Edição 204
As normas que regem os investimentos das entidades fechadas de previdência complementar estão sendo revisitadas e ganharão uma nova resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). A Secretaria de Previdência Complementar (SPC) já trabalhou internamente nas propostas de mudanças na 3.456 e, agora, participa de discussões técnicas no âmbito do Ministério da Fazenda, do Ministério do Planejamento, do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Carlos Eduardo Gomes, diretor de Monitoramento e Controle da SPC, prefere não arriscar um prazo para que a nova resolução seja votada e editada, mas diz que, no caso da 3.456, o processo todo de apreciação no governo (após o trabalho interno na SPC) durou cerca de quatro meses.
“É um paradigma. Existe toda uma expectativa de que esse prazo possa ser menor, mas outros fatores podem sugerir que seja maior. São muitas as variáveis que podem interferir nesse prazo, mas essa é uma resolução bastante esperada pelo mercado”, comenta o diretor.
De acordo com Gomes, o elemento-chave da nova resolução é a simplificação. “Essa é a palavra de ordem. A resolução tem de ser mais clara, mais fácil de compreender por todos os interessados. Por isso vamos reescrever todo o texto”, adianta. Além dessa simplificação, considerada hors concours na lista de mudanças mais importantes em relação à norma vigente hoje em dia, Gomes cita que um ponto a ser tratado na nova resolução é a abrangência das regras, ou seja, quem deve obedecer a elas.
O diretor explica que, na 3.456, já é considerado que todos os recursos dos fundos de pensão – incluindo os que constam dos balancetes de operações administrativas – devem seguir as diretrizes da resolução, mas isso não fica claro. A idéia é que a nova resolução traga essa clareza, proposta que tem como aliado o novo plano de contas das entidades fechadas de previdência complementar, que entra em vigor em 1º de janeiro de 2010. Na nova planificação contábil dos fundos de pensão, será obrigatória a demonstração do Plano de Gestão Administrativa (PGA), que englobará o balancete das operações administrativas, trazendo uniformidade entre as informações prestadas por todas as fundações.
Gomes afirma que, hoje, os balancetes de operações administrativas somam cerca de R$ 5 bilhões em recursos. “No PGA, o montante vai ser ainda maior, porque os balancetes não serão os únicos a migrar para lá.
Os fundos administrativos que estão nos planos de benefícios também devem ir para o PGA”, ressalta. “A nova resolução deixará claro quais as regras que se aplicam a esses recursos”, completa.
Outra sugestão para a “nova 3.456”, demandada pelo mercado e considerada “bastante razoável” pela Secretaria, é a criação de um novo segmento de aplicação destinado aos fundos estruturados (hoje são quatro os segmentos de aplicação: renda fixa, renda variável, imóveis e empréstimos e financiamentos). Além disso, a SPC trata da questão de redistribuir os ativos conforme suas características e “acabar com as carteiras” para simplificar as regras. “Na verdade, as carteiras vão poder continuar existindo e sendo chamadas dessa forma. O que queremos dizer com ‘acabar com as carteiras’ é que, na norma como está hoje, há vários níveis de regras, de limites. É como se nós tivéssemos uma caixa, e dentro dela uma caixa menor, dentro dessa menor outra menorzinha.
Nós queremos simplificar essa estrutura”, diz Gomes. Ele reforça, no entanto, que o objetivo é continuar limitando o risco, uma vez que a intenção das regras é sempre preservar o patrimônio dos fundos de pensão.
Ativos – Os pré-requisitos que os ativos devem apresentar para que as fundações possam comprá-los são outra questão que deve ser abordada na nova resolução. Com a edição da Instrução 476 da CVM, surgiu a possibilidade de ofertas públicas de títulos como notas comerciais, cédulas de crédito bancários que não sejam de responsabilidade de instituição financeira, debêntures não conversíveis ou não-permutáveis por ações, cotas de fundos de investimento fechados e certificados de recebíveis imobiliários ou do agronegócio sejam dispensadas de registro na autarquia, desde que sejam dirigidas a até 50 investidores e os títulos sejam adquiridos por no máximo 20 deles. A instrução coloca, ainda, que essas ofertas dispensadas de registro podem ser destinadas somente a investidores qualificados, o que inclui os fundos de pensão. Mas a resolução 3.456 tem premissas não compatíveis com as flexibilizações trazidas pela CVM 476. “A 476 da CVM e a 3.456 do CMN não falam a mesma língua”, constata Gomes. Ele acrescenta que a idéia para a nova resolução é criar uma regra que possa vir a recepcionar ativos relacionados à CVM 476. “Mas nesse ponto há um grande desafio, uma grande discussão: quais os requisitos para que um ativo participe das carteiras dos fundos de pensão”, declara o diretor.
