Edição 350
O presidente que governará o Brasil pelos próximos anos enfrentará os desafios de uma conjuntura ainda impactada pela pandemia e pelas políticas econômicas adotadas nos últimos anos. O cenário prospectivo envolve a coexistência das várias fases do mesmo fenômeno – uma onda inflacionária provocada pela injeção de liquidez sem precedentes e pela desorganização das cadeias produtivas, um ciclo de aperto monetário sincronizado como resposta dos bancos centrais e uma recessão global que já afeta o preço dos ativos. No Brasil, em particular, ainda concorrem o aquecimento do mercado de trabalho, a política fiscal expansionista e a desorganização fiscal. O fato é que há mais incertezas e desafios que resoluções.
Do lado positivo, no cenário de atividade econômica, o Brasil se diferencia do contexto internacional e é um dos únicos países onde as expectativas de crescimento para 2022 têm sido revisadas para cima. É bem verdade que parte disso se deu por conta da alta no preço das commodities e da recuperação de setores afetados pelas restrições de mobilidade, vetores que não devem se repetir com a mesma intensidade no ano que vem.
O mercado de trabalho tem mostrado aquecimento após deterioração nos últimos anos. Estamos com população ocupada e massa de rendimento real nos maiores níveis das séries iniciadas em 2012. A taxa de desemprego está no menor nível desde 2015 e o rendimento médio real tem crescido mesmo com a inflação elevada e ainda com espaço considerável de crescimento após perda acentuada ao longo da pandemia. A política fiscal expansionista – via auxílios sociais ampliados, desoneração tributária e eventual recomposição real do salário mínimo – e a poupança precaucional acumulada nos últimos anos são fatores adicionais que sustentam a renda disponível das famílias.
Por outro lado, o massivo aperto monetário que o BCB implementou nos últimos anos atua no sentido de comprimir a demanda e seus efeitos devem ser mais intensos em 2023. O aperto monetário simultâneo em várias economias contribui para que esse impacto seja ainda mais restritivo. O efeito final na atividade ainda é turvo, mas a economia brasileira tem se mostrado resiliente. Uma boa notícia para o próximo governo é que, por ora, o ciclo de alta nos juros domésticos parece ter chegado ao fim.
Ainda assim, o próximo presidente terá diante de si uma economia que opera com a inflação alta. Alívios recentes vêm das desonerações tributárias e da reversão parcial do preço de algumas commodities internacionais. Porém, o quadro de expansão da massa de rendimento e a recuperação do setor de serviços representam desafios inflacionários ainda por vencer. Os núcleos de inflação, um retrato mais fiel do processo cíclico, se encontram em níveis incompatíveis com as metas e tendem a continuar pressionados. Sobre combate à inflação, é importante lembrar que a independência do Banco Central foi um avanço institucional dos últimos anos, tornando a estabilidade da moeda independente do ciclo eleitoral e dissociada da ideologia do poder executivo. No entanto, é preciso considerar que a política fiscal expansionista atrapalha o trabalho do Banco Central, pois impulsiona a demanda e pressiona o câmbio.
No âmbito fiscal, um dos principais problemas é que a atual âncora fiscal é o teto de gastos – que limita crescimentos reais de despesa pública – e, desde 2021, já teve seu mecanismo alterado e foram criadas exceções. Esses movimentos minaram a credibilidade do regime, e o próximo governo terá a importante tarefa de propor um novo mecanismo que dê sustentabilidade às contas públicas. Qualquer que seja a regra, é importante que haja credibilidade e que seus parâmetros não sejam alterados sempre que os formuladores de política julgarem conveniente.
Além das questões domésticas, o próximo presidente viverá uma conjuntura internacional sem paralelo nos últimos anos. O processo de globalização e a condução eficiente da politica monetária, que permitiram um período de inflação baixa, se esgotaram. A consequência das politicas expansionistas implementadas no pós 2008, e aprofundadas com a pandemia de Covid-19, veio na forma de uma inflação alta, persistente e disseminada. Os Bancos Centrais, embora atrasados, já iniciaram um ciclo coordenado de aperto que implicará em desaquecimento da economia mundial, podendo afetar as commodities, que tem papel importante para a economia brasileira.
Por fim, o próximo presidente encontrará um congresso mais centrista e precisará estabelecer negociações amplas para aprovar propostas. Por um lado, essa composição acaba funcionando como um poder amortecedor de eventuais aventuras lideradas pelo executivo. Por outro, eleva as apreensões acerca do poder que o congresso terá para inchar o orçamento. Como é de costume por aqui, entraremos em mais um ciclo incerto, volátil com riscos e oportunidades.
Elisa Machado é economista-chefe da ARX Investimentos