Trump e o túnel do tempo tarifário

Edição 378

Dupita,Adriana(Bloomberg) 24dez 02
Adriana Dupita, economista-chefe adjunta para mercados emergentes da Bloomberg Economics

Como economista, evito usar expressões como “disruptivo” e “sem precedentes”. Mas a nova guerra comercial sob o governo Trump II impõe essa exceção. A intensidade e volatilidade da política tarifária americana não têm paralelo recente, e seus efeitos sobre uma economia global altamente integrada são potencialmente disruptivos.

Escrevo ciente do risco de que novas decisões ocorram entre o momento em que escrevo e o instante em que você, leitor, tiver este texto em mãos. Mas essa é, talvez, a primeira lição desta nova fase: a mudança constante é a nova norma. Nem investidores nem analistas podem esperar estabilidade para tomar decisões. Ela pode demorar – ou simplesmente não chegar.

A Bloomberg Economics desenvolveu um índice para mensurar essa incerteza com base na linguagem de matérias jornalísticas. O Trade Policy Uncertainty Index mostra que esta incerteza caiu após os anúncios de final de julho – para a metade do nível registrado no entorno do Liberation Day em abril. Mesmo com esta queda, ela segue duas vezes mais alta que no pior momento da guerra comercial anterior, no governo Trump I. Para o investidor, a mensagem é: o “novo normal” é mais incerto que antes, e isto precisa se refletir nos parâmetros de risco utilizados nas decisões de investimento.

A segunda lição: mesmo que se eliminasse a incerteza sobre as tarifas em si, restaria uma dúvida relevante sobre a velocidade e a magnitude de seu impacto sobre as cadeias produtivas globalizadas. Após meses de idas e vindas, o resultado líquido das negociações ainda é a construção de uma muralha tarifária ao redor da maior economia do mundo. Estimamos que, no início de agosto, a tarifa média sobre bens importados já implementada chega a 14%. Nos 50 anos anteriores, essa média variou entre 1,2% e 3,8%. A última vez que esteve nesse patamar foi em 1939. Se as tarifas ainda sob análise forem implementadas, a média ultrapassará 20%, o nível mais alto desde 1910. A diferença? A economia americana é hoje proporcionalmente muito maior que em 1910, e o peso do comércio internacional na economia global é praticamente o dobro do que era àquela época.

As projeções econômicas ajudam a ilustrar uma terceira lição: não há vencedores em uma guerra comercial tão agressiva – nem mesmo quem a iniciou. A política tarifária ameaça colocar os EUA no chamado purgatório macroeconômico: crescimento mais fraco com inflação mais alta. Antes do “Liberation Day”, o consenso para o crescimento americano nos próximos três anos era de 2% ao ano. Agora é de 1,5% em 2025, 1,7% em 2026 e 1,9% em 2027. A inflação, embora em menor magnitude, também foi revisada para cima. Estimativas da Bloomberg Economics indicam que as tarifas já em vigor ou anunciadas podem reduzir o PIB americano em mais de 2% e elevar o nível de preços em mais de 1,3% no médio prazo.

A quarta lição é que as tarifas serão não só mais altas, mas também muito complexas. A lista mais recente de tarifas “recíprocas” inclui 11 alíquotas diferentes, de 10% (para países com os quais os EUA têm superávit comercial) a 41% (caso da Síria). Os 15% aplicados à União Europeia e Japão representam a tarifa mais comum. A extensa lista de exceções parece responder mais aos interesses internos dos EUA do que a concessões obtidas em negociação bilateral.

O caso brasileiro aponta para mais uma lição: os EUA estão dispostos a usar as tarifas mesmo por motivos não estritamente ligados ao déficit comercial que ambicionam resolver. Aos 10% da tarifa “recíproca” que já haviam sido anunciados em abril, somaram-se em julho 40% adicionais com base em alegações de lawfare contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e censura a americanos nas redes sociais. Ao exigir mudanças fora da alçada do Executivo brasileiro como condição para a retirada das tarifas, o governo americano praticamente inviabilizou qualquer negociação. As exceções anunciadas em 30 de julho aliviaram parte do impacto, mas não eliminaram o problema.

Mesmo com as exceções, a tarifa média sobre exportações brasileiras aos EUA deve chegar a 29% – contra 1,3% em 2024, e mais alta que a enfrentada pela maioria dos principais países. Isso reduzirá a competitividade de diversos setores. Estimativas anteriores ao anúncio indicavam que a tarifa de 50% poderia cortar em até 90% as exportações afetadas, o que equivaleria a uma queda de 60% nas vendas totais ao mercado americano, com impacto de até 1% sobre o PIB brasileiro no médio prazo. As exceções anunciadas e o provável esforço de redirecionamento de exportações devem amenizar esse efeito, mas não anulá-lo.

Adriana Dupita é economista-chefe adjunta para mercados emergentes da Bloomberg Economics