Brasil, um passo à frente dos demais _| Andressa Castro

Edição 349

O cenário internacional tem se tornado cada vez mais desafiador para os ativos de risco, em meio à necessidade de aperto monetário pelos Bancos Centrais para frear a inflação ao mesmo tempo em que a atividade econômica começa a dar sinais de enfraquecimento. A busca pelo aperto de condições financeiras e enxugamento de liquidez pelas autoridades monetárias tem se refletido na tendência de abertura das taxas de juros, queda nas bolsas e fortalecimento do dólar que temos visto desde o início do ano.
A guerra contra a inflação ainda está em curso e os principais bancos centrais do mundo sequer atingiram o nível restritivo de juros, no qual a política monetária é capaz de desaquecer a economia e consequentemente desacelerar a inflação. O Federal Reserve, banco central americano, elevou a taxa de juros a um patamar próximo ao neutro (2,25%-2,50%), mas para controlar a inflação, o Fed terá de adentrar o território restritivo – visualizamos uma taxa próxima a 4%-4,25% – além de mantê-la em patamar elevado por um período prolongado (“higher for longer”). Mais atrás, está o Banco Central Europeu (ECB), que vem lutando contra uma inflação ainda mais aguda – devido à crise energética como desdobramento da guerra da Ucrânia – mas ainda apresenta uma taxa de juros (taxa de depósito) em 0,75%, abaixo do patamar considerado neutro, segundo a presidente Lagarde.
Do outro lado do espectro está o Brasil, que saiu na dianteira em termos de aperto de política monetária. Com os juros a 13,75%, já estamos no final do ciclo de aperto monetário, em nível significativamente restritivo. Em uma amostra de 30 países, incluindo desenvolvidos e emergentes, o Brasil é um dos únicos a apresentar uma taxa de juros real positiva, quando calculada pela taxa de juros anunciada pelo banco central descontada da inflação corrente. Esse diferencial de juros reais do Brasil em relação ao restante do mundo tem beneficiado nosso câmbio. Mesmo com o fortalecimento do dólar no mundo, o real tem apresentado um desempenho exemplar contra os pares. No ano, o retorno total do real (incluindo o carrego) é próximo a 17% e só perde para o rublo e para o peso argentino, destinos pouco atrativos para os investidores em termos de risco.
Além do destaque do lado dos juros, o Brasil também vem remando contra a correnteza dos demais países em relação às perspectivas de crescimento econômico e de inflação. Mesmo com o aperto monetário em curso, tanto o Fed quanto o ECB ainda estão sendo surpreendidos pela força inflacionária e a cada trimestre vêm revisando a inflação de 2022 e 2023 para cima. O Brasil, por outro lado, está passando por um momento mais benigno em relação à dinâmica inflacionária e os economistas passaram a revisar para baixo a inflação de 2022 e 2023, conforme divulgado pela pesquisa Focus. Chegamos a projetar uma inflação de cerca de 10% para esse ano e de 6% para o ano que vem e atualmente projetamos uma inflação próxima a 6% para esse ano e abaixo de 5% para 2023. Vale lembrar, porém, que grande parte disso se deve às medidas de corte de impostos adotadas pelo governo. Ainda assim, acreditamos que o pior momento da inflação tenha ficado para trás.
O mesmo vale para as revisões de PIB. Em janeiro, as projeções de crescimento do PIB de 2022 para os Estados Unidos era 3,8%, para a Zona do Euro 4% e para a China 5,2%, segundo a mediana dos economistas das principais casas que acompanhamos. Desde então, a economia desses países vem decepcionando e sofrendo revisões consecutivas de queda. Hoje, a expectativa de crescimento desses países para esse ano é de 1,6%, 2,8% e 3,5% respectivamente. Já o Brasil vem superando as expectativas em termos de atividade de forma consistente. Em janeiro, o Focus apontava para uma expectativa de crescimento do PIB de 0,3%, ao passo que hoje, as expectativas são de um crescimento acima de 2%. Isso se deve à força do consumo e do setor de serviços impulsionados pelas ações de estímulo do governo (como a elevação do Auxílio Brasil, cortes de impostos, saque do FGTS, adiantamento do 13º dos aposentados, etc.), além do desempenho excepcional do mercado de trabalho e do consumo do excesso de poupança acumulado na pandemia.
Entretanto, por mais que nossa perspectiva econômica esteja caminhando para uma direção positiva, temos um grande fator de incerteza à nossa frente, que é a nova administração e a definição de um novo arcabouço fiscal. Os ciclos econômicos do Brasil possuem uma maior correlação com a organização fiscal do que com os ciclos próprios de política monetária. Isso significa que, para crescermos de forma sustentável, necessitamos de uma âncora crível que nos permita vislumbrar uma trajetória convergente da relação dívida-PIB, independentemente de quem vença a eleição.

Andressa Castro é economista-chefe da BNP Paribas Asset Management