Edição 257
O sistema de fundos de pensão está se organizando para criar uma estrutura de autorregulação nos moldes que a Anbima realiza para o mercado de capitais e fundos de investimentos. Em fase ainda de discussões, o projeto promete ganhar corpo a partir de um grupo constituído pelo Sindapp (Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Complementar). “Vamos formar uma comissão para avançar com a proposta de autorregulação do mercado de fundos de pensão”, diz Nélia Campos Pozzi, presidente do Sindapp.
A ideia é criar uma estrutura profissionalizada a ser mantida pelo sistema Abrapp, que inclui o Sindapp (sindicato patronal) e o ICSS (instituto de certificação), que possa atuar como contraponto da atividade de fiscalização da Previc – Superintendência Nacional de Previdência Complementar. “O objetivo é criar uma estrutura que faça o contraponto em relação à atuação dos órgãos estatais”, explica José Luiz Taborda Rauen, diretor-presidente da Fundação Sanepar (Fusan) e diretor do Sindapp. Rauen é um dos dirigentes mais envolvidos com o avanço do projeto.
Como a nova diretoria do Sindapp tomou posse no final de janeiro, com a realização de apenas uma reunião oficial, o projeto de autorregulação ainda não começou de fato. “Faz parte do planejamento estratégico da nova gestão, mas devemos começar a trabalhar de fato na autorregulação a partir do próximo mês de maio”, diz Rauen. Não há um prazo definido para a implantação da estrutura de autorregulação, porém, a expectativa é que esteja em pleno funcionamento ainda dentro do mandato da atual gestão, que vai até 2016.
“Não é um projeto para se implantar de um dia para o outro. É preciso preparar todo o sistema previamente, para evitar qualquer passo em falso”, defende Nélia Campos Pozzi. A presidente do Sindapp acredita que a autorregulação deve ser estabelecida desde um trabalho de base com as fundações, desde a criação de códigos de conduta para cada entidade. Em todo caso, a dirigente acredita que o sistema de fundos de pensão já atingiu um grau de maturidade suficiente para caminhar no sentido da autorregulação. “Temos condições de avançar na direção da autorregulação e não queremos desperdiçar essa oportunidade”, diz.
Preocupação com a Previc – Os novos representantes do sistema demonstram apreensão em relação ao aumento do papel fiscalizatório da Previc. A presidente do Sindapp defende que haja uma revisão do papel do guia de melhores práticas da Previc. “Não achamos adequado que os códigos ou guias de melhores práticas tenham papel regulador, como o que vem acontecendo com a Previc”, diz Nélia Campos. Ela defende que os códigos de conduta e ética tenham um papel norteador para incentivar as melhores práticas dentro do sistema. A questão é que os dirigentes de fundos de pensão não estão de acordo a que os código de melhores práticas venham de cima para baixo, como o que vem ocorrendo com o guia elaborado pela Previc.
O diretor do Sindapp, Taborda Rauen também acentua a crítica da atuação da Previc. “Uma das funções da autorregulação será socorrer as entidades que tenham problemas com a fiscalização. Não queremos fazer defesa de irregularidades, mas da forma como está hoje, os dirigentes de fundos de pensão se sentem desprotegidos”, diz Rauen. Questionado sobre o papel da câmara de recursos, que tem a função de defender os dirigentes, ele não acha que sua atuação é suficiente. “Precisamos de outro âmbito, que pode servir muitas vezes até de enfrentamento em relação a Previc, embora o objetivo de todos seja o aprimoramento do sistema”, diz o diretor do Sindapp.
Rauen defende a implantação de um modelo semelhante ao da indústria de fundos de investimentos, onde a regulação cabe à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a autorregulação fica por conta da Anbima. O dirigente explica ainda que a autorregulação é uma tendência mundial de diversos mercados, não apenas do setor financeiro. “Temos dois cases de sucesso no qual nos espelhamos, um deles é o da Anbima e o outro, do Conar”, diz Rauen. O Conar é um conselho que atua na autorregulação do mercado de publicidade.
Outro problema que pode ser solucionado, ou pelo menos amenizado, é a do processo de consultas ao órgão fiscalizador. “Muitas vezes realizamos uma consulta à Previc e não temos resposta, ou ela demora muito tempo. Acredito que a autorregulação pode dar uma nova dinâmica para o mercado de fundos de pensão e também de gestão de recursos”, diz Rauen. Ele aponta a lentidão da Previc como uma das causas para a falta de crescimento do sistema.
