O Conselho Monetário errou

Edição 380

Simino,Jorge(Funcesp) 19fev2
Jorge Simino, ex-diretor de investimentos da Vivest

Ao definir que o centro da meta para a inflação seja 3% o Conselho Monetário Nacional cometeu um erro. Evidentemente tal afirmação exige explicações, então vamos a elas.

Vamos pelo argumento que sustentou a escolha dos 3,0%, qual seja: “esse número é a média da inflação observada entre os países dos mercados emergentes”. Tal afirmação merece pelo menos duas observações – uma de ordem prática e outra mais conceitual, digamos assim.

De ordem prática, é forçoso perguntar qual o rol de países considerado no cálculo? Argentina e Turquia foram incluídos no rol? E o intervalo de tempo considerado para o cálculo? Foram os últimos 5 anos ou os últimos 10 ou 20 anos? O mais adequado são períodos bem longos, como explica o professor Alan Blinder no livro “Bancos Centrais: Teoria e Prática” (nas páginas 55 e 56), ao explicar “outro método é calcular a taxa real de juros ex-post durante um longo período histórico“ e logo adiante ele explicita “…prefiro utilizar períodos de 30 a 50 anos ao calcular médias históricas”.

De um ponto de vista mais conceitual, fica a ressalva ao simplesmente desconsiderar a história econômica específica de cada país. A ciência econômica é uma ciência social complexa e não uma versão empobrecida da álgebra do segundo grau. A economia brasileira desenvolveu um grau extremo de indexação que apresenta vestígios até hoje. Basta lembrar que quando a Fundação Getúlio Vargas divulga o IGP-M, alguns jornais publicam a notícia como “o índice que corrige os aluguéis…”.

As observações acima, na minha modesta opinião, indicam o quão frágil é estabelecer a meta de inflação em 3% baseada no argumento que esta é média da inflação dos países emergentes.

Mas o ponto principal a demonstrar que estabelecer 3,0% como centro da meta foi inapropriado é o seguinte. Nos estados Unidos o Escritório de Estatísticas do Trabalho (Bureau of Labour Statistics) calcula o índice de preços ao consumidor (CPI – Consumer Price Index). Pois bem, no período de 1995 a 2024 a variação anual média do índice foi 2,58%. Devemos relembrar que a economia americana é uma economia sem “memória inflacionária” e sem indexação (nem os salários têm qualquer tipo de indexação).

Dada esta observação estatística, me parece justo perguntar como a economia brasileira, com memória inflacionária (agora sem aspas), com vetores de indexação (em salários principalmente) e com 25% do IPCA vinculado a preços administrados, vai conseguir um resultado 0,42 pontos percentuais acima da média histórica do CPI americano nos últimos 30 anos! Desculpem-me o ceticismo, mas creio ser uma meta não razoável.  Um índice de 2,58% ao ano representa uma média mensal de 0,21% e o índice de 3,0% representa uma média mensal de 0,25%! Sinceramente não acredito que a inflação da economia brasileira

consiga se comportar tão próxima à inflação da economia americana nos últimos 30 anos. Aliás, e para não ficar somente na média histórica, a variação do CPI nos últimos 12 meses findos em agosto foi 2,9%.

Creio que o centro da meta deveria ser 4,0% com o intervalo de mais ou menos 1,5 pontos percentuais, mirando num prazo de 24 meses e com cláusula de escape pré-estabelecida, dados eventos como um choque de preços agrícolas, estendendo o horizonte de tempo para a convergência ao centro da meta para 36 meses.

Claro que mudar a meta afetaria, num primeiro momento, as expectativas de inflação, mas ocorre que hoje as expectativas foram estabelecidas de forma inapropriada. Uma prova disso é que, com um juro real de 10,0% (Selic a 15,0%) o IPCA projetado para os próximos 12 meses está 4,88%! Se uma taxa real de 10% não consegue obter a convergência o problema está na hipótese dos 3,0% (um exemplo clássico de “reductio ad absurdum”).

Uma taxa de juros real de 10,0% implica num custo financeiro muito alto, seja para o setor privado (principalmente para as pequenas empresas), seja para o setor público, ampliando o déficit fiscal nominal.

Erros de política econômica acontecem, basta lembrar a pré-fixação da correção cambial e da correção monetária em 1980 ou a manutenção da taxa de câmbio fixa durante 1996, quando os efeitos negativos já podiam ser claramente percebidos. Nos dois casos, e em tantos outros erros, o importante é corrigi-los.

Jorge Simino é ex-diretor de investimentos da Vivest