Retirada de patrocínio x direito adquirido |_ Antônio Braulio de ...

Edição 359

Em recente leitura de um mandado de segurança civil, vi algumas passagens que são praticamente uma afronta à inteligência alheia. Diz o causídico que “a retirada de patrocínio é direito potestativo da patrocinadora, cuja faculdade é prevista no artigo 202, caput da Constituição Federal. A decisão a respeito de se retirar ou não o patrocínio depende apenas de ato de vontade da patrocinadora, que não será validada ou julgada pela Previc, tampouco pelos participantes e assistidos ou dos órgãos deliberativos da EFPC.”
A ignorância do judiciário em relação às questões previdenciárias é facilmente confirmada em diversas decisões estapafúrdias. Mas, nesse caso, parecia haver recordista superação: desprezo pela relação contratual estabelecida; estabelecimento de uma condição de prevalência do patrocinador, que não possui amparo constitucional, legal ou normativo; cassação da autoridade legal da Previc no licenciamento das operações da espécie e consequente destruição da Lei Complementar nº 109/2001.
Fui pesquisar o significa este tal direito potestativo: “É um direito considerado incontroverso, sobre o qual não cabem discussões. Em outras palavras, é aquele que ao qual a parte se submete ao seu exercício, sem poder contestá-lo”. Mas, o que diz o citado artigo 202, caput da Constituição Federal? “Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 – Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998).”
Alentado com a constatação de que a Carta Magna não teria cometido esse desatino, reflito sobre o que leva algumas pessoas a acreditar e defender essa visão. Penso, primeiramente, na responsabilidade do Estado, quando, em anos passados, os dirigentes da própria Previc deram guarida a esse tipo de interpretação. E que este instituto, previsto como exceção, se tornou regra e passa a funcionar como balizador da lucratividade das empresas.
Perguntas sem respostas: como ficam os participantes que acreditaram nesse sistema durante uma vida inteira de trabalho e agora se encontram na iminência de ficar desamparados? Como algum trabalhador pode aderir a um sistema que se comporta dessa forma? Como defender a previdência complementar no Brasil com este tipo de comportamento?
No GT da previdência complementar fechada, alguns membros repetem a mesma cantilena, enquanto os representantes indicados pela Anapar defendem que os direitos dos participantes e assistidos devem ser respeitados e preservados e aí, sim, respaldados no que estabelece claramente o comando legal que rege a matéria.
O art. 17 da Lei Complementar n° 109/2001 define que as alterações processadas nos regulamentos dos planos de benefícios aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante. O parágrafo único deste artigo estabelece que, ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano de benefícios, é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria. Tal condição é reforçada pelo § 1º do Artigo 68 da lei 109/01, ao prever que os benefícios serão considerados direito adquirido do participante quando implementadas todas as condições estabelecidas para elegibilidade consignadas no regulamento do respectivo plano de benefícios.
No âmbito dos processos de retirada de patrocínio, os direitos adquiridos são desrespeitados principalmente quando se trata de assistidos com renda vitalícia. Nesse caso, admite-se a absurda tese da “monetização da longevidade”, e a expectativa de vida de cada assistido é estimada e calculada em termos monetários, observadas as particularidades previstas na Resolução CNPC n° 53/22, como a garantia de 60 meses, no mínimo, a título de sobrevida na apuração da reserva matemática.
O mais provável é que os participantes não receberão nem o mínimo de cinco anos de renda, principalmente os que ocupam a faixa etária mais elevada, tecnicamente qualificados pela infeliz denominação de risco expirado. Não é preciso ser especialista na matéria para perceber o prejuízo destes processos na vida dos trabalhadores. Basta buscar no mercado uma condição equivalente à oferecida pelo plano, para constatar que o direito ao benefício vitalício será reduzido a, aproximadamente, 60% do valor recebido.
Assim, até é possível entender o porquê do tal “Direito Potestativo”: para o patrocinador, é um grande negócio, obtido pelo flagrante desrespeito ao direito adquirido, aos comandos constitucionais, legais e normativos que regem a matéria, em absoluto prejuízo para participantes e assistidos.

Antônio Braulio de Carvalho é diretor de Administração e Finanças da Anapar