Estrutura profissionalizada – Para o funcionamento do sistema de autorregulação, a ideia é criar uma estrutura profissionalizada. Será necessária a formação de uma equipe com pelo menos um atuário, um contador e um advogado, além de um corpo executivo. “Não será suficiente continuar com a dedicação voluntária de um grupo de dirigentes de fundos de pensão. Será preciso formar uma equipe com dedicação integral”, prevê Rauen. Ele adianta que o desenho dessa estrutura ainda não está definida e depende dos trabalhos da comissão que será formada para tocar o projeto.
Além da equipe profissionalizada, haverá um conselho de dirigentes, neste caso, com dedicação voluntária, que atuará em sintonia com os profissionais. O conselho terá a função de discutir e aprovar os guias e códigos de melhores práticas, junto com os dirigentes dos fundos de pensão e demais atores que atuam no sistema fechado.
Em casos de irregularidades por parte dos fundos de pensão, o sistema de autorregulação também deve ter atuação presente, segundo Rauen. “Não podemos ser corporativistas, se tiver algo errado, também deveremos analisar e se for o caso, encaminhar denúncia para os órgãos fiscalizadores”, diz o diretor do Sindapp.
Quanto ao orçamento para manutenção dessa estrutura de autorregulação, ainda não há uma definição de onde virão os recursos. Em uma visão prévia, Rauen acredita que o atual orçamento do sistema Abrapp tem condições de dar conta da sustentação da nova estrutura. “Será necessário realizar alguma realocação no atual orçamento do sistema Abrapp. Caso não seja suficiente, iremos pensar na cobrança de uma taxa específica, mas ainda não sentamos para fazer as contas”, explica Rauen.
Um dos passos iniciais será estreitar a relação com a Anbima para conhecer melhor o sistema de autorregulação dos gestores. Devem ser marcadas reuniões com a superintendência da Anbima para conversar sobre o assunto.
Anbima – O início da autorregulação do sistema de fundos e do mercado de capitais remonta para o final da década de 90. Especificamente no ano de 1998, um grupo atuante na antiga Anbid (Associação Nacional de Bancos de Investimentos) decide iniciar o projeto de autorregulação para o mercado de capitais. Era um momento logo após a estabilização da economia, em que havia uma necessidade de revitalizar o setor de abertura de ofertas públicas de ações. “Decidimos começar a autorregulação pelo mercado de capitais, que era o setor que precisava de maior impulso”, lembra Marcelo Giufrida, diretor-presidente da Garde Asset Management, e ex-presidente da Anbima.
O executivo explica que a indústria de fundos de investimentos começou um pouco mais tarde, a partir do ano 2000, com o processo de autorregulação, apesar de ter maior desenvolvimento que o mercado de capitais. “Fomos criando os diversos códigos de autorregulação que deram origem ao sistema que temos atualmente na Anbima”, explica Giufrida. Depois da criação dos códigos, veio um segundo conceito importante, que foi o de certificação de profissionais. Um dos marcos da autorregulação da Anbima foi o ingresso na Iosco (Organização Internacional das Comissões de Valores) a partir de 2005. A entidade congrega as associações que trabalham com a autorregulação dos mercados financeiros.
Ele explica também que o órgão regulador, a CVM, apoiou a autorregulação desde o início, mas que houve um período antes do reconhecimento legal. “A CVM esperou alguns anos antes de reconhecer formalmente a autorregulação do sistema. O reconhecimento veio de forma gradual até que a partir de 2008, houve uma integração entre os processos da Anbima e da CVM”, conta Giufrida. É um processo que deve ocorrer também com a estrutura de autorregulação das fundações. “É importante que os fundos de pensão possam se organizar no sentido de autorregular o dia a dia do mercado, através de uma estrutura gerida pelos próprios profissionais do sistema”, defende Giufrida.
Atualmente, a autorregulação é um dos pilares principais da Anbima. Uma das provas da importância desse pilar é que o atual superintendente da associação, José Carlos Doherty, era o responsável pelo comitê de autorregulação da associação, antes de ser nomeado para o cargo.