Edição 134
O fundo de recebíveis é, sem dúvida, o mais avançado instrumento de securitização existente hoje no Brasil. Ele alia a bem-sucedida experiência brasileira no segmento de fundos de investimento à idéia de securitização. Pode-se afirmar, ainda, que o fundo de recebíveis é um dos principais instrumentos para desenvolver o mercado de capitais brasileiro, cujo fortalecimento depende de formas eficientes de captação de recursos. Para os investidores institucionais em particular, o fundo de recebíveis é uma excelente alternativa de investimento.
Denominado oficialmente Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC, o fundo de recebíveis é destinado a comprar principalmente créditos. São várias as suas vantagens em relação aos demais instrumentos de securitização. Em primeiro lugar, a facilidade de implementação da operação. Em uma securitização por meio de FIDC, para captar recursos e comprar créditos, basta elaborar o regulamento do fundo, registrá-lo em cartório de títulos e documentos e protocolar a documentação na Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Já em uma securitização tradicional, deve-se primeiro constituir uma Sociedade de Propósito Específico – SPE, empresa dedicada exclusivamente à aquisição de créditos. A SPE deve abrir seu capital, e então emitir valores mobiliários, sujeitos a registro na CVM. Após a subscrição dos valores mobiliários, finalmente, a SPE poderá comprar créditos.
Outro diferencial do FIDC diz respeito ao impacto tributário. Do mesmo modo que os demais fundos de investimento, o fundo de recebíveis é tributariamente neutro, não estando sujeito a diversos tributos aos quais as SPEs estão. Naturalmente, com menor impacto tributário, uma securitização que utiliza um FIDC é mais barata se comparada a uma operação que adota uma SPE.
Já a flexibilidade dos FIDCs é vantagem decorrente da sua própria regulamentação, que permite (i) a existência de mais de uma classe de cotas; (ii) a constituição de fundos abertos ou fechados; e (iii) a composição da carteira com créditos dos mais diversos tipos. Quanto à pluralidade de classes de cotas, cada classe deve ter características próprias, sendo que uma delas não se subordina às demais para efeitos de amortização e resgate. Na prática, um FIDC poderia ter duas classes de cotas, sendo uma destinada aos investidores, e outra, subordinada àquela, destinada à empresa que cede os créditos. As cotas subordinadas representariam uma margem de garantia para os investidores, cobrindo com seu patrimônio os riscos da operação.
A flexibilidade dos fundos de recebíveis fica igualmente evidente na possibilidade de o FIDC ser aberto ou fechado. Os fundos abertos são aqueles em que os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas a qualquer momento. Já nos fundos fechados, o resgate de cotas ocorre ao término do prazo de duração, ou na liquidação do FIDC.
Ainda, a regulamentação do fundo de recebíveis permite que os FIDCs comprem créditos dos mais variados tipos. Assim, o FIDC pode ser empregado em situações em que a carteira seja composta por muitos créditos de pequeno valor (como os decorrentes de vendas no varejo, faturas de cartão de crédito, etc), ou por poucos créditos de valor elevado, eventualmente contra apenas um devedor (por exemplo um contrato de locação de galpão industrial, ou um contrato de compra e venda de energia).
Também é vantagem do FIDC a maior segurança para os investidores. Assim, a administração do FIDC é feita por instituição administradora, que deve ser instituição financeira ou equiparada. A instituição administradora é responsável civil e criminalmente por má gestão e está limitada em seus atos pela própria regulamentação do FIDC. Ainda, vale lembrar que, enquanto os investidores é que são os proprietários de um fundo de investimento, nas securitizações com SPEs é comum que o próprio cedente dos créditos seja seu controlador. Ressalte-se que é muito mais difícil impor limitações ao controlador da SPE, o que requer um estatuto social rígido e um acordo de acionistas que inclua um representante dos investidores.
Como conseqüência de todas estas vantagens, o FIDC viabiliza diversas operações, antes impossíveis em razão da ineficiência das SPEs. Por isso, gradativamente, o fundo de recebíveis permitirá a fixação definitiva da indústria de securitização no Brasil, direcionando, por meio do mercado de capitais, mais recursos para o financiamento das empresas, e garantindo segurança para os investidores.
José Barreto da Silva Netto e Renato Pinheiro Jabur – sócio e advogado, respectivamente, do setor de Mercado de Capitais do Levy & Salomão Advogados.