Edição 347
Desde 2020, os preços dos ativos financeiros têm sido literalmente abalroados por eventos de natureza não econômica: a pandemia do Covid 19, em 2020 e 2021, e a invasão da Ucrânia pela Rússia neste ano. Ainda que exógenos à economia os acontecimentos tiveram forte impacto na economia real e, por conseguinte, nos ativos financeiros. Apenas para relembrarmos: em março de 2020 o índice SP500 caiu 20% e aqui no Brasil o Ibovespa caiu 30%.
Os efeitos sobre a economia real também foram severos, ainda que a mensuração tenha demorado naturalmente mais para ser devidamente verificada: em 2020 o PIB americano recuou 3,4% e o PIB no Brasil recuou outros 3,9%. Mas neste ponto é preciso lembrar também as medidas que todos os governos tomaram na tentativa de mitigar os efeitos econômicos da pandemia: uma forte expansão fiscal, com medidas diretas de auxilio aos consumidores, de um lado, e de outro uma redução dos juros nominais básicos praticamente a zero. Em resumo, política fiscal e monetária expansionistas.
Esta combinação produziu o efeito desejado, a recuperação da economia real, mas trouxe consigo outro efeito, este indesejado, a volta da inflação. Em números: o PIB dos EUA, EM 2021, subiu 5,7% e a inflação 5,5% (PCE); no Brasil, a recuperação do PIB foi de 4,6%, mas o IPCA alcançou 10,1%.
Neste ponto do processo de recuperação surge a invasão da Ucrânia pela Rússia,no dia 24 de fevereiro de 2022, e assim esse evento geopolítico faz disparar os preços das commodities, particularmente aquelas nas quais os dois países tem maior presença no comércio mundial petróleo, gás natural, fertilizantes e trigo. Se a pandemia já havia causado diversos problemas nas cadeias de suprimento, agora a guerra irá agravá-los sobremaneira, principalmente no que diz respeito a inflação.
Aqui poderíamos dizer que começa um período de comportamento “exótico” das autoridades, em geral, e dos bancos centrais, em particular, com destaque óbvio para o FED – banco central americano. Evitando subir os juros básicos com receio de conter a recuperação da economia no seu estágio inicial, o FED partiu para o contorcionismo verbal. No primeiro estágio criou a figura do “average target inflation” dizendo que poderia admitir uma inflação um pouco acima de 2% por algum tempo antes de elevar os juros básicos. Nunca ficou claro quanto acima e por quanto tempo esse desvio da inflação seria tolerado, mas o mercado digamos que “comprou” a ideia. A fase dois foi o “foward guidance”, outro exercício verbal tentando induzir o mercado a elevar as taxas longas pela demonstração inequívoca do FED de fazer o que for preciso para conter a inflação (em linguagem chula: política monetária no gogó). E, na última fase, o diagnóstico de que a alta da inflação seria transitória. E para completar o FED expandiu seus ativos da casa dos 4,5 trilhões de dólares, em 2019, para quase 9 trilhões de dólares ao fim de 2021.
No Brasil tivemos a condução da política sanitária que os livros de história certamente encontrarão os melhores adjetivos para qualificá-la, ao lado de uma expansão fiscal mal dimensionada e uma redução da Selic para patamares claramente insustentáveis.
O mais curioso, contudo, foi o comportamento dos agentes do mercado diante deste processo. Tanto lá fora quanto cá internamente houve uma espécie de “lapso de capacidade crítica” em perceber uma situação econômica cada vez mais complexa como algo trivial.
E assim chegamos ao título deste artigo, qual seja, os próximos doze meses do resto de nossas vidas.
No cenário externo, nossa convicção é que tivemos até aqui apenas a primeira fase de ajuste nos preços dos ativos financeiros. O valor de mercado das empresas do índice SP500 era da ordem de 42 trilhões de dólares, em dezembro de 2021, e no final de junho de 2022 este valor recuou para 33 trilhões de dólares, ou seja, uma perda de 9 trilhões de dólares – um montante equivalente a 36% do PIB americano. E o processo de subida dos juros básico (FED Funds) deve prosseguir ainda por vários meses adiante. Enfim, temos com certeza um cenário de desaceleração das economias desenvolvidas com alta probabilidade de chegar a uma recessão. Os problemas que assolam a economia europeia, Alemanha à frente, são inclusive mais complexos que os desafios na economia americana.
No cenário doméstico, o volume de problemas que aguardam o vencedor das eleições de outubro faz com que os doze trabalhos de Hércules fique parecendo o jogo de amarelinha. A desorganização na esfera fiscal, a inflação represada para 2023, os servidores públicos federais civis sem reajuste salarial nos últimos três anos (os militares tiveram uma reestruturação de carreira e dados do Tesouro Nacional indicam um incremento de gastos com esses servidores de 25,8%, em 2021 comparado a 2018), a redução das verbas para educação em 21,5% (o mesmo relatório do tesouro nacional indica que as despesas discricionárias relativas à educação caíram de R$ 25,1 bilhões, em 2018, para R$19,7 bilhões , em 2021) e a lista vai longe.
Há os que aplaudem esse tipo de ajuste claramente insustentável no longo prazo, mas a conta pelo esgarçamento do tecido social um dia chega.
Conclusão simples (alguns poderão considerar simplória – que seja): tempos de proteger o patrimônio com uma gestão de risco muito rigorosa.
Jorge Simino é diretor de Investimentos da Vivest