Novo arcabouço fiscal: the good, the bad and the ugly |_ Rafaela ...

Edição 355

Após mais de três meses de debate o governo encaminhou ao Congresso a proposta do novo arcabouço fiscal, que trouxe pontos positivos e negativos, mas ainda deixa dúvidas sobre sua capacidade de execução. A regra tem como objetivo reequilibrar as contas públicas e reverter a trajetória de crescimento da dívida brasileira e se baseia em experiências passadas como o controle do crescimento de gastos e meta de superávit primário.
O principal ponto positivo do novo conjunto de regras é a limitação do crescimento dos gastos públicos. A proposta limita o crescimento das despesas a 70% do crescimento das receitas administradas. Ou seja, no longo prazo, essa diferença tende a levar à melhora do resultado primário. Além disso, o crescimento fica limitado a um intervalo entre 0,6% e 2,5% acima da inflação, evitando que em momentos de elevação extraordinária da arrecadação as despesas cresçam de maneira pro-cíclica, como em 2022, quando as receitas cresceram 6,5% em termos reais.
A velocidade do ajuste dependerá do crescimento da arrecadação, o que passa a ser um incentivo para as escolhas da política econômica. A medida mantém o benefício do controle do crescimento que havia sido instituído com o teto de gastos, mas com a flexibilidade de incorporar algum crescimento, o que no médio prazo pode se tornar mais previsível e resultar em menor ruído como o resultante das diversas PECs que furaram a antiga regra.
Além do controle do crescimento das despesas, o governo trouxe de volta como âncora fiscal a meta de resultado primário, que já havia sido adiantada na apresentação da LDO. As metas para os próximos quatro anos são bastante ousadas, com o déficit sendo zerado já em 2024 e chegando a superávit de 1% do PIB até 2026.
No entanto, o resultado se baseia em crescimento de receitas da ordem de R$150 bilhões, volume que precisa de aprovação de novas medidas no Congresso e de um empenho político em reduzir subsídios fiscais. O ajuste feito somente com base na receita pode ter custo maior para economia, como uma desaceleração do crescimento e eventual aumento de inflação no curto prazo e a ausência de medidas de redução de gastos e potenciais ganhos de eficiência é questionável.
A principal crítica da nova proposta não está nas regras em si, mas sim na sua execução. O descumprimento da meta fiscal não contará com punição, como anteriormente determinado na lei de responsabilidade fiscal, e também foram excluídos mecanismos mais contundentes de execução do orçamento, como a possibilidade de contingenciamento de despesas, o que deixa a porta aberta para o não cumprimento da meta sem impacto para o governo.
A falta de credibilidade na ausência de punição está aliada às correntes discussões, dentro do próprio governo, sobre medidas que vão demandar aumentos de gastos como novas políticas de transferência de renda, valorização do salário-mínimo e investimento público, o que pode tornar inviável o limite de crescimento dos gastos em 2,5%.
A aprovação da proposta e sua posterior execução serão fundamentais para trazer credibilidade para o novo arcabouço fiscal. Com metas muito otimistas e que não vão de encontro com as demandas políticas por mais gastos, juntamente com as limitações em se aumentar a arrecadação no volume proposto, o efetivo atingimento do superávit primário fica dependente de mais evidências da conduta do governo ao longo do tempo. Os resultados fiscais nos próximos meses, mostrando o empenho no controle de despesas e a proposta de lei orçamentária para 2024, detalhando a previsão de crescimento de gastos para 2024, serão fundamentais para a credibilidade do novo arcabouço.

*Rafaela Vitória é economista-chefe do Banco Inter