Impactos da marcação a mercado nas EFPCs | Sérgio Clark

Edição 357

O Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), por meio da Resolução nº 37 de 2020, trouxe uma mudança significativa na maneira como os títulos e valores mobiliários são contabilizados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs). A contabilização passou de “até o vencimento” para “negociação”, alterando a precificação do ativo durante sua existência. Embora posteriormente alterada pela Resolução CNPC nº43/2021, a essência da regra se manteve.
Essa mudança tinha como objetivo alinhar as práticas de contabilização das EFPCs com as práticas do mercado financeiro, que adota a marcação a mercado. A ideia era evitar a transferência de riquezas entre cotistas de fundos de investimento, melhorar a transparência dos riscos e a comparabilidade entre performances.
Conforme definido pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), as EFPCs são instituições sem fins lucrativos encarregadas de administrar planos de benefícios previdenciários. Assim, a operação de tais planos têm o objetivo claro de gerir recursos para alcançar rentabilidade a longo prazo.
Segundo o Relatório Gerencial de Previdência Complementar da Secretaria de Previdência de setembro de 2022, existem 272 EFPCs administrando 1.131 planos, com um total de 3,77 milhões de participantes e patrimônio de R$ 1,17 trilhão. Essas entidades usufruem de benefícios fiscais e regimes de tributação diferenciados, mas também enfrentam restrições, especialmente no que se refere ao patrocínio do empregador e ao acesso aos recursos poupados.
Diferentemente dos fundos de investimento e dos planos de Entidades Abertas de Previdência Complementar, os planos das EFPCs não permitem a entrada e saída livre de recursos. Isso implica que o acesso aos recursos é restrito, e o participante é incentivado a permanecer no plano por um longo prazo, até que uma poupança previdenciária possa ser formada para uso após a fase laboral. O acesso limitado a recursos e a possibilidade de tributação de até 30% do total dos recursos poupados impõem um custo alto ao participante, com resgates prematuros representando apenas 5% do total.
Os dados do relatório indicam que o percentual de resgate dos planos das EFPCs frente aos patrimônios é sempre muito baixo. A necessidade de liquidez dos planos é voltada principalmente para o pagamento de benefícios. Com a saída de participantes desse segmento sendo mínima, não há uma transferência significativa de riquezas entre os participantes do sistema.
A Resolução CNPC nº37, então, buscaria alinhar as práticas do mercado de previdência complementar ao mercado financeiro e de capitais. No entanto, as instituições financeiras possuem a discricionariedade de categorizar seus ativos em: Títulos para Negociação, Títulos disponíveis para Venda, e Títulos mantidos até o vencimento, apenas as duas primeiras categorias sendo marcadas a mercado. As instituições bancárias de acordo com sua estratégia de ALM, mesmo não tendo passivos de longuíssimo prazo, podem sim marcar na curva os títulos públicos e mesmo os privados.
Outro aspecto é que a medida, apesar de visar prevenir a transferência de riqueza entre participantes, pode gerar volatilidade na cota dos planos em momentos de turbulência de mercado, prejudicando a percepção de valor dos participantes. Especialistas da área de previdência complementar defendem que a decisão de marcação na curva ou a mercado deveria ser uma decisão de gestão, com base em estudos técnicos para cada plano específico.
Em 2022, a marcação a mercado obrigatória, principalmente para Títulos Públicos de longo prazo, resultou em 80% dos Planos CV e 77% dos Planos CD não superando suas metas atuariais. Essa situação gera impacto negativo para os participantes dos planos, especialmente aqueles que estão na fase de recebimento dos benefícios, uma vez que impacta a correção dos mesmos.
A marcação a mercado, embora aparente alinhar-se com as práticas do mercado financeiro, gera impactos significativos na performance e na percepção de valor dos planos de previdência complementar.
Por fim, podemos concluir que, para as EFPCs, a necessidade de precificação justa de todos os ativos não é crucial, uma vez que a exigibilidade dos passivos é conhecida e a frequência de resgates não esperados dos planos é baixa. Além disso, a marcação a mercado pode gerar instabilidade e volatilidade em tempos de crise financeira. Portanto, sugerimos revisar as Resoluções CNPC nº 37/2020 e 43/2021, permitindo a contabilização dos Títulos Públicos Federais de longo prazo pelo valor da curva nos planos CV e CD, alinhando melhor as regras ao setor e proporcionando maior segurança aos participantes. A norma poderia exigir um estudo de ALM para mitigar possíveis transferências de riqueza.

Sérgio Clark é diretor de administração e investimentos da Fundação Capef