Outro ponto a ser tratado na “nova 3.456” são as incongruências entre limites apresentados na regra atual. “Há algumas situações na norma em que acaba se incentivando o direcionamento para um veículo de investimento em detrimento de outro, quando na verdade a grande preocupação da norma tem de ser o risco. Por isso precisamos alinhar os veículos de investimento. O que é preciso avaliar na hora de se eleger um veículo é para onde vão os recursos, qual a liquidez e a facilidade na saída do investimento, e não se basear nos limites de cada um”, indica o diretor.
Colocar os fundos de investimento como ativos finais também está entre as sugestões apresentadas pela SPC. Segundo Gomes, na regra atual, os fundos de investimento são equiparados às carteiras próprias e, para verificação de adequação aos limites da legislação, as entidades precisam olhar cada ativo que está dentro do fundo de investimento e somar àqueles que têm em carteira. “Esse é um trabalho feito permanentemente, que envolve uma cadeia muito complexa e gera custos. É preciso abrir a carteira, somar e aí sim verificar os limites”, diz o diretor. Ele comenta que, nesse caso, muitas vezes o custo que as entidades têm com toda essa verificação acaba sendo maior do que o benefício que o processo traz. Gomes afirma que a proposta, agora, é considerar o fundo de investimento como ativo final e tirar das fundações essa obrigação de fazer permanentemente a soma dos papéis que estão dentro dele. “O que passa a acontecer é um acompanhamento do fundo por si só”, esclarece Gomes.
Sobre os derivativos, o diretor afirma que a 3.456 já mostra um avanço significativo em relação à resolução 3.121, mas ainda há alguns “ruídos”. “A 3.456 já deu um passo importante na questão dos derivativos, que é tratada de uma forma bastante inteligente. Agora queremos dar mais um passo, modernizando as regras”, afirma Gomes.
Quanto ao investimento no exterior, hoje vedado segundo a 3.456, a intenção é de que haja uma opção voltada diretamente para que os fundos de pensão façam aplicações lá fora. Gomes explica que, atualmente, a regra traz algumas alternativas por meio das quais as fundações já chegam aos ativos no exterior (um exemplo é o limite de 3% para investimento nos multimercados não-institucionais, uma vez que há multimercados que podem aplicar até 100% de seu patrimônio fora do Brasil), mas agora a idéia é criar um limite e uma regra exclusivamente para isso.
Mercado participa das discussões com a Secretaria A Secretaria de Previdência Complementar (SPC) começou a discutir possíveis mudanças na Resolução número 3.456 do Conselho Monetário Nacional (CMN) em setembro do ano passado, mas, por conta da acentuação da crise financeira internacional, os debates prosseguiram a um passo menos acelerado. De lá para cá, a SPC ouviu diversos participantes do mercado – como Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima), Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap) e BM&FBovespa, entre outros – para formatar sua proposta para uma nova resolução.
José de Souza Mendonça, presidente da Abrapp, conta que a entidade enviou sugestões de mudanças na 3.456 para a Secretaria em meados de maio. “A SPC tem se mostrado bastante aberta a ouvir o mercado, está muito receptiva às sugestões. Nós já vínhamos inclusive conversando com o secretário Ricardo Pena sobre a necessidade de uma flexibilização da 3.456 porque, nesse ambiente de juros mais baixos, os fundos de pensão precisarão correr um risco a mais para bater as metas atuariais”, afirma Mendonça. Ele ressalva, no entanto, que a resolução em vigor é “muito prudente e sábia”, de forma que suas premissas ajudaram a proteger os fundos de pensão de perdas maiores no ano passado.
É justamente por isso que o presidente da Abrapp defende que a nova resolução também deve ser feita de forma cautelosa. “Mas acredito que seja necessária uma abertura maior. Será que isso viria via aumento do limite para o exterior? Ou aumento do percentual máximo para exposição em renda variável? Em imóveis? Não sei, são possibilidades. Seja como for, a 3.456 vai ter de permitir algo mais ousado, mas sempre com cautela. Não podemos esquecer que somos investidores de longo prazo, e não especuladores”, diz Mendonça. O presidente da Abrapp acredita que não vai demorar muito para a nova resolução ser editada. “Espero que aconteça o quanto antes”, declara.