Mais fiscal, mais juros… |_ Natalie Victal
Edição 352
Ao longo de novembro vimos forte reprecificação da curva de juros no Brasil. Como resultado do acirramento da incerteza fiscal, os mercados migraram da precificação de corte antecipado de juros, no primeiro trimestre de 2023, para postergação, seguida pela projeção de estabilidade, e hoje precificam altas no próximo ano. Essa forte mudança tem impactos negativos sobre a atividade econômica, e é um alerta importante dos custos envolvidos de escolhas percebidas, como ameaças à estabilidade fiscal. Afinal, o impacto positivo da expansão fiscal pode ser contra produtivo tanto na dimensão de estímulo no crescimento econômico – via aperto das condições financeiras, quanto na dimensão de socorro à camada mais frágil da população – via aceleração inflacionária e consequente impacto negativo no poder de compra.
No entanto, para avaliarmos a razoabilidade do cenário precificado, cabe analisarmos o balanço de riscos para inflação. Há alguns meses destacamos que a precificação de corte de juros no início de 2023 nos parecia precipitada. O complexo debate fiscal que víamos no horizonte era o principal motivo, além da resiliência da atividade econômica. Como resultado, projetávamos que a taxa Selic terminaria 2023 em 12.25%, com corte de juros só a partir do terceiro trimestre do próximo ano. Essa expectativa era conservadora quando comparada às expectativas do mercado.
De lá para cá, vimos o acirramento do debate fiscal, com surpresas negativas quanto ao tamanho do waiver pedido pelo governo eleito. No entanto, sob a névoa da incerteza fiscal, vemos sinais claros de melhora do balanço de riscos para inflação. A inflação corrente mostra melhora qualitativa, com diminuição da difusão, e melhora da inflação de serviços. A boa perspectiva para inflação importada segue, o que é corroborado pela sucessão de meses de IGPs (Índice Geral de Preços da Fundação Getúlio Vargas) negativos. A atividade econômica mostra sinais de moderação, com arrefecimento do varejo e da indústria. Os indícios de vendas fracas da Black Friday são um sinal importante. Por fim, o cenário internacional também se mostra menos negativo, com sinais preliminares de desinflação nos Estados Unidos, o que dá maior visibilidade sobre a taxa de juros terminal do Federal Reserve. Em resumo, tirando o acirramento da incerteza fiscal, avaliamos que houve melhora do balanço de riscos para inflação.
Apesar destes sinais de melhora, por outro lado, o debate fiscal piorou na margem. A sinalização de enfraquecimento do princípio da restrição orçamentária na condução fiscal tem efeitos prejudiciais, e isso tem impactos negativos sobre prêmios de risco, pois sob deterioração fiscal permanente há risco de desancoragem das expectativas de inflação. Para fazer frente a esse aumento das expectativas longas, o Banco Central do Brasil (BCB) pode ser levado a subir juros. No entanto, nos parece precipitado esse diagnóstico. A melhora do balanço de riscos de inflação mostra que o trabalho do BCB está feito. O alto patamar atual da taxa de juros básica tem amortecido o impacto da deterioração do debate fiscal sobre o principal canal de transmissão desse agravamento para a inflação: a taxa de câmbio. A mediana da projeção dos economistas para a taxa Selic apurada pela pesquisa Focus, segue projetando cortes em 2023, o que ocorre, pois o alto patamar dos juros leva a uma desinflação importante. Antes de debatermos altas, há calibragem do timing de cortes. Avaliamos que um cenário de deterioração fiscal permanente seria bem endereçado pela manutenção da taxa de juros estável no patamar atual.
No entanto, a deterioração fiscal tem sim custos elevados para a economia brasileira. A resultante de mais gastos do governo é uma demanda interna mais expansionista, de modo que será necessário um juro médio mais elevado para manter a inflação na trajetória de metas. Por esse motivo, revisamos recentemente a nossa projeção na SulAmérica Investimentos para a taxa Selic terminal, que será alcançada em 2024, de 7.75% para 9%. E esse juro mais elevado impacta negativamente a perspectiva de crescimento da nossa economia. Vale a ressalva, que mesmo esses 9% preveem o compromisso com a sustentabilidade fiscal de longo prazo. Um eventual questionamento desse compromisso tem potencial de fazer com que taxas de juros de um dígito voltem a ser uma raridade na realidade brasileira.
Em momentos de grande incerteza, voltar aos ensinamentos dos manuais de economia é um movimento importante, sendo eles categóricos ao nos ensinar que os fatores determinantes para a condução de política monetária sob um regime de metas de inflação é a avaliação do balanço de riscos para a convergência da inflação para a trajetória de metas. Ao avaliarmos esse balanço de riscos vemos que o debate de altas parece tão precipitado quanto o debate de antecipação de cortes que víamos há alguns meses. Por outro lado, é fundamental endereçarmos o complexo panorama fiscal para que voltemos a ter condições de observar taxas de juros de um dígito.
Natalie Victal é economista-chefe da SulAmérica Investimentos