Edição 263
A proximidade das eleições acirrou a disputa e aqueceu o debate – ou troca de farpas – entre os principais candidatos, Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB). Nenhum dos três, contudo, tem em seu programa propostas concretas para a previdência, um tema bastante polêmico e geralmente inibidor de votos. Quando a questão é brevemente pincelada nos programas de governo, cadastrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ela surge em apenas um de seus pilares, o regime geral.
Procurados, por meio de suas assessorias de comunicação, nenhum dos três candidatos aceitou responder perguntas mais detalhadas sobre previdência, enviadas pela redação da Investidor Institucional. Economistas que compõem a equipe responsável pela elaboração dos programas de governo dos candidatos também foram procurados pela redação, mas não quiseram emitir opiniões. As perguntas procuravam esclarecer quais, afinal, seriam as propostas para o segmento em seus três pilares: a previdência social, a complementar fechada e a complementar aberta, visto que os programas de governo apresentados pelos candidatos não abordam o assunto com uma mínima precisão.
O ministério da Previdência Social do país apresenta o maior orçamento entre as 25 pastas do governo federal, somando gastos de R$ 401,5 bilhões este ano. O valor é quatro vezes maior que o segundo orçamento ministerial, a pasta da Saúde (R$ 107 bilhões). É o dobro do montante transferido aos estados e municípios todos os anos pela União (cerca de R$ 230 bilhões).
Não obstante, os gastos públicos com previdência vêm crescendo vertiginosamente a cada ano – e em um ritmo bastante superior aos gastos totais da União. No acumulados dos últimos dez anos, o orçamento da Previdência Social quadruplicou (em 2004, o valor era de R$ 133,5 bilhões). Já o orçamento da União cresceu apenas 70% no mesmo período, passando de R$ 1,5 trilhão para R$ 2,5 trilhões.
No que diz respeito à capacidade de pagamento dos benefícios, a Previdência Social acumula um déficit de R$ 23,4 bilhões, segundo informações da pasta, referentes ao primeiro semestre de 2014. Os regimes próprios de previdência também apresentam problemas de solvência (veja mais na página 37).
Do lado da previdência complementar, a indústria de fundos de pensão administra atualmente cerca de R$ 650 bilhões em patrimônio, segundo o último balanço da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), divulgado no primeiro semestre deste ano. Já o volume de ativos sob gestão dos planos de previdência complementar aberta atingiu mais de R$ 370 bilhões no ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional de Previdência Privada (Fenaprevi).
O tema previdência, portanto, é indiscutivelmente relevante para o debate presidencial, seja do ponto de vista dos recursos que ele movimenta a cada ano, seja pelo alcance de suas políticas, visto que este é um assunto que mexe com o futuro dos 200 milhões de brasileiros, independentemente das classes sociais às quais pertencem.
Sem propostas – Nos programas de governo dos três candidatos, cadastrados no TSE, a questão da previdência é abordada apenas em referência ao regime geral, e mesmo assim de forma bastante superficial. Na única vez que a palavra “previdência” aparece no programa da atual presidente do país, Dilma Rousseff, ela vem para adjetivar o programa Microempreendedor Individual (MEI). “Hoje já são 4,16 milhões de brasileiras e brasileiros no MEI que trabalham por conta própria formalizados e protegidos pela Previdência”, cita o programa de Dilma.
Já no programa de Aécio Neves, o capítulo sobre previdência aborda o déficit do sistema como conseqüência estrutural do modelo atual. “A geração economicamente ativa financia os benefícios da geração que já se retirou do mercado. O foco é a melhoria do equilíbrio atuarial das contas do regime geral de previdência social”, descreve o candidato em seu programa. Como solução para o problema, contudo, o candidato se limita a defender a melhoria do nível de atividade do país. “O primeiro enfrentamento do déficit da previdência se dará pelo incremento sustentado da atividade econômica. A volta do crescimento com base na atividade do setor privado será importante fator para minorar o avanço do déficit da previdência social, pois provocará o crescimento da receita mais que proporcional ao da despesa”, destaca.
