Edição 350
O ano de 2023 aponta com todos os ingredientes para um cenário de maior aversão a risco: os juros internacionais devem subir ainda mais, espera-se desaceleração nas principais economias e há questões geopolíticas pendentes. Depois de dois anos de ampla liquidez mundial – oriunda de políticas monetárias e fiscais frouxas – é hora de desaquecer para desinflacionar. Esta é a tônica entre bancos centrais de economias avançadas e emergentes. Inflação de dois dígitos deixou de ser exclusividade dos países em desenvolvimento; atualmente, assombra países desenvolvidos, que reagem mostrando-se cada vez mais dispostos a sacrificar crescimento econômico em nome do reequilíbrio de preços. Esta conjunção de fatores é má notícia para as economias emergentes – que, com suas fragilidades institucionais, comerciais, dependência tecnológica e de financiamento externo, sofrem quando há contração econômica mundial, alta de juros internacional e aumento da aversão a risco.
Nos mercados internacionais, os EUA continuará liderando o movimento de alta de juros. As indicações dos próprios membros do FOMC reforçam nossa convicção – tanto pela mensagem de Jerome Powell no simpósio de Jackson Hole quanto pelas projeções publicadas em setembro pelo conjunto de presidentes do Federal Reserve System. As projeções indicam contínua alta de juros até próximo de 5% em 2023 como forma de convergir a inflação para a meta no horizonte de dois anos. Desinflar a economia americana demandará taxa de desemprego acima dos 5% e, provavelmente, juros acima do estimado.
Essa dura realidade prolonga o cenário de dólar forte perante as demais moedas, em particular onde o carrego é baixo – como Japão, Reino Unido e Zona do Euro. Muito porque o Federal Reserve tem vantagem no processo de aperto monetário: por exemplo, eventualmente o BCE terá que ponderar em suas decisões a complexidade dos efeitos dos juros no endividamento público dos países periféricos, além dos problemas energéticos, os desafios políticos na Itália e a guerra na Ucrânia. É muito difícil contrapor-se a esta tendência de fortalecimento do dólar: por exemplo, uma política cambial baseada em intervenções só agravaria o quadro de desconfiança e, consequente, enfraquecimento das moedas, ainda mais se acompanhada por expansão fiscal.
Nesse ambiente de condições financeiras globais apertadas, menor demanda externa e preços de commodities em queda, as economias emergentes enfrentarão déficits em conta corrente maiores e custo de financiamento mais caro. Manter os juros altos ajuda, mas dado o carrego menor devido à alta de juros externo, a recomendação de política econômica é restrição fiscal, pois adequa o produto à demanda externa menor, ao mesmo tempo em que reduz a percepção do risco soberano. Fácil falar e difícil fazer: corte de gastos fiscais confrontam outras caracteristicas dos emergentes, como desigualdade de renda e rede de assistência social restrita.
O Brasil está numa posição relativamente favorável entre os emergentes – por ser exportador líquido de commodities, com uma pauta diversificada entre petróleo, metais e alimentos e estar longe das zonas de conflitos geopolíticos. A percepção de que não haverá disrupção na economia, qualquer que seja o vencedor das eleições, também colabora para manter o Brasil como destaque entre os emergentes. Mas tais características não dispensam o país de atacar com disciplina as suas vulnerabilidades – e por isso, as regras fiscais e outras reformas econômicas seguem cruciais, ainda mais diante do quadro desafiador para emergentes.
Uma regra fiscal crível favoreceria a continuidade do fluxo de capitais para o país, reduzindo pressões cambiais e preservando poder de compra da moeda, algo desejável a qualquer tempo e crucial um ambiente de maior aversão a risco. Também promoveria a eficiência dos gastos, o que ajuda no crescimento; e ampliaria a capacidade de pagamento da dívida, o que reduziria as taxas de juros.
Outras reformas poderiam ajudar na melhor alocação dos recursos liberados com o ajuste fiscal. Exemplos: uma reforma tributária reduzindo a complexidade e peso dos impostos sobre a produção, e uma reforma administrativa diminuindo o tamanho do estado e, com isso, liberando poupança doméstica para investimentos. Quase sempre ausente do debate do mercado mas também crucial, uma reforma educacional que priorize a educação fundamental e valorize a formação tecnológica poderia melhorar a qualidade da força de trabalho e aumentar nossa competitividade e produtividade.
Um eventual descompromisso com a responsabilidade fiscal pode fazer os ativos brasileiros perderem a oportunidade de ter os melhores desempenhos entre os emergentes e, consequentemente, um caminho mais suave, em um ano que promete ser tão adverso.
Tatiana Pinheiro é economista-chefe da Galápagos Capital