Cenário desafiador, mas melhor | Eduardo Jarra

Edição 357

O mercado doméstico passou por relevante descompressão de risco recentemente, com considerável apreciação dos ativos. Ainda que estejamos alinhados com a percepção mais positiva na margem, temos uma leitura mais balanceada em termos de estratégia de investimentos.
De fato, o conjunto de informações recente trouxe sinais mais construtivos para a conjuntura econômica e, consequentemente, o nosso posicionamento tem um viés mais benigno para os ativos locais. No entanto, além dos preços mais apreciados no mercado, continuamos identificando pontos de atenção no cenário global e local. Dessa forma, nossa exposição a risco segue comedida em relação ao histórico.
O ambiente internacional ainda nos parece desafiador. A inflação nas principais economias desenvolvidas – EUA e Zona do Euro – continua elevada e em patamares superiores às metas. O processo de desinflação está em curso, mas num ritmo lento, com convergência para as metas prevista apenas para o final de 2024. O mercado de trabalho aquecido é um risco para essa desinflação, podendo trazer um movimento de convergência ainda mais gradual.
A consequente elevação dos juros prossegue. Nos EUA, imaginava-se o ciclo altista encerrado com a taxa atingindo 5,25%, mas o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) indicou que ainda pode ocorrer ajuste adicional. Na Zona do Euro, o Banco Central Europeu (BCE) sugere juros mais próximos de 4,0%. Uma eventual redução dos juros ainda neste ano é pouco provável, por parte do Fed ou do BCE, com esse debate sendo deslocado para 2024. Assim, a política monetária seguirá restritiva, com efeito sobre as condições financeiras.
Nesse contexto, o PIB global deverá desacelerar nos próximos trimestres. A política monetária contracionista deverá levar a uma perda de fôlego mais pronunciada nos EUA – com possibilidade de uma recessão técnica – e à manutenção de um ritmo fraco de atividade na Zona do Euro. Após um primeiro trimestre forte por conta da reabertura pós-pandemia, a economia chinesa parece estar passando por um desaquecimento mais intenso.
Por outro lado, a chance de materialização de alguns riscos parece ter diminuído, ainda que sigam sob monitoramento. Em termos práticos, isso permite um aumento da visibilidade e da confiança em torno do cenário-base – ainda que o contexto permaneça desafiador. Apesar do ciclo monetário ainda em curso, os principais bancos centrais estão mais próximos do estágio final, e isso reduz a chance de taxas terminais muito além das projeções atuais. Sobre a questão bancária, em particular dos bancos regionais americanos, notamos certa estabilização e redução do risco de cenários mais adversos, ainda que possivelmente ocorra um aperto no crédito um pouco mais intenso.
No Brasil, o cenário para 2023 e 2024 mostra-se complexo, com inflação resiliente e acima da meta, desaceleração econômica e juros ainda em território contracionista. O quadro fiscal é desafiador, e exigirá atenção nos próximos anos.
Em termos de projeções, o consenso – boletim Focus do Banco Central – é de um IPCA próximo de 5,0% e 4,0% para 2023 e 2024, respectivamente, e de um crescimento do PIB pouco acima de 2,0% em 2023 – com contribuição importante da performance robusta do setor agropecuário – e desaceleração para a faixa de 1,0% em 2024.
Porém, informações recentes contribuíram para uma acomodação no ambiente doméstico, inclusive com a expectativa do início do ciclo de redução da taxa Selic em breve. Há sinais de um alívio da inflação um pouco mais rápido do que o inicialmente esperado, enquanto ocorreu uma melhora no comportamento das expectativas inflacionárias. A continuidade deste movimento pode ganhar força caso a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) em junho (não conhecida na redação deste artigo) seja de manutenção da meta de inflação em 3,0%, o que é a nossa hipótese.
Do lado fiscal, o novo arcabouço foi um passo na direção correta e ajudou a reduzir parte da percepção de risco. Ressaltamos que medidas voltadas para o aumento da receita do governo são necessárias para o sucesso das novas regras.
Nesse ambiente, o início do afrouxamento monetário está próximo (agosto ou setembro), com as expectativas para a Selic caminhando para cerca de 12% em 2023 e pouco abaixo de 10% para 2024.
Em suma, ainda que a conjuntura global e local ainda inspire cautela, os desdobramentos recentes aumentaram a nossa confiança no cenário-base, ao contribuírem para uma redução do risco de cenários mais adversos. Reforçamos, no quadro local, a proximidade do ciclo de afrouxamento monetário. O aumento de visibilidade no cenário, juntamente com uma descompressão de parte dos riscos, é compatível com uma visão mais equilibrada para o mercado global e local. No caso dos ativos domésticos, em particular, nosso atual viés de posicionamento é mais construtivo. Ao mesmo tempo, os níveis de preços mais apreciados reduzem o potencial de retorno esperado e, juntamente com alguns pontos de atenção no cenário, nos levam a uma exposição de risco relativamente contida quando comparada ao histórico.

Eduardo Jarra é chefe de economia e estratégia da Santander Asset Management Brasil