. Poderíamos aproveitar a atual para aprimorarmos certos aspectos dos investimentos previdenciários. Infelizmente só alguns temas foram colocados acima. Há muitos outros que o espaço não permite. Se puderem enviar-me emails com críticas ou discordâncias serão bem vindas. Não hesitem. Um bom debate é prazeroso e produtivo.
Luiz Jurandir Simões de Araújo é professor de matemática atuarial e finanças da FEA/USP