Edição 344
Trabalho no mercado há muitos anos e sou apaixonada pela área de mercado de equities. Me encanta a rapidez com que seus agentes precificam cada notícia, sejam estas diretamente relacionadas às empresas ou a temas globais. Difícil ter um assunto que passe despercebido e não impacte de alguma foma empresas, setores e, consequentemente, os índices. O mercado de ações, que por muitas vezes parece ter movimentos brutos e complexos, está, no fundo, sendo ajustado e precificado por diversas variáveis que são apresentadas diariamente e analisadas de sua maneira: inflação, preço de commodities, crescimento local e global, políticas monetárias, eleições, dólar, pandemia, resultados das empresas entre outros.
Com isso, não dá para falar deste mercado sem lembrar que uma das maneiras de avaliar empresas refere-se ao valor presente de seu fluxo de caixa, ou seja, o movimento de cada ação está relacionado, não somente ao que estamos vendo no momento, mas principalmente ao que esperamos das variáveis que afetam o fluxo de caixa de cada empresa. Nós gestores, procuramos assincronias, empresas que nos oferecem oportunidades.
Esse contexto era para explicar que o preço das ações atua tanto no cenário como nas expectativas futuras e, que muito do valor da empresa vem do que esperamos para os próximos anos, ou de sua perpetuidade.
Tivemos nos últimos anos um aumento de incertezas e o mercado foi se ajustando a isso. Vale lembrar que algumas das variáveis que causaram grandes mudanças, não foram esperadas, como a pandemia, que gerou instabilidade e afetou o consumo, a oferta, o crescimento global e, de certa forma gerou inflação.
O atual conflito Rússia x Ucrânia também traz uma forte aversão a risco e análise de impactos de oferta e demanda, tendo como resultado inicial um forte aumento nos preços de commodities. Outro forte tema, porém focado no mercado local, é os juros no Brasil. Há aproximadamente um ano estava em um patamar de Selic a 2%, hoje encontra-se em 11,75% e com mercado já precificando para cima.
Não tem como uma empresa não ser impactada por este aumento significativo de juros. A inflação levará a empresa a repassar custos – com dificuldade ou não – para o consumidor e certamente afetará os volumes vendidos e as suas margens. Este cenário de inflação e juros a princípio torna o investimento em empresas locais mais caros e incertos.
Empresas do setor de varejo, serviços e imobiliário, que são claramente afetadas por estas variáveis, tiveram quedas significativas e em alguns casos superiores a 50%. Neste mesmo período, o Índice Ibovespa praticamente se manteve estável, pois alguns setores tiveram retornos positivos, seja por que gestores optaram por reduzir risco, trocando setores com mais incertezas por papéis que eles entenderam ter um fluxo de caixa mais previsível, ou por que aumentaram a exposição ao setor de commodities, que está sendo beneficiado por preços mais altos e um dólar mais favorável.
Como exemplo de ações que tiveram um retorno positivo o mercado pode observar a Petrobras (PETR4) com retorno de +63%, grande parte justificada pelo forte preço da commodity, que teve uma aumento de cerca de 56%. Nesta mesma linha os setores de alimentos também tiveram comportamentos positivos, se beneficiando de um dólar mais forte e uma melhora de preços.
Em minha trajetória, tenho reparado que quando ocorrem estes movimentos, sejam de grande incertezas ou de notícias significativamente positivas, há movimentos de ações que ¨superam¨ o racional. Arrisco a dizer que alguns optam simplesmente pela saída do investimento para adequar seu perfil, seu portfólio ou simplesmente sair do risco.
Vale ressaltar que não estou julgando compras e vendas. Cada investidor sabe o que cabe no bolso e o que ele estima para o médio prazo e seu trade off (ações x juros). Para alguns, este trade off está positivo para o mercado de equities, o fluxo de investidores estrangeiros está favorável para o mercado de ações, e algumas empresas também vem recomprando ações. Minha posição como gestora é de procurar por ativos de valor e potencial valorização, além de discrepâncias entre o valor atual e a possibilidade futura de valor.
Neste sentido, os setores de consumo, varejo, serviços, imobiliário e industrial, sofreram uma perda de valor que não correspondem a nossas expectativas futuras. Foram de fato impactados pela pandemia e pelo aumento de juros, mas analisando caso a caso vejo melhoras nos resultados. Minha estimativa para 2023 é que teremos ações atrativas.
Nos últimos dois anos tivemos uma quantidade enorme de ofertas de ações (IPOs). Só em 2021 cerca de 45 ofertas de ações somaram mais de R$63 bilhões de valor. Muitas destas empresas estão a um valor 60-70% menor do que no dia de sua oferta. Aumento de juros é suficiente para este ajuste? Pandemia? Conflito? Por aqui, vejo oportunidades.
Isabel Lemos é gestora de Renda Variável da Fator Administração de Recursos —FAR