Também fazem parte do capítulo de previdência a defesa da “introdução de ações que visem a diminuição da informalidade da economia. Desta forma, novos contribuintes entrarão no sistema e aumentarão a receita de contribuições previdenciárias, permitindo uma significativa melhora no financiamento das despesas”. O candidato propõe, ainda, a criação de um cadastro único no combate às fraudes na concessão de benefícios, a adoção de medidas para apoiar a redução da rotatividade e o aumento da especialização da mão-de-obra, e a “melhoria permanente” dos serviços prestados aos beneficiários.
No programa de Marina Silva, as propostas para previdência passam por uma reforma tributária, com desoneração da folha de pagamentos para fomentar o número de trabalhadores formais do país. Segundo o documento, “o sistema previdenciário brasileiro carece de reformas que assegurem sustentabilidade atuarial e equidade entre contribuintes e beneficiários. Algumas dessas injustiças e inadequações referem-se às regras de aposentadoria do regime geral”.
A candidata utiliza o termo “reforma do sistema previdenciário”, defendendo a elaboração de novas regras para o segmento, incluindo um novo cálculo para o fator previdenciário. Sem detalhar qual seria o modelo ideal de previdência, o programa “compromete-se a inaugurar um debate sereno e profundo” para promover o equilíbrio das contas do sistema.
Sugestões do setor
A Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) está elaborando um documento com propostas para o setor, que deverá ser enviado aos candidatos à presidência da república nas próximas semanas. A instituição pretende debater as principais demandas dos fundos de pensão com os candidatos antes do término das eleições.
Entre as prioridades estão a desburocratização da abertura de planos e a criação de incentivos fiscais, estimulando o ingresso de novos beneficiários ao sistema.
A pauta já vem sendo debatida dentro do ministério na atual gestão. Segundo José Edson da Cunha Junior, secretário-adjunto da Secretaria de Políticas de Previdência Complementar (SPPC), o Conselho Nacional de Previdência Complementa (CNPC) abraçou algumas reivindicações de longa data da Abrapp, como a mudança das regras tributárias dos planos.
“Estamos estudando uma espécie de modelo VGBL para as fundações. A ideia é ter um desenho semelhante, em que o participante seja tributado só no rendimento. Isso é bom para quem declara imposto no modelo simplificado e também para quem quer contribuir mais que o mínimo de 12%”, afirma. O CNPC também se mostrou a favor da postergação da escolha pela tabela progressiva ou regressiva pelo participante. “A meta é postergar a opção para o momento do resgate do benefício”, complementa.
As alterações tributárias só seriam possíveis por meio de projeto de lei. Entretanto, Cunha Junior adianta que o CNPC já foi procurado por deputados interessados em levar a discussão ao Congresso. Por conta das eleições, contudo, esse assunto deve ser tratado apenas no próximo governo.
O CNPC também se mostrou favorável a autorização de resgate parcial do benefício, segundo Cunha Junior. “Hoje o participante só pode resgatar tudo o que foi investido. Isso tem tirado muita gente do sistema, pois, uma vez que o resgate total é feito, o dinheiro nunca mais volta para um fundo de previdência. E se o motivo da retirada for realmente uma emergência, o saque vai acontecer de qualquer jeito”, diz. “Não se trata de abrir a porteira, mas de dar o incentivo da liquidez aos participantes”, pondera.
Outro assunto defendido no âmbito do ministério é a permissão de compartilhamento do risco de longevidade com seguradoras. Atualmente, só é possível terceirizar risco em caso de morte e invalidez em planos de contribuição definida. “O assunto será debatido na próxima reunião do CNPC, em 30 de setembro”.
Ambas as propostas seriam introduzidas no sistema por meio de resolução. Somente a medida de mudança tributária demandaria análise do Congresso, por meio de projeto de lei.