Edição 348
Grande parte dos Fiagros recentemente lançados no mercado de capitais, vem embasado em uma tese antiga que foi praticada por muitos no ambiente de fundos e veículos de investimento imobiliário urbano e, agora, está sendo transportada para o setor agro no país: o Sale and Lease Back (SLB). Neste mecanismo, uma parte vende um ativo para a outra parte que, ao comprar, arrenda (aluga) de volta para o vendedor. Desta forma, o vendedor consegue um influxo de caixa no momento zero e paga de volta ao comprador o dinheiro na forma de arrendamento obviamente que acumulado de juros.
Para entender e debater SLB rural como forma de financiamento de fazendeiros, é importante esclarecer que o agronegócio brasileiro já é bem servido, em grande parte, por linhas de crédito dos bancos públicos e tradings, como por exemplo o Pronaf, Pronamp, Inovagro e PCA. Essas linhas de fomento em grande parte são despendidas pelos bancos públicos e são subsidiadas. Com elas, os produtores têm a oportunidade de levantar recursos a uma taxa atrativa para produção, maquinário ou até mesmo para construção de algumas benfeitorias como armazéns graneleiros.
Isso posto, alguns questionamentos surgem: por que o fazendeiro iria recorrer a um SLB com tantas alternativas? Ou então, como um fundo que não tem o histórico, estrutura ou capilaridade dos bancos públicos consegue identificar e selecionar os tomadores de crédito que não estão sendo atendidos por esses bancos? Estes questionamentos ainda abrem espaço para outras dúvidas ou preocupações que deveriam estar no radar dos investidores: por qual motivo um agricultor daria em garantia sua fazenda a um fundo ao invés de realizar a operação com as taxas incentivadas dos bancos públicos? Seria falta de comprovação de saúde e capacidade financeira e por não conseguir aprovação em operações de crédito com os bancos?
Notícias recentes nos mostram que alguns Fiagros de “papel” já começaram a enfrentar problemas. No mês de junho, um Fiagro, listado na B3, viu um de seus operadores entrar em recuperação judicial. Esse operador representava mais de 20% da carteira do Fundo.
Quem trabalha no mercado financeiro e, em particular, no mercado imobiliário está acostumado a ouvir falar de Fundos “de papel” e Fundos “de tijolo”. As duas denominações servem para diferenciar os fundos imobiliários que tratam com imóveis físicos e os que tratam somente de recebíveis e títulos lastreados em imóveis. Apesar de se tratar de investimentos similares, ambos têm riscos muito diferentes e apresentam características diferentes. Isso vale para alguns Fiagro que tem surgido, apesar dos “de tijolo” neste caso serem os “de terra”.
A primeira coisa que deve ser levada em conta é o valor que esses ativos (Fazendas) estão entrando na carteira desses Fiagro que na verdade estão focados em crédito. Precisa haver sinergia entre a área de crédito da Gestora do Fundo que quer emprestar e a área técnica que realiza a avaliação da fazenda que está sendo dada em garantia para que a análise seja completa, afinal o lastro físico do papel é a terra.
Além disso, temos o problema da diversificação, pois se todos os Fiagro’s são de “papel”, seus investidores ficam extremamente expostos aos riscos macroeconômicos, especialmente os de juros. Utilizemos como exemplo os FII’s. Uma rápida pesquisa no Google, Youtube ou qualquer fonte de informação sobre FII’s, mostrará que o tema diversificação é amplamente discutido e que portfolios ótimos deveriam conter uma parte de FII de “papel” e outra parte em FII de “tijolo”, com uma estratificação dos “tijolos” em shoppings, galpões, edifícios comerciais etc. Portanto, assim como o FII, o Fiagro precisa de “papel” e “terra” para trazer a possibilidade de diversificação ao investidor.
A boa notícia, no entanto, fica por conta das estratégias como a utilizadas no Private Equity focado em terras. Já existem fundos focados puramente na estratégia imobiliária em que se aloca capital na compra de fazendas e após a sua transformação ou operação agrícola passam a auferir maior resultado no longo prazo e entregando retornos aos investidores. Embora o agronegócio seja um setor pujante da economia, este modelo de investimento tem seus riscos e para tanto a seleção de gestores e fundos deve ser feita de forma criteriosa pelo cotista, da mesma forma que o FII “de tijolo” tem riscos diferentes do FII “de papel”.
Gustavo Fonseca é diretor da AGBI Asset