Edição 161
O ponto de partida de qualquer projeto de interiorização do mercado de capitais encontra-se na comunicação, que precisa ser eficiente
Vivemos um momento único no nosso mercado de capitais. Iniciativas inovadoras e arrojadas de instituições civis e reguladoras vislumbram um potencial crescimento de nosso mercado. Os vários projetos de popularização da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), as novas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a postura atuante da Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Animec), o plano diretor do mercado de capitais, a criação do Instituto Nacional de Investidores (INI), dentre outras, são ações com o mesmo objetivo: tornar mais transparente e possibilitar uma maior visibilidade para toda a sociedade brasileira de nosso mercado de capitais.
Considero a expansão da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) como um dos destaques destas iniciativas. Cidades como Goiânia, Salvador, Recife, Florianópolis, Uberaba e Uberlândia estão recebendo apresentações públicas da Apimec. Atualmente, a Apimec está presente em 12 cidades diferentes do País, nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste.
Neste ano de 2005, percorri estas cidades realizando apresentações sobre o Banco Itaú Holding Financeira, sendo que em algumas fui pela quarta vez consecutiva e em outras, pela primeira vez. A presença significativa de participantes, o seu interesse no mercado de capitais e o nível geral de informação (bastante elevado em relação às nossas expectativas) impressionaram a todos que estiveram comigo. Percebemos o grande potencial deste público. Neste contexto, utilizo este espaço para discutir uma questão que creio ser fundamental para o desenvolvimento do mercado de capitais: a sua interiorização.
Desde os bancos escolares foi nos ensinado que o Brasil é um país-continente. Era passada a falsa imagem de um bloco monolítico com uma única cultura, visão de mundo e linguagem, mas não nos foi ensinado a distinguir as diferenças de formas de vida entre as diferentes regiões. Formas de vida tão acentuadamente diferentes que, no limite, quase se poderia dizer estarmos vivendo num outro país.
É preciso estabelecer a distinção entre fatos da vida que são compreendidos uniformemente em qualquer região e entre formas de vida, que entendo como padrões específicos de comportamentos inerentes a uma determinada região. Talvez uma analogia esclareça melhor tal distinção: um criador de gado do Centro-Oeste compreende perfeitamente o fato de que tem gente ganhando e perdendo na Bolsa de Valores, já que ganhar e perder é comum em qualquer atividade humana, mas jamais entenderia como pode viver um sofisticado investidor paulistano com o delirante “sobe-e-desce” das ações.
Para sua forma de vida é um fato natural que seus bois emagreçam ou engordem, mas não faz parte de sua forma de vida ver seus bois emagrecendo e engordando dia sim, dia não. É normal, portanto, que recuse qualquer tentativa de comunicação que procure transformá-lo de potencial investidor em investidor efetivo, simplesmente porque formas de vida fazem parte da natureza humana e determinam rigidamente como as pessoas agem e reagem.
Se essa visão panorâmica da diversidade cultural do País estiver correta, o ponto de partida de qualquer projeto de interiorização do mercado de capitais encontra-se na comunicação, e esta só será eficiente se, ao interagirmos com uma comunidade diferente da nossa, adotarmos a “visão do outro”, ou seja, se encararmos suas formas de vida como sendo, no geral, a melhor e a mais verdadeira. Em outras palavras, deveremos praticar a comunicação com a linguagem usual nesse meio, e não impor nossos modos de expressão que só funcionam em áreas restritas.
De nada adiantará sobrecarregarmos o investidor do interior com definições altamente técnicas, porque, para que uma interação comunicativa seja produtiva, é preciso não apenas uma compreensão das definições, mas muito mais um acordo sobre juízos de valor. Desse modo, para que o projeto de interiorização se desenvolva e efetivamente se concretize, os profissionais de Relações com Investidores (RI) têm que moldar a linguagem aos padrões comportamentais de cada região, levando em conta suas necessidades, demandas, percepções e emoções.
Parecerá a muitos que essas considerações não se ajustam ao quadro de referências que estão acostumados a lidar, e terão justa razão. Nossa intenção é de apenas ver a questão sob novos aspectos que, talvez, possam acrescentar algo à discussão.
Geraldo Soares é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI)