Fiagro não é renda fixa |_ Luciano Lewandowski

Edição 359

Em março de 2021 foi promulgada a lei 14.130, que criou a figura do Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, os Fiagros. Um Fiagro, dentre outras possibilidades, pode comprar imóveis rurais, arrendar, vender e dar em garantia a própria fazenda ou a produção. Uma das inovações trazidas pela legislação é o novo regime jurídico para contratos de arrendamento envolvendo Fiagro que definitivamente pode facilitar as transações financeiras pretendidas entre os agricultores e os fundos.
Como a necessidade de financiamentos alternativos para o agronegócio era latente e urgente, diversos Fiagros surgiram. Em dois anos, estes fundos já acumularam mais de R$ 15 bilhões em patrimônio líquido. Nos últimos meses, o mercado financeiro tem sido inundado com discussões sobre a viabilidade de longo prazo do produto. A visão mais pessimista considera que haja uma avaliação inadequada dos riscos envolvidos nas operações que lastreiam estes ativos. Riscos inerentes ao mercado em que os Fiagros se propõem a operar, quer seja na compra de terras, na concessão de crédito ao produtor, crédito ao financiamento de capital, crédito ao resto da cadeia produtiva ou até mesmo no equity para a aquisição de empresas.
O sucesso do setor agrícola, mesmo com as constantes melhorias em produtividade conquistadas nas últimas décadas, permanece intimamente atrelado ao preço das commodities, que se movem em ciclos. Por isso as negociações no campo são referenciadas na maioria das vezes por sacos de soja, arrobas de boi, ou arrobas de algodão.
Na fase expansionista do ciclo, ou seja, em tempos de preços favoráveis, as margens de lucro permitem excessos. Já na fase de contração, onde os preços estão em baixa, como claramente aconteceu na safra 2022/2023, as empresas do segmento e os agricultores de todos os tamanhos enfrentam dificuldades financeiras para pagar seus compromissos corriqueiros que não estão atrelados ao seu produto.
Muitos Fiagros de crédito oferecem rendimentos generosos aos seus investidores, mas podem estar subestimando o risco de crédito do negócio caso estejam cobrando parcelas do produtor agrícola indexadas ao CDI ou IPCA. Estes índices de mercado não refletem bem os principais custos de produção, muitas vezes dolarizados. Tão pouco se se relacionam a fatores de receita como preço e produtividade. Um fazendeiro faz a conta da sua capacidade de pagamento com base no produto que vende. Se o preço da saca de soja, por exemplo, cai pela metade, a mesma parcela em reais exige o dobro de sacas para ser quitada. Não é de se surpreender que isso comprometa sua saúde financeira.
Pode-se argumentar que há garantias substanciais apresentadas nas operações de crédito, portanto o investidor estaria protegido. Em geral essas garantias são representadas por fazendas valiosíssimas, mas que podem não representar garantia de geração de caixa suficiente para cumprir todas as obrigações assumidas pelo produtor, deixando o investidor descoberto durante a execução. A flutuação dos preços das commodities, sujeitas às forças do mercado, que inclui a variação cambial, torna impossível assegurar um fluxo de pagamento de renda constante ao longo do tempo em moeda corrente.
Para obter êxito investindo em Fiagros é necessário que o investidor adote uma abordagem estratégica que leve em conta os ciclos da agricultura, as flutuações nos preços das commodities, a volatilidade cambial e o valor da terra. A volatilidade inerente ao setor agrícola torna a estabilidade dos pagamentos em moeda corrente um desafio, mesmo utilizando instrumentos de hedge complexos e dispendiosos. Sem uma compreensão da natureza do negócio em si – a terra e o produto agrícola – o risco pode ser mal precificado.
Dito isto, o Fiagro certamente possui características que fazem dele um ótimo veículo de investimento para renda variável ou ganho de capital, mas pode ser mal utilizado para compor carteira quando oferecido como renda fixa. Se for vendido desta forma, a viabilidade do veículo de investimento Fiagro pode ser questionada e pode prejudicar o investidor, porque ele deixa de aproveitar as boas oportunidades do agronegócio brasileiro.
Os Fiagros têm o potencial de revolucionar o financiamento do agronegócio nacional, viabilizando investimentos com objetivos de desenvolvimento sustentável e inovações tecnológicas. Mas um ponto importante é a longevidade desses fundos, que dependerá da capacidade de atrair investidores que tenham compreensão dos riscos, de uma regulação inteligente, e atenção constante às melhores práticas de mercado. Caso contrário, além de prejudicar o investidor, a exemplo de outros veículos de investimento como o FIP fez com o Private Equity, pode manchar a imagem do setor mais pujante da nossa economia.

Luciano Lewandowski é sócio Fundador da AGBI