Edição 332
O ano de 2020 termina e certamente será histórico. Marcará nossas gerações, e será estudado no futuro por biólogos e médicos, sociólogos e historiadores, e naturalmente, por economistas e financistas.
Tal como em todos os segmentos, podemos dizer que no mercado financeiro a pandemia produziu ganhadores e perdedores.
No caso brasileiro, e especificamente para os fundos de pensão, a verdadeira montanha russa de eventos que marcou o ano colocou um enorme desafio de rentabilizar as carteiras num ambiente de forte pressão nos dirigentes do segmento, oriunda tanto dos participantes como dos organismos de supervisão interna e externa.
Voltando ao final de 2019, naquele momento já era claro o desafio para as entidades em se adaptar a um ambiente de juros na mínima histórica, meramente empatando com a inflação, e a necessidade de ampliar o leque de investimentos, buscando aqueles que pudessem superar a meta, com o desagradável efeito colateral do aumento da volatilidade.
O que já era difícil ficou crítico. O Banco Central, mesmo sob alguma oposição, levou a Selic a inimagináveis 2% a.a. em julho, e desde então tem mantido a taxa inalterada, mesmo com a disparada da inflação no último trimestre, que deverá fechar o ano acima de 4%, na medida do IPCA, e estonteantes 25% na estimativa do IGP-M.
Assim, aquela opção de ir trocando a renda fixa por outras alternativas aos poucos ganhou um senso de urgência inusitado. Mas o que fazer? Em março a bolsa brasileira derretia, com uma queda de quase 50% desde a máxima em janeiro. Compreensível, dada a precária visibilidade de como emergiria a economia após as fortes restrições de mobilidade implantadas em nosso país. O cenário se revelou menos drástico, e, puxada pela recuperação mundial, as ações foram retomando suas cotações, mas enquanto o S&P 500 voltou ao positivo em julho, o índice brasileiro só em dezembro deste ano voltou ao patamar do final do ano passado.
Na renda fixa o cenário não foi menos difícil. Ao mesmo tempo que a taxa diária recuava, as taxas de longo prazo permaneciam erráticas, mas sempre mostrando uma inclinação positiva, sinalizando a fragilidade fiscal das contas públicas. A taxa de juros pré-fixada de dez anos, por exemplo, tocou 10% a.a. no momento mais agudo do ano, e depois oscilou entre 7% e 9% a.a., refluindo um pouco em dezembro para o patamar de 7,5% a.a.
Como se não fosse bastante, os títulos públicos voltaram a ser negociados com deságio, desde a vetusta LFT até as ariscas LTNs e NTNs, fazendo também os investidores desse segmento amargarem perdas ao longo do ano, com um alento em dezembro, que finalmente levou também os títulos indexados à inflação ao território positivo.
No lado dos ganhadores, se destacam naturalmente as aplicações em dólar, que no universo da EFPC geralmente são escolhidas para a parcela das ações internacionais. Uma pena que os limites desse segmento sejam tão pequenos. Penso que é urgente ampliar a parcela de ativos externos permitidos nas carteiras das fundações, não devido aos ganhos passados, mas pela possibilidade de investir em setores e empresas pouco representados na bolsa brasileira, com tecnologia, saúde e empresas ligadas à economia “verde”.
A CVM já liberou a negociação de BDRs para o varejo, e os gestores e corretores estão cada vez mais bem aparelhados para oferecer alternativas seguras e diversificadas para os investidores institucionais.
Outro setor que se mostrou positivo foi o de fundos multimercados. Aqui é difícil fazer uma generalização, pois a latitude de alocação desses fundos leva a uma diversidade de resultados mais ampla. Analisando uma base de fundos mais representativos do segmento, notamos que a ampla maioria suplantou o CDI no ano, e o mais importante, com uma flutuação muito mais baixa do que o IBX e o IMA-B. Também aqui se nota o quão frustrante é o limite restrito dessa modalidade, o que vem impedindo os gestores se beneficiarem dessa alternativa de investimento que ganha cada vez mais adeptos globalmente.
No segmento de gestão profissional, os fundos de ações também entregaram bons resultados. Aqui a diversidade de fundos e abordagem é ainda maior, e avaliação predominante é que como nos multimercados a gestão ativa mostrou seu mérito: a flexibilidade e agilidade foram fundamentais em dar aos gestores a oportunidade de ajustar suas carteiras ao longo do ano, levando em conta as diversas fases em que passaram os mercados desde que a Covid-19 dominou o noticiário.
Passado o pior momento da pandemia, e vislumbrando o início das campanhas de vacinação no Brasil e no mundo, podemos antever um 2021 mais parecido com um ano “normal”.
Uma boa referência seria o ano 2009, logo depois da crise financeira de 2008. A combinação dos cortes de juros e uma forte recuperação cíclica permitiram uma alta forte das ações sem pressionar a inflação, pois ainda havia bastante ociosidade, devido à recessão iniciada no final do ano anterior. Aquele ano marcou o início de um dos mais duradouros ciclos de alta nos mercados mundiais, que o Brasil não soube aproveitar pelos seus problemas internos.
Da mesma maneira, o cenário que se desenha para os próximos anos repete a combinação de ociosidade, juros baixos e expansão dos programas de gastos governamentais, sem maiores fontes de inflação, que costuma ser muito positiva para os ativos financeiros. Há também a vantagem adicional de um cenário de depreciação mundial do dólar, o que beneficia as commodities e os países emergentes. Nesse contexto, uma vez mais o Brasil se arrisca a se atrapalhar nas próprias pernas e desperdiçar um ambiente externo favorável por conta de questões políticas internas.
Finalmente, espero que os reguladores acelerem seu passo e promovem uma nova rodada de flexibilização nas regras de alocação dos planos de previdência. E seria muito útil uma conversa com os especialistas das finanças comportamentais para trazer ideias inovadoras para temas ligados às regras movimentação dos participantes nos planos e no sistema de perfis de investimento que em certas circunstâncias não trouxeram os incentivos corretos para os agentes do sistema.
Marcelo Giufrida é CEO da Garde