Previdência social: um problema ou uma solução? | Fernando Antôni...

Edição 130

A previdência pode ser solução ou problema e a hora da escolha se aproxima, valendo dizer que o Brasil tem tudo para fazer prevalecer a opção inicial. Ela será uma resposta aos anseios do País se o caminho encontrado ajudar a equacionar as contas públicas, garantir a qualidade de vida aos que se aposentam e contribuir para a retomada do crescimento da economia brasileira, financiando a produção e, conseqüentemente, a criação e preservação de empregos. Ou será um entrave a tudo isso, um formidável obstáculo capaz de estourar o déficit público, frustrar cada vez mais aos aposentados e nada contribuir para que a Nação consiga depender dos instáveis fluxos internacionais de capitais.
Sensíveis aos números, que mostram que o déficit da Previdência administrada pelo Estado já ultrapassa 3% do PIB e pode crescer, integrantes do novo governo já manifestaram a disposição de promover mudanças profundas e inevitáveis. Coincidentemente, a consciência de que é preciso mudar se consolida no momento em que o País define prioridades compromissadas exatamente com o rigor na gestão das contas públicas, a qualidade de vida de seu povo e o desejado início de um novo ciclo de desenvolvimento. Não por acaso, as autoridades já deixaram claro o propósito de contar com a poupança previdenciária para chegar a esses objetivos. O momento, portanto, não poderia ser mais oportuno para repensar a Previdência Social e fomentar a Previdência Complementar, mas principalmente, porque esse é o objetivo mais urgente, buscar uma saída para o desastre dos regimes próprios.
Com a coragem que o momento exige, o ministro Ricardo Berzoini, da Previdência, convidou os brasileiros a debater o difícil quadro. Sem estigmatizar qualquer categoria de servidores ou função pública, tal debate deve partir dos números disponíveis, que estão a revelar uma situação dramática, a exigir mudanças sem mais protelações. Em seus primeiros anos, a Previdência Social exibia uma tranqüila proporção entre o número de contribuintes e o de aposentados e pensionistas. Eram 7 pagantes para cada assistido. Hoje, a relação é de apenas 1,2 para 1, resultado da sensível queda na taxa de natalidade, do aumento da expectativa de vida e do crescimento do contingente de trabalhadores informais, que já são maioria na População Economicamente Ativa (PEA) e não contribuem para os cofres do INSS. Tudo concorre para desequilibrar a balança, que em um de seus pratos mostra as brasileiras em idade fértil tendo atualmente não mais de 2,4 filhos, enquanto no outro prato o peso dos brasileiros com mais de 65 anos ameaça dobrar nessa década, passando de 8% para 16% do total da população.
Nos regimes próprios dos servidores, preocupa ver a desproporção entre as contribuições feitas para sustentar o pagamento dos benefícios, da ordem de R$ 7,8 bilhões, e as despesas da União, estados e municípios com o pagamento das aposentadorias e pensões, um gasto que chega aos R$ 56,8 bilhões. A sensação de desequilíbrio é ainda maior quando se percebe que os trabalhadores que pagam o INSS se aposentam em média com R$ 330 quando a aposentadoria média dos servidores ultrapassa R$ 2.800. O déficit da Previdência de 2002 chegou a R$ 70 bilhões e espelha essa desigualdade, ao mostrar que os empregados do setor privado responderam com não mais de R$ 17 bilhões para esse montante, enquanto os regimes próprios contribuíram com R$ 53 bilhões, sendo que esse último valor vem crescendo 10% ao ano.
Os números, claro, não dizem tudo, e por isso mesmo deve-se iniciar esse debate sem lançar estigmas ou alimentar preconceitos. Há uma verdade indiscutível no argumento de que, por exemplo, militares e magistrados têm uma vida profissional peculiar, diferenciada da vivida por outros trabalhadores, e por essa justa razão merecem regras especiais de aposentadoria. Para esses brasileiros que vivem uma situação profissional específica, inexistem possibilidades como a sindicalização e a troca de emprego, formas que os trabalhadores da iniciativa privada usualmente utilizam para lutar por melhores salários. Tampouco aos membros das Forças Armadas e da Justiça é reconhecido, por exemplo, o direito de greve. Nem em seu nome é depositado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Portanto, não são iguais aos demais trabalhadores.
 Mas, da mesma forma como se reconhece que algumas categorias vivem uma situação peculiar e devem ter suas regras próprias de aposentadoria preservadas, por outro lado deve-se admitir que algo precisa mudar, sob pena de caminharmos para o desastre sem nem ao menos tentar evitá-lo. Se nada for feito, se todos os envolvidos se mantiverem numa postura corporativista de evitar o diálogo, respondendo aos argumentos bem tecidos com palavras envelhecidas, vai chegar o dia em que a tão anunciada bomba-relógio simplesmente explodirá. E entre as vítimas muito provavelmente estarão até mesmo os já aposentados e os efetivamente detentores de direitos adquiridos, que correm o risco de ficar sem receber pela simples e óbvia razão de que talvez não haja dinheiro para pagá-los. Já estamos atrasados. É bom aceitar o convite para o diálogo.

Fernando Antônio Pimentel de Melo é presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar