Fundos de pensão e os multimercados | Alexandre Póvoa

Edição 147

Uma verdadeira febre levou este segmento a ocupar um lugar de destaque na participação na indústria como um todo. Segundo dados da Anbid, em maio deste ano, dos R$ 540 bilhões aplicados em fundos de investimento, cerca de R$ 150 bilhões (30%) encontravam-se alocados na categoria multimercados.
A peça de marketing “ganhar sempre, na alta ou na baixa” sofreu duro golpe no primeiro semestre de 2004. Em um movimento comum a qualquer mercado florescente, multiplicaram-se os gestores e as promessas de “rendimento eterno”. Porém, alguns ícones da indústria tiveram performance muito abaixo do esperado, graças a um mercado adirecional entre janeiro e abril, combinado com um súbito aumento de volatilidade a partir de maio. A conseqüência foi uma intensificação de saques, sobretudo nos últimos meses.
Por que os fundos de pensão participaram apenas marginalmente de toda esta onda? Porque até hoje algumas indefinições em termos de legislação ainda não foram sanadas? No começo da minha carreira, trabalhei em fundo de pensão (exatos dez anos atrás). Desde lá, várias novas resoluções foram lançadas e aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), sendo a mais recente a famosa 3.121. Mas alguns velhos mitos ainda permanecem sem resposta objetiva: fundo de pensão pode ficar “vendido” em algum mercado (em outras palavras, pode comprar contrato de juros ou vender Ibovespa e câmbio futuros)? É permitido que os fundos de pensão façam alavancagem de posições? Na prática, a maioria deles, por não estarem totalmente seguros das respostas, preferem não arriscar.
A Resolução 3.121, especificamente nos seus artigos 15 e 24, vedam as operações “vendidas” somente por meio de opções. Teoricamente, se os mercados futuros não estão contemplados na legislação, as operações por este mecanismo estão liberadas, com a restrição dos limites legais de aplicação em renda fixa e variável. Quais seriam os problemas e vantagens da aplicação de fundos de pensão em multimercados?
Para torná-lo elegível para investimento, os fundos de pensão normalmente exigem que qualquer fundo aberto esteja totalmente adaptado à Resolução 3.121 em termos de composição de carteira e procedimentos. A visão usualmente é conservadora, já que na realidade o que deveria importar seria a posição consolidada e não os investimentos específicos em fundos A, B ou C. Na prática, por exemplo, um fundo para investidor institucional não pode ter mais que 20% do portfólio em títulos privados, mais de 35% em ações (se estas não pertencerem ao Nível 2 e Novo Mercado) e obedecer todas as outras restrições de composição de portfólio. Um outro problema aparentemente incontornável constitui-se na questão do day trade, operação que, apesar de muito comum em fundos abertos, é proibida para fundos de pensão.
A solução está na constituição de fundos multimercados exclusivos, onde todas as limitações podem ser contempladas. Inicialmente, para quem já conviveu com os diversos comitês e conselhos de curadores de fundos de pensão, é muito mais palatável a idéia de investimento em multimercados enquadrado na 3.121 do que o voto em um aumento de participação em renda variável, por exemplo. Mais importante, se analisarmos com cuidado o calendário de vencimentos de títulos que normalmente servem de lastro (ALM – gestão de ativo e passivo) para a carteira de fundos de pensão, como a NTN-C (papel indexado a IGP-M), nos deparamos com os seguintes números: em julho do ano que vem, vencem R$ 5,2 bilhões; e no dezembro seguinte, serão resgatados mais R$ 10,2 bilhões. Será que os fundos de pensão – se, por exemplo, os atuais cupons entre 7% e 8% a.a. (mesmo em títulos mais longos) estiverem prevalecendo nestes dias –, irão decidir pela rolagem destes papéis com a mesma convicção de quando estes prêmios estavam ao redor de 10% a.a. (entre 2001 e meados de 2003)? Se a SELIC encontrar-se ao redor de 13% ou 14% ao ano nesta época, tal hipótese é totalmente factível.
Certamente, parte destes R$ 15,4 bilhões será direcionada para investimentos de maior risco e os fundos de multimercados são candidatos naturais a recebê-los. O mais interessante é que este tipo de produto normalmente é oferecido por assets independentes ou bancos com perfil mais agressivo, nicho que os investidores institucionais, na média, não têm muito contato comercial, o que será ótimo tanto para cliente como para gestor. Novos parâmetros, oxigenação do mercado, enfim, finalmente uma grande chance para mais um passo no processo de profissionalização e sofisticação de investidores institucionais, com ganhos diretos aos participantes. Quem viver, verá.

Alexandre Póvoa é diretor do Modal Asset Management – MBA Stern School of Business apovoa@modal.com.br