Cautela e incerteza devem pautar cenários |_ Mario Felisberto

Edião 348

O primeiro semestre do ano foi marcado por forte depreciação dos ativos de risco, tanto globalmente quanto localmente. O principal termômetro do mercado global, o índice S&P 500 do mercado de ações americano, teve queda de mais de 20% no período. Com isso, surge naturalmente a pergunta: com os atuais patamares de preço, esse é o momento de aumentar as alocações em ativos de risco?
Olhando para trás, essa queda nos preços parece natural, dado de um período que registrou forte deterioração do ambiente internacional, com inflação em níveis elevados e aumento relevante das taxas de juros em diversos países, além de crescimento dos riscos geopolíticos. A situação no Brasil também refletiu uma série de dificuldades, com inflação pressionada e continuação do ciclo de aperto dos juros, num contexto fiscal desafiador.
Este é o ponto de partida para o cenário de investimentos do segundo semestre: um ambiente de maior complexidade que o padrão, em que o processo de tomada de decisões deve ponderar eventuais oportunidades oferecidas por preços mais descontados contra a materialização de riscos consideráveis nos ambientes global e local.
O cenário internacional deve ser pautado por crescimento abaixo do potencial e continuidade do ciclo altista de juros em boa parte dos países, refletindo o difícil combate ao atual processo inflacionário. Esse contexto não é necessariamente negativo, pois está baseado nas premissas de um crescimento global moderado e de que os principais bancos centrais levarão os juros para território neutro (Zona do Euro) ou ligeiramente contracionista (EUA), sendo esse movimento suficiente para trazer a inflação de volta para as metas entre 2023 e 2024.
O maior desafio está no balanço de riscos, em que existe potencial para cenários com impacto econômico mais severo. Nos EUA, a inflação tem mostrado maior persistência do que o esperado, o que leva ao risco de uma resposta ainda mais incisiva por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que poderia levar a um quadro recessivo. Na Zona do Euro, uma eventual escalada geopolítica pode ser o fator decisivo para uma contração da atividade. Na China, um novo aumento de casos de Covid-19 poderia causar nova queda da atividade em função de lockdowns adicionais, similares ao que vimos no segundo trimestre.
Já no Brasil, o impacto da política monetária restritiva sobre a atividade será sentido de forma mais intensa nos próximos trimestres. Com uma taxa Selic em torno de 14%, que deve ser mantida até meados do próximo ano, os juros reais estão num patamar fortemente contracionista. Ainda que, até o momento, os resultados da atividade venham surpreendendo positivamente, os efeitos defasados da alta dos juros são o principal motivo para nossa expectativa de desaceleração. Essa trajetória da atividade, combinada com a premissa de normalização das cadeias produtivas e de menor pressão das commodities e da taxa câmbio, nos leva a projetar recuo da inflação nos próximos trimestres.
Nesse contexto, as eleições serão monitoradas de perto pelos investidores, com foco no desenho da condução da política econômica e na perspectiva de reformas.
Por esses motivos, enxergamos um período de incerteza acima do usual neste segundo semestre. O cenário global aponta para uma aversão a risco ainda elevada, com condições de liquidez mais apertadas. Já no Brasil o ambiente é compatível com percepção de risco soberano pressionado, enquanto prossegue o ajuste do ciclo econômico.
Assim, voltando à pergunta inicial, consideramos que a alocação de ativos no segundo semestre deveria ainda ser pautada por cautela: recomendamos uso contido do orçamento de risco, com carteiras mais equilibradas e diversificadas (tanto por classe de ativo como por geografia) e busca por estratégias de proteção (hedges) sempre que possível.
Além disso, nosso viés tático de posicionamento segue na direção mais conservadora. Tomamos nossas decisões de investimento levando em conta dois fatores principais: visão de cenário e preços dos ativos. Analisando esses fatores, consideramos que os preços dos ativos estão, de maneira geral, refletindo premissas já relativamente cautelosas, mas ainda existe potencial de deterioração adicional do cenário.
Isso não quer dizer que posições mais otimistas não possam ser consideradas atrativas em algum momento dos próximos meses, seja por queda adicional nos preços, seja por melhoras na percepção sobre o cenário. Mas essas possíveis mudanças devem ser consideradas de maneira cuidadosa.

Mario Felisberto é executivo-chefe de Investimentos da Santander Asset Management