Edição 360
Sabe aquelas ideias que parecem inquestionáveis, mas que, na verdade, não passam de platitudes ou retóricas? Pois é, o mercado financeiro está repleto delas… “o investidor é racional”, “o mercado financeiro é um jogo de soma zero”, “gestão tática baseada em alta convicção”, “fundos de pensão fazendo investimentos para o longo prazo” e por aí vai. Mas, tentando escolher as polêmicas aqui, gostaria de tratar especificamente de um desses lugares-comuns: “a diversificação de portfólios como um almoço grátis”.
Portfolios 60/40 nos Estados Unidos são, muitas vezes, mencionados como exemplo de estratégia de diversificação bem-sucedida, a despeito da indigestão nos primeiros meses de 2022, quando os preços de equities e bonds despencaram simultaneamente por um período relativamente prolongado, em uma magnitude e duração raros para os padrões históricos daquele país. O fato é que a eficácia do portfólio 60/40, assim como de qualquer outro portfólio diversificado, depende da montagem de um prato com ativos que tenham correlação baixa ou, idealmente, negativa entre si – e que essas correlações se sustentem ao longo do tempo.
Assim, quando um alocador dos investimentos de um fundo de pensão brasileiro pensa que vai comer seu almoço grátis, em especial na montagem de uma carteira diversificada de um plano de contribuição definida (por se sujeitar à marcação a mercado), não encontra um cardápio que permita uma diversificação efetiva. E por que não? Primeiro, por razões intrínsecas aos próprios ativos financeiros no Brasil: prevalece correlação positiva entre as diferentes classes de investimentos, como renda fixa (por exemplo, representada no IMA-B) e renda variável (representada no índice IBOV), com correlação da ordem de +0,5 em janelas relativamente longas, com forte dependência da taxa de juros local e, consequentemente, direcionais em função das peculiaridades brasileiras – ou seja, funciona como uma cesta composta apenas por variedades de bananas.
Não bastasse isso, em segundo lugar, há restrições legais aos fundos de pensão que, sob a égide de manter os participantes dos planos alheios a riscos excessivos, estabelecem, contraditoriamente, limites baixos justamente para investimentos que têm maior potencial de diversificação em função dos graus de liberdade na sua gestão. Isso torna os investimentos estruturados e os investimentos no exterior, por exemplo, ingredientes coadjuvantes na montagem dos pratos, mas que, quando usados com sabedoria, têm potencial de melhorar seu sabor, por conta da não-direcionalidade das várias estratégias possíveis (como fundos multimercado de macro trading, equity hedge, quantitativos e assim por diante), inclusive com o uso mais livre de derivativos, e do acesso a diferentes geografias, mercados e moedas. O risco é se usar mal esses ingredientes, eventualmente ocupando limites tão nobres com alocações que não descorrelacionem de fato com o restante do portfólio.
O fato é que, para aqueles que insistem em ficar na fila do almoço grátis da carteira diversificada, a vida segue difícil à medida que o CDI, essa jabuticaba do cardápio, continua reinando quase que soberano, ainda que o ciclo de queda dos juros no Brasil já esteja em curso. Tudo indica que deve prevalecer aqui dinâmica parecida com a do higher for longer que se espera para os Estados Unidos, levando a uma perspectiva mais lenta e gradual de maturação das diferentes, embora direcionais, classes de ativos.
Neste contexto, enquanto o almoço não chega e o CDI continua alto, o crédito privado parece despontar como o principal petisco a ser degustado, superada, pelo menos a princípio, a ânsia causada por Lojas Americanas, Light e outros casos indigestos.
Para aqueles que têm recusado o almoço grátis da diversificação e se fartado de uma safra generosa de CDI’s desde meados de 2022, fica o risco do reinvestimento. Cedo ou tarde essas jabuticabas suculentas deveriam escassear, quando então outros ingredientes para a diversificação das carteiras poderão estar mais caros. Até lá, valerá a pena recorrer a outra platitude: a gestão tática baseada em alta convicção.
Andre Natali Schonert é diretor de investimentos da Fundação Promon de Previdência Social